Sabe aquela história do biscoito que está sempre fresquinho porque vende mais? Ou será que vende mais porque está sempre fresquinho? Pois é, minha vida é um pouco assim. Não sei se com os outros acontecem coisas o tempo todo e eles pouco comentam ou se a minha vida é que é bem atribulada. Provavelmente, um pouco das duas coisas.
Senão, vejamos. terça-feira, 23h30 recebo uma mensagem do marido de uma queridíssima amiga avisando que a mãe dela havia falecido naquele dia. Velório e cerimônia de cremação no dia seguinte. A senhora em questão já tinha uma certa idade, estava doente, mas ainda assim é uma notícia ruim. E eu queria muito ir dar um abraço na minha amiga e dizer que tinha em mim um ombro amigo. Sei por experiência própria como essas coisas podem ser importantes nesses momentos delicados. Não há muito mais o que se possa fazer, mas faço questão de amparar quem precisa.
Mas, como quase todos meus dias, o programa estava bem cheio no dia seguinte. Marido viajando havia dois dias e levaria mais um para voltar, e eu comecei a pensar como equacionar todas as coisas para poder ir ao velório. Em outras épocas teria pedido a ajuda da minha mãe, mas agora eu mesma não a tenho. Mais um motivo para uma saudade que não acaba nunca. No final, deu certo. Consegui me desincumbir das coisas e logo de manhã já estava na estrada rumo a Sorocaba, a uns 100 km da capital no interior de São Paulo, onde seria a cerimônia. Trânsito horrível, mas deu certo. Cheguei.
Claro que o clima era de muita tristeza. Pessoas indo e vindo para dar os pêsames… enim. Como sempre. À tarde, saímos todos em cortejo rumo ao local da cremação, a vários quilômetros de distância. No final do dia, eu tinha de voltar para São Paulo, mas ainda não tinha almoçado e mal tinha tomado um café preto e uma fatia de fruta de manhã. Então, já que estava em Sorocaba, aproveitei para ir até a famosíssima Padaria Real comer uma não menos famosa coxinha. Engraçado que não é um salgado que eu aprecie especialmente, mas o da Real vale cada caloria. Refeição a jato feita, hora de encarar a estrada e voltar para casa com uma rápida passada no supermercado de Sorocaba mesmo, pois lembrei que precisava de algumas coisas em casa.
Começo de noite tranquilo, estrada idem. Relativamente poucos carros, bastante caminhão, mas caminho livre. É uma estrada pedagiada (e cara) mas muito boa. Liguei o rádio no AM e fiquei sabendo tudo o que aconteceu naquele dia e nem imaginava. Incrível como acontece tanta coisa sem que a gente fique sabendo. Ou queira. Ou não queira. Ou seja, as coisas acontecem e ponto. Nós não temos nada a ver com isso.
Já na Castello Branco, faixa do centro de três, dois caminhões enfileirados à direita e o de trás sai e vem para a pista do meio, mas ainda muito adiante de mim. Estávamos mais ou menos entre os quilômetros 59 e 58. Apenas tirei levemente o pé do acelerador, pois estava longe e com cara que voltaria para a direita e logo voltei a acelerar suavemente. Atrás de mim, ninguém visível. Como eu disse, estrada bastante livre. E de repente, catapumba! Nem vi o que foi que aconteceu, mas atropelei algo que apareceu de repente e, numa fração de segundo, estava eu passando com as quatro rodas do carro por cima.
Não vi o que era nem exatamente para onde foi depois que eu passei, pois não é um trecho assim tão iluminado, apesar da boa sinalização de pista. Era algo bem escuro e grande que, na hora, me pareceu meio retangular, mas não paralelepípedo. Parecia meio fino. O seja-lá-o-que-foi voou e não o vi mais. Só posso dizer que tinha certeza que não era uma pessoa nem um animal. De resto, mais nada. Como já “atropelamos” um cardã de caminhão que caiu bem na nossa frente, lembrei na hora. Aliás, incrível. Mesmo escrevendo e relendo parece ridículo dizer que “caiu o cardã de um caminhão”.
Imediatamente, minha reação foi tirar o pé do acelerador, desligar o rádio e abrir os vidros para tentar ouvir alguma coisa enquanto ia para a faixa da direita, já de olho no acostamento, se necessário. Rasgara algum pneu? Suavemente, tirei as mãos do volante. Não, não puxava para lado nenhum. A direção não tremia. OK. Alinhamento, suspensão e pneus aparentemente OK. Aí foi a hora de pisar e bombear o freio. Tudo OK também. Ótimo, porque não queria parar sozinha, de noite, no acostamento ermo da estrada. Felizmente em seguida apareceu uma placa de posto de combustível em 500 metros.
