Dizem que em time que está vencendo não se mexe. Mas esta semana a comunidade de engenheiros automobilísticos foi surpreendida com um PDV — Programa de Demissão Voluntária — na GM Mercosul, líder do mercado nacional de carros de passageiros há 46 meses consecutivos. O programa é direcionado apenas à área de engenharia de produto.
Na quarta-feira (28) o Campo de Provas (foto de abertura) amanheceu sob nuvens de fumaça negra, e não eram queimadas: 47 funcionários (engenheiros, técnicos e gerentes) foram demitidos. Como o sindicado de Campinas não assinou o acordo de PDV, os desligados foram comunicados que teriam uma indenização equivalente à que está sendo ofertada no PDV de São Caetano do Sul.
Recentemente vimos a Ford anunciando o fechamento de sua fábrica de São Bernardo do Campo, e parte da equipe de engenharia do produto foi transferida para a Bahia. Vários engenheiros foram desligados, da mesma maneira que a GM está fazendo esta semana.
Volkswagen e FCA ainda mantêm seus escritórios de engenharia bem movimentados. A primeira anunciou nesta semana um plano de investimentos na ordem de R$ 2 bilhões, porém não está claro quanto desse montante será destinado para pesquisa e desenvolvimento. A FCA vem apresentando vários projetos de expansão de sua área de engenharia de Betim. Em julho foi apresentado o laboratório de segurança veicular e em agosto o centro de design. Novamente não é claro quantos engenheiros adicionais essas duas juntas estão contratando.
A SAE Brasil (Sociedade de Engenheiros da Mobilidade), constituída em 1991, viu o crescimento de diversos centros de engenharia dentro dos fabricantes instalados no Brasil naquela época. E ao longo dos anos novas escolas de engenharia foram aparecendo. Tanto pelo lado dos fabricantes, quanto pelo lado dos fornecedores de autopeças, sempre houve uma necessidade desse tipo de mão de obra. E todos foram sendo treinados aqui ou nas respectivas sedes internacionais.
Particularmente a GM Brasil teve um crescimento bem acentuado desde o início dos anos 80, após a criação do seu campo de provas em Indaiatuba, SP, em 1974, até o final dos anos 90 e início do século 21. Diversos projetos foram desenvolvidos para o mercado local e exportação. Em 2002 a GM foi obrigada a fazer uma redução de engenheiros, mas logo no ano seguinte vários projetos foram direcionados para a filial brasileira, e uma nova onda de contratações foi iniciada. Nesse período vários projetos para outros países foram feitos pelos engenheiros brasileiros (ex.: Meriva para a Europa, Hummer 3 e Hummer 3 com caçamba para a África do Sul, Astra para os EUA, entre outros)
Essa onda foi num crescente exponencial até o final da primeira década. Chegando a ter cerca de 2.000 funcionários entre engenheiros, técnicos e demais funções de suporte. Naquele momento a engenharia de produto da GM do Brasil era responsável por projetos globais como S10, Onix, Cobalt e Spin. E com todos os problemas econômicos enfrentados pela GM americana nessa época, o Brasil foi o destino para vários executivos que não tinham espaço na sede americana.
A engenharia da GM Brasil se manteve em alta perante a matriz até o início de 2013. Coroando todo esse trabalho com o lançamento dos projetos globais e do atual best seller brasileiro, o Onix.
A partir de 2013, com a troca de comando da engenharia brasileira, os projetos deixaram de ser enviados para o Brasil e começaram a migrar para a Coreia do Sul e posteriormente, China. Os executivos americanos que estiveram Brasil passaram a entender melhor os requisitos dos consumidores locais e passaram a assumir o comando de todos os desenvolvimentos, ficando sob responsabilidade da GM do Brasil apenas as calibrações específicas e validação das peças manufaturadas localmente.
A redução não foi mais acelerada desde 2013 em virtude do programa Inovar-Auto, que dava incentivos fiscais aos fabricantes que investissem 0,5% de seu faturamento total em P&D. Mas mesmo assim uma grande quantidade de engenheiros deixou o quadro de funcionários local. Dentro do programa de redução de pessoal, mais de uma centena de engenheiros e designers foi transferida para a matriz em Detroit. Aos demais foram sendo dado incentivos para aposentadoria e desligamento, através de PDVs sucessivos.
Esse tsunami de redução de pessoal ficou turbilhonando nos escritórios de SCS e Indaiatuba até o final de 2017, quando o novo headcount foi estabilizado em cerca de 700 profissionais.
Neste momento o projeto mais importante que é a nova geração do Onix/Prisma/Tracker já estava nas mãos dos engenheiros da China, e aos engenheiros brasileiros ficou a missão de assessorar o desenvolvimento chinês, e garantir que a industrialização do carro nos fornecedores locais ocorra dentro da qualidade esperada.
O PDV desta semana, exclusivo para as áreas de engenharia, demonstra que nenhum projeto novo será encaminhado para a engenharia de produto da GM do Brasil nos próximos anos. Apesar do incentivo de R$ 100 milhões obtidos na prefeitura de SCS, e da promessa de admitir os dispensados pela Ford, o PDV foi aprovado pelo sindicato. Aparentemente esses incentivos consideram apenas as áreas de manufatura.
Quem perde com isso é a engenharia automobilística brasileira, que vê um quadro de engenheiros de alto nível, com capacidade para desenvolver um novo carro para qualquer país do mundo sendo desintegrada.
Em um primeiro momento o consumidor não perde muito, pois a nova geração do GEM (Global Emergent Market) que será apresentado neste mês, ainda teve uma boa colaboração dos engenheiros que estão sendo desligados nesta semana. Mas no futuro será difícil garantir que esse know-how adquirido ao longo de anos seja mantido.
Fica a expectativa que os demais fabricantes locais decidam investir no crescimento dos centros de engenharia, absorvendo essa mão de obra especializada e bem treinada pelo principal concorrente e líder de mercado, que resolveu abrir mão de tantos talentos individuais e coletivos.
AE/GB