De tempos em tempos aparecem novas modas. Algumas somem com a mesma velocidade com que surgiram e da mesma forma — ou seja, sem a menor explicação. São aqueles mistérios da vida. Tem gente que passa toda uma existência se questionando qual o sentido da vida. De onde viemos? Para onde vamos? Existe vida após a morte? E por aí vai. Outros questionamentos são mais efêmeros, mas continuamos sem resposta para eles. Alguns de boa memória como eu devem se lembrar da fugaz passagem do Second Life pelas redes (anti) sociais. Juro que nunca entendi qual seria a graça de ter uma existência paralela no mundo virtual, mas teve gente que comprou e vendeu propriedades e artigos nessa dimensão paralela e havia pessoas que passavam horas por dia nessa fuga da realidade. Mas, enfim, como disse, modas que vão e que vem.
Minha mais recente dúvida é o que leva os postes das calçadas brasileiras a se colocarem com tanta frequência à frente de veículos? Quando digo que eles se colocam, é claro, é mera retórica. Ultimamente eles parecem aparecer subitamente e não apenas “se colocam”, mas pulam adiante de maneira a provocar colisões e sempre em distâncias ínfimas.
É um tal de ônibus atropelar postes, carro fazer strike no melhor estilo boliche de competição de altíssimo nível, ou, apenas, aparecerem onde ninguém sabia que estavam — e sim, caros leitores, já está acionado meu modo irônico.
Como sempre, vai aí minha crítica à forma como parte da imprensa noticia estes acontecimentos. Normalmente é “perdeu o controle do veículo e atingiu um poste”. Isso quando não há inferências como que o veículo era um “carro de luxo” — como se carro popular não fizesse isso ou fosse dotado de radar-detector-de-postes. Para mim, na maior parte das vezes quando um motorista “perde o controle do veículo” é porque já não o tinha. São raros os eventos em que realmente isso é impossível de ser controlado. Estatisticamente, como confirma o DataNora em pesquisas de campo, horta e granja, “perder o controle do veículo” deve-se a:
1) veículo em más condições de conservação – pneu careca é dos mais comuns, mas suspensão vencida é muito frequente. Freios em mau estado são também um clássico em acidentes;
2) motorista em más condições – aqui separo condições de conservação:
– exame de vista vencido, alcoolizado, entre outros, e más condições de direção:
– falta de treino ao volante, falta de habilitação/habilidade: não apenas não ter CNH, mas às vezes tê-la obtido de forma frouxa, com um deficiente exame. Em ambos os casos, pode ser aquele que atropela o poste ou um terceiro que leva alguém a bater contra o poste para evitar outro acidente. E aí incluo pedestres, ciclistas, motociclistas, etc.
3) via em más condições – nem preciso me estender muito, mas os clássicos são buracos, desníveis na pista, bueiros desnivelados, sinalização faltante ou deficiente. Paro por aqui porque se não vou invadir as colunas dos meus colegas do AE com tanto texto. Mas, claro, vocês já conhecem esses problemas, não?
Também é fato que nosso mobiliário urbano está abaixo de qualquer classificação como tal. Planejamento passa longe. É muito mais algo fruto de um processo que para mim se assemelha a jogar milho aos pombos — e com exatamente a mesma técnica e o mesmo apuro por um resultado uniforme e que faça sentido. Destarte (essa eu tirei dos alfarrábios), o resultado é muito semelhante.