Sim, depois do susto me localizei, pois faço esse caminho com muita frequência. Era um posto com um restaurante português enorme, parada de caminhões também… Ufa, menos mal. Bem iluminado, bem movimentado. Perfeito. Decidi parar para poder olhar embaixo do carro e ter certeza de que não havia acontecido nada mais sério. Mas, sinceramente, estava muito preocupada.
No posto, encostei ruazinha interna. Dei uma volta no carro. Aparentemente, tudo o óbvio OK: lanternas, para-choque… Tinha um friso de borracha que pendia tristemente rasgado na frente do carro. Me abaixei e puxei o restante. Aí, feito uma lagartixa, já com as mãos sujas por causa do friso, fui dando a volta do carro: mangueira de combustível pendurada, numa barriga esquisita. Puxei levemente, mas ela não havia se soltado nas pontas. Uma peça que a princípio pensei poderia ser o cárter, pendurada tristemente e arrastando, mas nenhum vazamento, nada pingando…
Comecei a respirar mais aliviada. Aliás, acho que foi só aí que comecei a respirar, pois colidir com qualquer coisa a 120 km/h é de assustar qualquer um. Mesmo alguém zen como eu. Aí chegou um frentista e pedi para levar o carro até o “buraco” de troca de óleo (aquele fosso no chão, com escada). “Claro!” disse simpaticamente. Enquanto fazia isso e descia no fosso para avaliar os estragos, começou um desfile de carros com diversos tipos de avaria.
Como eu disse, estava relativamente só naquele trecho da estrada, e acredito que tenha sido eu a primeira a bater naquele obstáculo. Logo em seguida, no entanto, começou a sequência de horrores.
Um Volkswagen (acho que era um Polo), com toda a frente destruída: grade, para-choque, lanternas, e vazando tanta água que certamente não sobrou no radiador nem o suficiente para encher uma pipeta. O rapaz, Marcelo, desolado. Começamos todos a ligar para a concessionária para que mandasse alguém retirar esse objeto e, claro, guinchos e mais guinchos.
Quando digo que começou um desfile de carros mais ou menos avariados, é isso mesmo o que aconteceu. No total, contei 14 veículos. Conversei com sete ou oito motoristas e organizei uma lista com nomes e contatos que circulamos entre nós. Não me comprometi a nada, porque não posso, mas acho que ficar em contato e trocar ideias é sempre melhor. Mas vários outros carros ficaram no acostamento mesmo e estão fora da listagem. Sequer conseguiram chegar ao posto.
Felizmente, nenhuma moto, porque teria sido fatal. Teve de tudo: pneu rasgado totalmente, roda quebrada, amassados de todo tipo, lanternas e faróis quebrados… Trocando ideias, chegamos à conclusão de que foi a banda de rodagem de um pneu de caminhão — sim, aqueles malditos pseudotrabalhos meia-boca…
Depois de mais de 20~30 minutos parada lembrei de ligar para meu marido. Afinal, eu mandara mensagem quando estava saindo de Sorocaba e a essa hora já deveria estar praticamente chegando em casa.
Acredito que tenha se soltado do caminhão que mudou de faixa bem adiante de mim, pois não aconteceu nada antes, mas sim depois de mim. Lá pelas tantas, quando boa parte dos carros já tinha sido levado pelos guinchos que os proprietários haviam chamado, eis que aparece um funcionário da concessionária. Claro que fui correndo atrás dele. Enquanto outros motoristas reclamavam dos prejuízos, um perguntou se já haviam removido a capa de pneu. Resposta? “Não vimos nada.” Fiquei estupefata e, como sói acontecer nessas horas, a ironia surge firme e forte: “Mas é claro que não. Afinal de contas, é muito difícil ver o dedalzinho que provocou tudo isto”, disse, apontando os quatro carros que me rodeavam naquele momento, todos com severos danos — o meu já estava em cima do guincho e o de outra vítima, Rose, fora do alcance da vista.
