A manhã fria e nublada de inverno do dia 25 de agosto de 2019 foi muito especial e surpreendente para mim. Naquele dia acordei muito cedo, e ainda antes do sol nascer já estava na Rodovia dos Bandeirantes com minha Caravan 1979 rumo à tradicional “Corrida do Milhão” da Stock Car – Autódromo Municipal José Carlos Pace. Desta vez, não apenas para assistir a uma das mais importantes corridas do automobilismo brasileiro, mas sim para trabalhar na preparação de Raphael Teixeira, piloto da Stock Car Light de Goiânia, GO, Equipe Rsports Racing, carro número 37.
O piloto Raphael Teixeira é um cliente da Conte Fit. a minha assessoria esportiva especializada na preparação física e neurosensorial para o automobilismo.
Além da rotina de preparação física com os pilotos nos dias de semana, um trabalho muito interessante que realizamos é o aquecimento específico para o piloto nos momentos que antecedem o início da prova. O objetivo é promover o adequado aquecimento muscular e articular antes da corrida, bem como estimular o seu cérebro e todo o sistema neuromuscular, através da ativação neurosensorial específica, levando-o não somente a estar mais apto do ponto vista muscular para a corrida, mas, principalmente, visando “acordar o sistema nervoso” para enfrentar prontamente os desafios da prova já nas primeiras voltas.
O resultado daquela etapa não poderia ter sido melhor para o Raphael, que partiu do 20º lugar no grid de largada para terminar a prova em terceiro lugar, se livrando de vários acidentes durante a corrida, subindo ao pódio e alcançado o seu melhor resultado não somente na temporada como na categoria. Quando o Raphael retornou aos boxes, foi muito gratificante quando ele manifestou o seu reconhecimento pelo trabalho específico que eu havia desenvolvido momentos antes da largada daquela prova.
A surpresa
Entretanto, aquela manhã ainda reservaria outra situação muito significativa para mim. Entre as corridas da Stock Car Light e a prova principal da Stock Car, eu estava circulando pela área dos boxes, entre tantos pilotos, ex-pilotos, dirigentes, celebridades e jornalistas, e encontrei o Alex Dias Ribeiro. Confesso que foi emocionante vê-lo pela primeira vez “ao vivo”. E qual seria a razão dessa sensação? Bom, para explicar isso é necessário voltar ao inicio da década de 1980.
Como já mencionei em outros relatos que foram publicados nas seções “Carros dos Leitores” e “Histórias dos Leitores” do AE, o meu autoentusiasmo — assim como acredito que é o caso da maioria dos leitores — tem origem das influências que recebi ainda na infância.
Nesse sentido, em meados dos anos 1970 o meu universo conspirava para eu me tornar um autoentusiasta, fosse pelo Opala do meu pai, pelos carros e motocicletas dos meus irmãos e cunhados, por ter visto de perto o McLaren-Ford M23, pelo Autorama Fittipaldi Estrela Série Bi-Campeão Interlagos, miniaturas Matchbox, carrinhos de rolimã e, principalmente, pela forte influência do meu irmão Otávio, que era um apaixonado pela F-1.
Nessa época eu convivia diariamente com a coleção de revistas Autosprint italiana do meu irmão, além das edições da Autoesporte e Quatro Rodas e, ainda, recortes de jornais sobre automobilismo. Assim, o meu gosto pela leitura, em especial pelos assuntos automobilísticos, foi-se desenvolvendo à medida que eu ia crescendo. Contudo, já no começo da década de 1980, aos 12 anos, um livro marcou o início da minha adolescência: “Mais que vencedor” (Editora Betânia, Belo Horizonte, 1981), de autoria do piloto Alex Dias Ribeiro.
Aquela obra, obviamente, chegou às minhas mãos através do meu irmão Otávio. Era o primeiro livro “adulto” que lia em minha vida e também o primeiro sobre automobilismo. Até aquela época os meus livros de cabeceira eram “Fernando Capelo Gaivota”, “O Menino do Dedo Verde”, “Marcelo, Marmelo, Martelo”, “O Pequeno Príncipe”, entre outros do gênero infanto-juvenil.
