Segunda-feira passada começaram a vigorar as novas regras para obtenção da CNH e é claro que eu ia me manifestar, não? Como não? Justo euzinha não falar de trânsito? Impossível.
Sinceramente, por tudo o que li, as principais mudanças para o público em geral que tentar obter a habilitação categoria B se referem ao uso facultativo do simulador nas aulas de direção e à redução para apenas um hora noturna de aula prática. Mas como vivemos num país (ou seria federação?) digamos, variado, no Rio Grande do Sul por decisão da Justiça o simulador ainda será obrigatório. Pelo menos até cair pela mão de algum juiz ou voltar a vigorar em todo o país. Ou as duas coisas ao mesmo tempo. Na prática, isto também diminuiu de 25 para 20 o número de horas de autoescola.
E o que eu acho disto tudo? Acho que vai fazer grande diferença? Vai piorar nosso trânsito? Sinceramente, não e não. E explico por quê. A forma como se aprende a dirigir, se num simulador ou num carro de verdade, é menos importante do que o resultado disto. O problema, no Brasil, continua sendo a facilidade com que se obtém a CNH e a pouquíssima fiscalização tanto com os motoristas quanto com os veículos. Acredito firmemente que o principal meio para se ter um trânsito seguro seja exames rigorosos e fiscalização de veículos e motoristas nas ruas.
Há muitos países onde nem há autoescolas — caso dos Estados Unidos ou da Grã-Bretanha, por exemplo. Em países que não são exatamente modelo de trânsito seguro, como o Brasil ou a Rússia, elas são obrigatórias (foto 3). Oquei, a França também, mas não acho assim tão absurdo o trânsito lá. Há países em que as aulas práticas são obrigatórias, mas curtíssimas — caso da Coreia do Sul, com somente 6 horas. Ou seja, o fato de ter autoescola obrigatória não é sinônimo de direção segura.
No entanto, os países onde o trânsito é mais seguro e menos letal é sempre onde os exames são os mais rigorosos e onde a fiscalização é mais frequente. Em todos meus anos de Brasil fui parada uma única vez quando estava ao volante para fiscalização de documentos e itens de segurança do carro (estepe, ferramentas, etc. e, claro, tinha mais do que o necessário e muitos mais itens do que o guarda que me parou saberia usar, hehehe). Como passageira se não me engano foram duas – a última, lembro, era numa blitz de etilômetro há uns quatro ou cinco anos. Mas o guarda deve ter visto o insuspeito casal (eu e meu marido) com o carro cheio de roupa recém passada na alça do banco de trás (o tal pqp, “puxa que perigo”) e disse: vão em frente. Duro foi fazer a manobra para sair da fila, com todo mundo soprando no aparelhinho…
Vejo uma certa semelhança entre trânsito e outras coisas, como Educação. Há métodos melhores e outros nem tanto. Pessoalmente, sou superfã do Método Montessori e não gosto nem um pouco de Paulo Freire ou do Construtivismo. Mas se os alunos terminam cada ano dentro dos parâmetros exigidos de aprendizado, não me oporei a nenhuma metodologia. O problema é quando um sistema não funciona e se insiste nele.
Obrigar a fazer autoescola quando se usa digital de silicone para driblar os examinadores é tão prejudicial ao trânsito quanto não fazer autoescola alguma. Na verdade, muito pior, pois se dá por aprovada uma etapa que não foi cumprida e há mais frouxidão na seguinte.
O simulador é muito prático para quem tem medo de dirigir ou para as primeiras familiaridades com o volante. É prático e, principalmente, a insegurança que se cria neste Brasil onde ora uma coisa é obrigatória, e faz com que meio mundo saia comprando, e depois deixa de ser… Impossível não lembrar dos famigerados kits de primeiros socorros, dos extintores ABC XYZ ou sei lá o quê… Evidentemente. um simulador é um investimento muitíssimo maior e pode ir para o lixo agora.
Acredito que no Brasil deveria haver habilitação temporária visível para todos, como os adesivos que se usam em outros países. Regras mais rígidas para quem comete infrações ajudariam muito e, claro, acho que devemos rediscutir o que são infrações e como puni-las. Algumas até acho que mereceriam prisão perpétua. Mas esse é outro tema para debate. Acho inútil encher alguém de pontos que, quando flagrado, descobre-se não deveria dirigir há meses. É o tipo da punição inútil.
Tornozeleira eletrônica para quem ultrapassa outro carro que está parado numa faixa de pedestres, para moto que passa no semáforo fechado e outros exemplos desse tipo. Quem não pagou o IPVA merece multa, mas não coloca o trânsito em perigo. Em compensação quem dirige sem habilitação ou embriagado (de verdade), deveria ser punido com solitária e ouvindo música sertaneja bem alta e, claro, aguda para aumentar a tortura. A Nora má ainda acrescentaria umas músicas do Abba — sim, por algum estranho motivo detesto e sempre detestei esse conjunto. Quero cometer suicídio cortando meus pulsos com um biscoito champagne cada vez que ouço alguma canção deles.
Quanto à redução para somente uma hora de direção prática noturna acho pouco para a quantidade de carros com Insulfilm que andam por aí. O sujeito já poderia treinar num desses que o efeito seria o mesmo desde que, é claro, não pudesse abrir as janelas. Claro que tem o problema de que filme no para-brisa é ilegal, mas tem tantos por aí…
Quando eu fui tirar minha CNH, quando tinha uns 18-19 anos, nem tive aula noturna. Mas tive um excelente instrutor e já sabia bastante de teoria. Como toda míope, embora com somente 0,75 em cada olho, sofria com as luzes noturnas e evitei durante bastante tempo sair à noite atrás do volante. Recentemente descobri os óculos amarelos e se soubesse deles naquela época não teria esperado nadinha. Mas ainda, de que adianta aulas (ou aula) prática de direção à noite se o exame não é feito nesse horário? O aluno pode cometer qualquer barbaridade na aula que receberá sua CNH se for bem no exame… diurno. Meio absurdo, não?
Quanto à questão de se estas medidas vão reduzir ou não o custo da habilitação acho essa discussão totalmente secundária. Sinceramente, se alguém realmente resolve tirar CNH agora porque o preço da auto escola baixa(ria) 15%, o que representa algo entre R$ 150 e R$ 200, é de lascar. Pensar que um futuro motorista pode não dispor desse dinheiro me preocupa, pois qualquer manutenção básica vai custar isso. Nem falar então de um pneu novo — suponho que alguém que não tem esse valor vai rodar com um careca ou mesmo sem as luzes necessárias e obrigatórias.
Vejam bem, caros leitores, não estou fazendo pouco caso de R$ 150. Sei perfeitamente quando custa ganhar isso e não rasgo dinheiro jamais. Digo apenas que se isso é decisivo para dirigir ou não um veículo das duas uma: ou a pessoa já dirige sem habilitação ou ela não dispõe do mínimo necessário para a manutenção do carro ou moto.
Preocupo-me (olha a ênclise aí) menos com questões burocráticas e mais com a fiscalização. Aplaudiria de pé que endurecessem as normas para emissão de CNH e, principalmente, de fiscalização de carros e motoristas. É cada barbaridade que se vê por aí…
Mudando de assunto: sei que o assunto já foi abordado em vários meios, mas não posso deixar de lamentar a morte de Anísio Campos, um gênio do design de automóveis. Como já contei neste espaço, conheci-o em 1990 por mero acaso, pois estava fazendo uma entrevista na Dacon sobre a abertura das importações. Já admirava o trabalho dele. Quem quiser ver mais detalhes, pode rever minha coluna aqui. É uma pessoa que fará muita falta.
NG