No dia 28 de outubro uma moçoila bateu com o carro exatamente de frente para um poste num dos acessos da marginal Pinheiros, na capital paulista. Assim, de fuça, sem mais nem menos. Não havia problemas na pista, não foi fechada por ninguém, não teve de desviar de pedestre suicida nem de cachorrinho perdido. Nada. Uma repórter de tevê chegou e conseguiu entrevistá-la. A explicação? Dormiu ao volante. Isso aconteceu às 5h50 de um dia de semana. E a criatura foi embora, desrespeitando a ordem dada pelo agente da CET que a instruiu a permanecer no local. Entrou num outro carro, largou o dela no meio da confusão e foi-se (hoje comecei cedo com as ênclises) serelepe de shortinho, salto alto e mochila infantil. E ainda virou para a câmera e deu tchauzinho. Uma figura, diria. Nem preciso explicar que o congestionamento que resultou disto durou um bom, bom tempo. As pistas só foram liberadas às 12h15.
No mesmo dia, pelo menos outros dois atropelamentos de poste aconteceram na cidade. Acho que com tanta gente praticando esta modalidade já poderia se qualificar para esporte olímpico. Observem que o poste está colocado numa calçada estreitíssima, quase colado às construções — não, ele não estava no meio da rua, como já aconteceu algumas vezes quando o poder público ignora a vida real e manda instalar postes de acordo apenas com plantas, mapas e coisas que só tem duas dimensões. O ônibus subiu na calçada para atingir o poste. Vai ver que ele estava em fuga e o motorista não quis permitir…
Tempos atrás, um condutor conseguiu acertar 11 postes de luz em Franca, no interior de São Paulo. Derrubou todos (foto de abertura). Novamente, a manchete de um dos jornais me pareceu hilária: “Arquiteto bate carro e derruba 11 postes”. Preguiça que este povo tem de fazer título corretamente! O fato de ele ser arquiteto fez com que houvesse mais simetria na derrubada? Teria sido um surto de senso estético, já que, de fato, os postes eram horrorosos? Alguém com outra formação teria acertado outros postes? Menos? Mais? Não, alguns dos textos diziam que ele havia tentado desviar de um cachorro, mas não se sabe se o bichinho passa bem. Já os postes…
Já disse em outras oportunidades que sou francamente favorável a que fios de energia elétrica, televisão a cabo, internet ou qualquer coisa sejam enterrados. É ridículo qualquer município gastar o que gasta com gerenciamento de trânsito decorrente deste tipo de acidente. As horas que se perdem no trânsito. A falta de segurança que isto gera. A questão estética. A mutilação das árvores. Os inconvenientes provocados aos usuários que têm estes serviços cortados a cada “acidente”… tem tanto motivo para fazer isso, sem deixar de lembrar a própria lei que já existe em várias cidades. Em São Paulo vigora desde 2005 uma lei, a n º 14.023 que obriga concessionárias, empresas estatais e operadoras de serviço a enterrar todo o cabeamento do município, incluindo rede elétrica, telefonia, televisão a cabo e afins. Aprovada em 2006, a regulamentação da lei prevê o enterramento de 250 quilômetros de fios e cabos por ano, o que, claro, nunca aconteceu.
Assim, a cidade tem 7% dos mais de 30 mil quilômetros de fios e cabos enterrados — parte deles com recursos da própria Prefeitura quando fez intervenções em lugares como a Av. Faria Lima ou com ajuda financeira do comércio local, como em várias ruas dos Jardins e do Itaim Bibi. Além de a lei não ser respeitada (e depois tem gente que duvida que o Brasil seja o país da impunidade) ninguém que faz uma instalação nova a faz subterrânea e sequer começa a enterrar a antiga.