Contudo, a obra do Alex Dias Ribeiro, era diferente, era real! Relatava as dificuldades, lutas e glórias para um piloto chegar à F-1. No livro ainda havia prefácios do grande ídolo Emerson Fittipaldi e também do Nélson Piquet, o qual apenas um mês antes da publicação da primeira edição do livro havia conquistado o seu primeiro título mundial de F-1.
Por causa daquele livro, o Alex Dias Ribeiro se tornou para mim um piloto pelo qual eu desenvolvi uma grande empatia. E sem dúvida, encontrá-lo após tantas décadas foi muito especial, principalmente por ser justamente durante um domingo de corrida de automóveis e ainda no melhor cenário do automobilismo: o Templo de Interlagos.
Fiquei feliz por não ter me decepcionado no encontro, pois, a imagem que eu havia construído a respeito do Alex ao longo dos anos, devido à leitura do livro dele, foi preservada. Ele foi muito simpático comigo e me pareceu feliz quando eu lhe disse que havia lido o livro de sua autoria tempos atrás. Conversamos um pouco e após um aperto de mãos, finalizamos aquele breve encontro com um registro fotográfico do momento.
De volta para casa
No retorno para Jundiaí, conduzindo minha Caravan contemporânea ao livro “Mais que vencedor”, me sentia recompensado pela corrida espetacular do Raphael Teixeira e também pela oportunidade de conhecer o Alex Dias Ribeiro. Pensei que seria uma boa ideia ler o livro novamente.
Contudo, os meses seguintes foram intensos em relação ao trabalho e compromissos familiares, portanto sem disponibilidade para a leitura adequada de um livro tão especial. E foi somente neste novembro, cerca de dois meses após ter conhecido pessoalmente o Alex, que localizei o livro e iniciei a releitura.
Logo de início, na contracapa, a primeira surpresa, justamente referente à data da edição do livro: novembro de 1981, ou seja, exatamente 38 anos separavam as minhas leituras!
Ao ler o livro novamente, eu mergulhei não somente em minha própria história como na história do próprio automobilismo nacional e internacional. A experiência transcendeu a simples leitura de um livro, e se tornou uma reflexão dos fatos que aconteceram ao longo de quatro décadas.
Além disso, ao ler aqueles parágrafos, o meu cérebro comparava em tempo real a minhas interpretações juvenis, ao passo que novas compreensões se processavam. Não se tratava apenas de me rever lendo um livro. Sobretudo, a releitura permitiu que eu tivesse acesso novamente aos pensamentos que aqueles capítulos me despertaram naquela época.
Incrível descobrir o quanto o livro me influenciou, e que as mensagens contidas nas palavras do Alex permaneceram armazenadas em algum lugar do meu subconsciente. Recordo-me que quando alcancei finalmente a última página daquela obra, aos 12 anos de idade em um distante ano de 1981, a mensagem que o livro havia me transmitido era sobre uma história de um piloto com fé e religiosidade quase inabaláveis e que passou por muitas dificuldades e triunfos até chegar à F-1.
No entanto, a releitura me fez ampliar o entendimento da obra e me identificar com alguns conflitos que o autor sofreu ao longo da sua carreira. Bem como possibilitou a percepção de detalhes muito interessantes e coincidentes que só o tempo poderia permitir, como, por exemplo, nos parágrafos em que Alex explica o quãoera importante o piloto se preocupar com a preparação física, justamente o meu campo de trabalho e o motivo que me levou a encontrá-lo em Interlagos.
Por outro lado, Alex escreveu sobre diversos pilotos dos anos 1970, como Francisco Lameirão, seu grande rival na Fórmula Ford. Quando eu iria imaginar que décadas mais tarde eu estaria disputando provas de rali de regularidade com o próprio Chico Lameirão na pista de Interlagos? Além dos inúmeros pilotos que disputaram a F-3 e F-2 com Alex e que posteriormente eu acompanhei pela televisão nas corridas de F-1. Essas passagens, entre outras, me faz refletir o quanto a vida é surpreendente.
Às vezes nos perguntamos: quem somos? De onde viemos? Para onde iremos? E quando menos esperamos a própria vida se encarrega de nos responder a essas perguntas. Não significa viver das memórias, mas em acreditar nas palavras de Heródoto (484-425 a.C): “O conhecimento sobre nosso passado ajuda a entender o presente e a idealizar o futuro”.
Não nos tornamos autoentusiastas por acaso
Marcelo Conte
Jundiaí – SP.