Claro que o sujeito reclamou que eu estava reclamando com ele. Ora, com quem reclamaria? Se o presidente da concessionária tivesse aparecido naquele momento, certamente teria ouvido um monte. Mas não, era esse coitado quem estava ali. E vir dizer que não viram nada? “E as câmeras? Olharam no acostamento? E no canteiro central?”, perguntei eu, ingenuamente. Sabem aquele “cri, cri, cri” que quase conseguimos ouvir quando fazemos uma pergunta dificílima e o questionado não sabe o que dizer. Pois é. Cri, cri, cri… e o funcionário da concessionária, continuava com aquela cara de folha A4. Outro motorista insistiu: “Como não viram? Nem pelas câmeras que dizem estão em toda a rodovia?”. Nem respondeu.
Outra vítima perguntou ao funcionário da concessionária qual seria o procedimento para conseguir ressarcimento. O sujeito disse para fazer B.O. e entrar em contato com a concessionária. Eu, irritada com a situação kafkiana, perguntei: “E adianta?”- já sabedora da respostas, é claro. Cri, cri, cri, cri.
No dia seguinte fiz um rápido levantamento na internet: rarissimamente (para não dizer nunca) pagam prejuízos. Amparam-se, é fato também, em contratos de concessão mal redigidos e antigos. Já comentei neste espaço que em outros países não tem tanta mamata, não. Na Argentina, se houver mais do que cinco carros na fila para passar no pedágio (cabines automáticas ou manuais) a concessionária é obrigada a levantar a cancela e permitir a passagem dos carros sem pagar até que se normalize o fluxo. E é instantâneo. Eu mesma vi várias vezes. Se os operadores não se apressam, quando chega o sexto carro à fila, todos começam a buzinar ao mesmo tempo e aí, prontamente, tal qual as águas do Mar Vermelho, abrem-se as cancelas e permitem a passagem dos veículos. Sem burocracia, nem nada. Simples, assim.
Aqui sofremos em filas enormes. Tenho várias sugestões de como isso pode ser diminuído mas, basicamente, não cabe a nós darmos soluções e sim aos operadores. Eles é que ganham concessões para isso.
Lembro que anos atrás a Polícia Rodoviária e a mesmíssima concessionária anunciaram um acordo de cooperação pelo qual guardas ficariam nas salas de controle da concessionárias e de lá poderiam verificar infrações e emitir multas. Hahahahahhaha. E eu cheguei a acreditar que isso poderia ser feito. Tolinha…
Bom, concluindo minha história, a coxinha da Padaria Real, que estava tão sozinha no meu estômago, ganhou a companhia de umas bolachinhas e de um copo de água mineral, gentileza da minha seguradora. Voltei para casa com o carro guinchado e conversando na cabine com o motorista, no melhor estilo Pedro e Bino. E, claro, depois das 23 horas ainda ter que tirar as compras do porta-malas. Ô inferno!
No dia seguinte, novamente veio outro guincho para me levar até a oficina, já que no dia anterior já estavam todas fechadas. Quer dizer, levar o carro e a mim — que eu não sou do tipo de mandar carro com guincho e não ir junto. Imagina!.
Ainda falta orçar um par de peças que só tem em concessionária, como o triste friso que foi arrancado do meu possante, que sofreu vários arranhões na parte dianteira, inferior. O resto, felizmente, foi mais mão de obra e um zilhão de buchas, parafusos, rebites e outros tipos de fixadores. Aparentemente, a tal banda de rodagem veio arrancando tudo o que encontrou na parte inferior do meu carro, puxando as fixações. Como não rodei quase nada, as mangueiras não furaram pois não ralaram o chão, a peça que achei inicialmente que era o cárter é um reservatório e também não sofreu danos pelo mesmo motivo.
Milagrosamente, o protetor de cárter resistiu heroicamente. Na oficina, quando subiram o carro no elevador, ainda vi que havia outras coisas soltas, como o reservatório de fluido de freio, mas, felizmente, nada realmente avariado — mas se eu tivesse continuado rodando, teria sido um desastre.
Em apenas dois dias andei de guincho mais do que tinha andado em toda minha vida. Quase jejuei e tomei um baita susto. Por sorte, acabou não sendo mais do que um susto e, claro, um prejuízo para o bolso que ainda vou ver como e o que fazer. Nada que se compare ao sofrimento da minha amiga, mas o dela faz parte da vida. Dechapar pneu de caminhão e quase matar tanta gente é desleixo, mesmo. De quem transita com veículo assim e de quem deveria fiscalizar e não fiscaliza.
Mudando de assunto: domingo tive a impressão de que a Stock Car resolveu dar uma de F-1 e foram duas corridas ótimas, cheias de reviravoltas e com alguns acidentes assustadores — especialmente a segunda. Linda vitória de Rubens Barrichello, um piloto que sempre achei sensacional.
NG