Em excelente matéria assinada pelo colega e colunista Boris Feldman, foi divulgada a opinião do famoso intelectual e ativista político, o franco-argelino Albert Camus, sobre nós, motoristas brasileiros, fruto de suas observações em visita ao Brasil em 1950. Boris Feldman ainda acrescenta: “O que diria Camus se visse o que se passa no nosso trânsito dos dias de hoje?”.
Considera Camus que somos ou “alegres loucos ou frios sádicos”. Evidentemente, foi uma declaração pejorativa de um leigo, cuja análise da personalidade será exposta, baseada nas informações constantes de sua biografia, escrita por Olivier Todd.
Porém, antes de transcrevê-la vale lembrar que eu, também em 1950, como Guarda-Marinha, em viagem de instrução, no nosso veleiro navio-escola: “Almirante Saldanha”, estive em Paris duas vezes, uma em julho (20 dias) e outra em outubro (7 dias) onde pude observar quão alucinadamente dirigiam os parisienses, só não provocando acidentes pela obediência absoluta à prioridade de quem vem pela direita. Eles, como qualquer outro motorista, tinham o desejo, ou a volição, de chegar rápido ao seu destino, se possível, na frente dos demais.
Feldman ainda cita ser este desejo de chegar primeiro aos demais, segundo Roberto da Motta, um complexo de superioridade, que ele comparou aos sentimentos de Dona Carlota Joaquina, durante e moradia da Corte Portuguesa, no Brasil.
Mas vamos “desnudar” o nosso crítico, segundo seu biógrafo Olivier Todd, na “orelha” de sua biografia:
“Em 4 de janeiro de 1960, voltando para Paris depois de um feriado, Albert Camus morre em um acidente de trânsito, uma “morte imbecil”, como costumava dizer sobre acidentes automobilísticos. Um dos mais jovens ganhadores do Prêmio Nobel de Literatura (em 1957), Camus foi um dos heróis da Resistência, um defensor dos árabes e muçulmanos de sua Argélia natal, um comunista que lutava contra o stalinismo, um dos líderes de sua geração de escritores, com uma obra construída em torno do absurdo e da revolta. Mais de trinta anos após a sua morte as obras de Camus ainda continuam sendo das mais lidas neste século, mesmo tendo sido atacado por críticos como seu ex-amigo Jean-Paul Sartre, que o considerava um liberal ineficiente, colonialista e até mesmo racista”.
Definido para os leitores, resumidamente, quem foi o nosso crítico, vamos ao tema do título “Em defesa do motorista”, onde tentarei mostrar como se pode corrigir este vício criminoso de abusar da velocidade, denunciado por Albert Camus, há mais de meio século..
Nos tempos em que durante meio século escrevi no Jornal do Brasil, certa feita, em defesa do motorista, criticando as falhas de engenharia que ele enfrentava, com o título: “Motorista, culpado ou vítima”, provoquei uma discussão, em alto nível, com os professores do Coppe, Instituto Alberto Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, unidade da Universidade Federal do Rio de Janeiro que coordena os programas de pós-graduação em engenharia daquela universidade.. É, portanto, um assunto tão polêmico quanto minhas opiniões como colunista.
Explicando melhor: como já sabem os que me honram com sua leitura, nós, motoristas, somos “primatas” condicionados, pela sinalização, na área urbana, onde dirigimos por mais tempo, indo morrer, vitimas de sua insuficiência ou falhas, nas rodovias, onde o fator velocidade, maior causa dos acidentes fatais, é mais liberal. Não posso incluir os bêbados ou drogados por estarem “fora da curva estatística”. Caso de medicina, portanto.
A velocidade de circulação urbana é, no Primeiro Mundo, controlada pela sinalização semafórica informatizada, abrindo os semáforos na sequência estabelecida, pela melhor velocidade, para o “ótimo” aproveitamento da capacidade das vias de escoamento principal, respeitadas as suas limitações físicas
Esta velocidade, estabelecida por pesquisa realizada pela Siemens, divulgada em folheto técnico, em 1967, foi fixada entre 50 km/h e 60 km/h .Não é por acaso que a velocidade-limite na área urbana de todos os países da Europa é de 50 km/h, o que permite, inclusive, o respeito à prioridade do tráfego oriundo da direita, pela facilidade de parar o carro que lhe cede a prioridade.
A abertura dos semáforos, em sequência, nunca em conjunto como acontece no Brasil, é para condicionar o motorista a se incorporar ao grupo de veículos que “surfa” na “onda verde”, criando-lhe o hábito de que correr não compensa. Se chegar na frente do grupo da “onda verde”, encontrará o sinal fechado até a chegada da próximo grupo de carros ao qual se incorporará. Se chegar depois, também encontrará o semáforo fechado, e irá se incorporar ao grupo de carros seguinte, passando a circular, em ambos os casos na velocidade que o administrador deseja, condicionando-o a dirigir em conjunto com os demais. Assim procedendo, além de vantagem de seu condicionamento, estará beneficiando as transversais, otimizando o seu tempo de parada nos semáforos fechados, sem que ninguém, somente ele, ainda os alcance.
Agradeço ao artigo de Boris Feldman por ter podido explicar aos leitores de boa-vontade o porquê da crítica de Camus, gênio da escrita, reafirmando a minha teoria de que o motorista não é o principal culpado, ele é vítima de um mau condicionamento, no ambiente onde exerce por mais tempo, a direção de um veículo.
P.S.: A fim de melhor entenderem o que escrevo, recomendo, aos que desejarem, adquirir meus livros: “Trânsito como eu o entendo” (constante da Road Makers Library, de Londres) e o “Ultrassonografia do Trânsito Brasileiro”, pelo e-mail atendimento@e-papers.com.br.
CF