Meu pai (foto acima) é um autoentusiasta nato. Atuando na profissão de frentista desde seus 16 anos, desenvolveu cedo sua paixão por carros.
Ele conta que teve vários carros na sua juventude, alguns raros hoje, como Mercury, seu sonho da época, Romi-Isetta, Ford 1937, DKW-Vemag Belcar, Aero-Willys, Ford Prefect, Škoda Octavia, Opel Kapitän, Renault Dauphine, Renault Gordini, Nash, entre outros.
Porém, teve um modelo que era seu sonho de consumo, mas na época era um carro para poucos! Falo do Ford Galaxie. Um suprassumo da Ford Brasil, que arrancava suspiros e chamava a atenção por onde passava, principalmente pelo seu porte e design. Meu pai só pode realizar seu sonho mais tarde, bem mais tarde, anos depois, na década de 1990 quando eu era um garotinho de apenas cinco anos.
Bem, cresci em meio a Galaxies, Mavericks, entre outros carros, e tive uma infância marcada pelos Galaxies que meu pai possuiu, sete ao todo. Aqui vai um relato do pouco que guardo em meu coração, memórias de um garotinho entusiasta influenciado por um pai presente que amava e ama até hoje seus filhos, sua família e seus carros.
Meu pai conta que quando eu tinha um ano e meio gostava de andar no banco da frente no colo de minha mãe — um crime hoje, mas na época… Bem, ele conta que eu queria mexer na alavanca de câmbio de seu carro, na época um Corcel, e se ele descuidasse o garotinho “metia”a mão.
Eu ficava fitando os olhinhos no câmbio, esquecia de tudo ao redor. Lembro que quando eu tinha aproximadamente três anos meu pai saiu comigo empolgado com um Fusca recém-comprado, o maluco me levou para dar uma volta nas pacatas ruas do bairro onde morávamos, comigo em seu colo entre ele e o volante, e em um dado momento eu estiquei minhas pernas bem no momento em que ele virava uma esquina, e ele afastou suas mãos do volante, e quase fomos parar dentro de uma valeta, um susto enorme. Ele nunca mais fez isso!.
Pois bem, alguns anos se passaram, eu já estava com cinco anos. Um belo dia ele chega do trabalho com um carro enorme!!! Eu saio correndo até o portão de casa, superempolgado, para ver aquele gigantesco automóvel, e ele me disse, “Filho, esse é um Galaxie,” Eu rapidamente pulei dentro daquele “sofázão” que era o banco da frente, e fiquei abismado com o tamanho de tudo, espaço interno, bancos, a alavanca de câmbio em cima,e as varias peças cromadas que haviam por todo o carro. Ali nascia uma paixão por carros.
Passávamos horas dentro daquele Galaxie, um LTD branco ano 1975, câmbio manual. Meu pai tinha um hábito de sempre chegar do trabalho no finalzinho da tarde no pôr do sol . Ele entrava dentro do seu Galaxie para ouvir música italiana e algumas clássicas orquestradas, e eu como bom parceiro, quando o via lá dentro do “Galaxão” corria lá para escutar musica junto com ele. Eu perguntava que sons eram aqueles, ele me explicava que eram instrumentos musicais — encurtando, hoje sou músico profissional e tudo começou no interior de um Galaxie.
O tempo passou, ele se desfez do Galaxie branco, e pegou um Galaxie 500 vermelho ano 1970, que segundo ele foi o mais “andador” de todos. Apesar de estar feio de aparência ele realmente andava muito. Lembro de uma ocasião em que estávamos eu e ele na estrada e um camarada com um Escort XR3 começou a querer acelerar junto, e ele colou o ponteiro no final, deixando o Escort comendo poeira. Para mim, um garoto, aquilo foi o máximo! Nunca me esqueço daquele momento. Como não lembrar também do problema crônico que esse Galaxie tinha, “encavalava”’ as marchas, sempre a segunda. Meu pai nunca conseguiu resolver e às vezes ficava nervoso.
Noutra ocasião era aniversário dele e eu disse que iria lavar o Galaxie para ele como presente. Ele aceitou meio receoso. Lembro que chamei um coleguinha para me ajudar, e passamos “pneu pretinho” por toda a lataria do carro, achando que estávamos fazendo um ótimo “serviço”… Quando meu pai viu quase infartou (risos).
Passado algum tempo ele se desfez do “vermelhão” — apelidado por ele — e adquiriu um Galaxie LTD 1973, dourado, que estava muito bonito, porém ele ficou pouquíssimo tempo com ele, pois estava como o motor ruim; tenho poucas lembranças dele. Um tempo depois ele adquiriu outro, azul-marinho, ano 1968, que aparece na foto, ele estava muito bonito também. Eu já tinha meus 10 anos, lembro que numa ocasião estávamos estacionados em uma ladeira, e o carro do nada começou a descer! Simplesmente soltou o freio, atravessamos uma via preferencial e por sorte não vinha nenhum carro, outro enorme susto.
Ele também não ficou muito tempo com esse “azulão’, pois tinha bastante coisa para fazer no motor. Um tempo depois ele pegou outro modelo, um cinza-chumbo do qual tenho pouquíssimas lembranças. Estava ruim de tudo, bem malcuidado,se desfez dele rapidamente. Depois desse período ficamos sem Galaxies por um tempo, mas ele teve outros carros. Eu já era pré-adolescente de 12 anos, quando surgiu a oportunidade de sua vida: um LTD Landau 1979 verde-metálico, segundo dono, com apenas 60 mil quilômetros! Esse carro era lindo! Parecia zero-quilômetro!