O jogo de empurra-empurra já dura década e meia. Em audiência pública em 2013 o então vice-presidente de operações da AES Eletropaulo (atual Enel) nem titubeou: “Eu preciso desse custo [de enterrar os fios] para distribuir energia? Não. Consigo distribuir de forma aérea. Portanto não é um custo de distribuição, é um custo de urbanismo”. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Anel), também presente na audiência, adotou a mesma linha, como se as não tivessem nenhuma responsabilidade com a cidade. Talvez se em algum momento a Prefeitura, CET e os próprios munícipes pudessem cobrar dessas empresas os prejuízos a cada “acidente” com esses postes — seja porque são atropelados, seja porque as árvores têm de ser podadas para dar passagem aos fios, porque impedem a circulação correta nas calçadas — especialmente de deficientes físicos ou carrinhos de crianças… Sim, sei, Nora, sua tolinha… você ainda acredita que alguém vai se imbuir de espírito cívico e fazer o que deve fazer apenas porque a lei diz — claro, já nem aspiro a que seja feito apenas porque seria o certo…
Em 2017 em São Paulo foi apresentado o projeto de lei 01-00847/2017 que seria um complemento à lei de 2005. O projeto dizia que a conversão da rede em subterrânea deveria ser feita com utilizando técnicas não destrutivas, evitando danos da camada de asfalto, remoção de terra ou degradação do solo. Pessoalmente, lembro que muitos anos atrás uma empresa havia desenvolvido um sistema de “enterramento” de fios que utilizada o meio-fio, na forma de canaletas. Evidentemente isso não serve para águas pluviais nem águas tratadas, mas com a tecnologia e os fios cada vez mais estreitos de fibra ótica imagino que com um pouco de ordem algo assim seria possível.
Claro que o primeiro passo seria fazer uma limpeza e tirar todos os cabos inúteis que estão por aí pois pelo número deles quebrados e partidos que se vê por aí, certamente muitos deles sequer são utilizados. O prático de um sistema assim é que a manutenção era muito mais simples, pois não havia necessidade de se abrir grandes valetas já que o sistema funcionava por trechos. E, claro, não havia necessidade de quebrar asfalto, calçadas, nada. Apenas o meio-fio e mesmo assim, parcialmente. Mas não conseguir descobrir no que deu isso.
Ah, apenas lembrando que em todos estes casos foram criadas comissões para discutir o assunto. Nada contra — aliás, sou super favorável a que qualquer coisa seja fartamente discutida, analisada e planejada, mas como sempre nestas paragens, comissão serve mais para barrigar qualquer decisão e, principalmente, qualquer ação.
O mesmo se repete mesmo em municípios pequenos, onde fazer isso seria muitíssimo mais simples já que falamos de extensões muito menores. Mas não apenas nos menores. Outros vários tentam melhorar o sistema, mas sem maiores sucessos.
No ano passado, em maio, a Assembleia Legislativa da Bahia aprovou um projeto de lei que obriga a Companhia de Eletricidade do Estado (Coelba) a tornar subterrânea toda sua rede elétrica e pôr fim ao emaranhado de fios expostos. O prazo dado é de cinco anos para alterar todo o sistema na capital do Estado e 10 anos para todas as outras cidades do interior da Bahia. Assim como a Enel, em São Paulo, a Coelba contesta a atribuição e mesmo a questão jurídica — segunda ela, apenas a União pode legislar sobre o serviço de energia elétrica. O autor do projeto, assim como em São Paulo, alega que os custos devem ser arcados não apenas pela empresa de energia, mas divididos entre as outras que pagam aluguel pelos postes – como as de tevê a cabo, internet, telefonia…
É sempre assim. Na hora de publicar balanços sociais, fazer apresentações em seminários, há uma sobra incrível de ações de cidadania, de governança corporativa e de preocupação com a sociedade, o meio ambiente e a cidade por parte de qualquer empresa. Na realidade, danem-se as árvores (que sejam podadas e trucidadas para que os fios continuem passando aereamente), que os serviços continuem falhos porque estão expostos a atropelamentos, quedas de árvores e outros, e a lei, ora a lei. Ufa, cansei.
Mudando de assunto: caríssimos leitores. Por um breve interregno vocês estarão livres das minhas escrevinhações. Farei uma rápida parada e retomo a este espaço no dia 20 de novembro. Volto com novidades e certamente com muita saudade de todos vocês que me incentivam, criticam, elogiam, mas sempre me levam a continuar fazendo meu melhor. Até daqui a pouco.
NG