Nessa época já sabia dirigir (aprendi com 11 anos), fiquei eufórico para dar certo o negócio. Ele possuía um Monza e a pessoa que tinha o Landau queria um carro mais novo, então fecharam negócio. Porém minha mãe adorava aquele Monza e não queria de jeito nenhum aquela “banheira beberrona”, segundo ela (risos), mas não teve jeito. Lembro do dia em que meu pai chegou com o “verdão” e minha mãe torcendo para o carro não passar no estreito portão: foi uma cena engraçada e triste ao mesmo tempo, ver minha mãe chorando e eu e meu pai festejando.
Esse Landau foi nosso queridinho, meu pai fazia questão de aos domingos me levar para o trabalho com ele. Eu já tinha aprendido como lavar carros nessa época e enquanto ele trabalhava na pista abastecendo carros eu mesmo colocava o Landau no boxe de lavagem e o lavava.Depois eu passava a tarde toda encerando a relíquia à mão.
Ao cair da noite estacionava o carro próximo dos holofotes noturnos do posto de combustíveis, deixava o carro lá em exposição. Era comum passarem pessoas perguntando se não queria vender, se o carro era do patrão! Meu pai todo orgulhoso dizia que era dele o carro, recebia muitos parabéns. Esse carro foi inesquecível para nós, talvez o melhor carro que ele teve! Porem, teve uma despedida trágica.
O desemprego bateu a porta de nossa casa, seis meses depois meu pai teve que vender aquele carro para poder ter algum dinheiro para manter a família. Lembro como se fosse hoje, nós dois chorando juntos depois de o novo dono partir com o carro. Não me lembro de ter visto meu pai chorar antes, e naquele dia entendi nossa paixão por carros. Foi muito doloroso, até hoje temos saudade daquele carro.
Mas a vida segue, algum tempo depois meu pai comprou seu último Galaxie. Um LTD Landau ano 1977 preto, nosso primeiro carro com câmbio automático. Estava meio feio de aparência, precisava de uma pintura nova, mas tinha um som maravilhoso! E com o escapamento aberto, aquele V-8 anunciava sua chegada a quadras de casa.
Quantas vezes lembro de estar dormindo e ser acordado à noite com meu pai chegando do trabalho. Eu também gostava daquele carro, primeiro pelo visual um tanto “mau”, tinha alguns decalques de caveiras pelo seu interior, afinal eu já era um garoto de 14 anos, e segundo, pelo câmbio automático que eu achava o máximo!
Uma coisa que ainda não citei é que ao longo de minha infância algo que sempre lembro é de empurrar aqueles carros. Meu pai, descuidado, sempre deixava acabar o combustível e costumávamos ficar na rua, e esse último Galaxie/Landau era o mais beberrão de todos. Não sei se era pelo câmbio automático, mas sempre ficávamos na rua.
Numa ocasião fazia um frio de 2 graus negativos aqui em Curitiba, era um domingo, cinco e meia da manhã, estava indo com meu pai para o trabalho e ficamos na rua sem combustível.
Ele não queria se atrasar, o posto de combustíveis estava a cerca de dois quilômetros, e ele disse: “É, filho vamos ter que sair correndo até esse posto para conseguir combustível, para eu não me atrasar!.“Saímos correndo naquele frio congelante, e lembro num momento não sentir meu nariz, estava completamente amortecido pelo frio, estava até com dificuldades em respirar, mas seguimos rapidamente até o posto e conseguimos combustível para levar até o possante beberrão!
Meu pai sempre tentou resolver esse consumo elevado desse último Galaxie, ele mesmo costumava “mexer” nos seus Galaxies, na parte de carburação. Lembro de inúmeras vezes ele com o capô aberto, dando aquele acelerada, e eu espantado com o barulho que a borboleta do carburador enorme fazia, um barulho muito alto de aspiração!
Em uma certa ocasião ele mexeu, mexeu, na carburação desse Galaxie, e saiu satisfeito, me dizendo que havia encontrado a regulagem certa para o carburador daquela vez e, otimista, achava que o carro iria melhorar o consumo. Saímos para uma volta de teste, ele com uma garrafa PET com 1 litro de gasolina, fez um esquema que não lembro direito, mas a garrafa PET é que fornecia o combustível para o carro, e fui segurando ela em minhas mãos dentro do carro enquanto andávamos com carro para o tal teste do consumo!
Bem, o carro consumiu aquele 1 litro em 800 metros, e foram só risos: ele deixou o carro muito pior, pois antes ele vazia uma média de 2 a 2,5 km/l. Desistiu. Tempos mais tarde teve que vender aquele Galaxie, pois o preço do combustível havia disparado, e ficou impraticável andar com ele.
Os Galaxies/Landaus eram carros acessíveis para se comprar, hoje são relíquias e seu valor é algo surreal. Dificilmente teríamos um hoje, apesar de que sempre quando vejo um nas ruas estico o pescoço, e quando estou com meu pai as lembranças e relatos são certos.
Curiosamente, hoje na vida adulta tenho fascínio por carros pequenos, práticos, ágeis, econômicos, não gosto de carro grande, mesmo tendo o Galaxie/landau guardado em meu coração. Como já citado em outra matéria, atualmente possuo um up! TSI e minha esposa um Ka geração 1. Já contei essa história.
Meu pai teve vários carros de lá para cá, hoje possui um Citroën C3 1,4 e continua trabalhando como frentista, com seus 65 anos. Aliás, é o melhor frentista que conheço, não por ser meu pai, mas é um excelente profissional, pois ama o que faz, ama carros! Com ele aprendi a amar carros, amar a família, enfim, ele é meu exemplo e melhor amigo!
Feliz Dia dos Pais a todos!
Rodrigo Canozi
Piraquara, PR