Uma das coisas mais comuns e engraçadas quando termino o planejamento das minhas viagens e comento qual será o roteiro, é a reação das pessoas. Basicamente, sempre igual. A primeira pergunta é “para onde mesmo é que vocês vão?”. A segunda é “por quê? Minha primeira resposta é sempre repetir o que eu já havia dito. A segunda é “por que não?”. Se ainda houver dúvidas ou questões, aí explico mais. O mesmo se dá com aviso às empresas de cartão de crédito. Não raro tenho que soletrar o lugar para onde vou para que me deixem fazer compras por lá.
Imaginem, caros leitores, quantas vezes tive que dizer isso na minha vida. E quantas apenas nesta última viagem. Mas, faz parte do meu lado didático. Minha formação montessoriana me faz acreditar que toda ocasião é uma chance de aprender ou ensinar algo. E lá vou eu explicar onde ficam os Bálcãs e qual é a importância do meu destino turístico.
A rigor, nossa viagem começou por Montenegro, pois foi lá que descemos do avião já que meu primeiro roteiro não incluía a Bósnia. Conforme fui montando meu percurso no Google Maps vi que a Bósnia não poderia ficar de fora. Sim, é assim que planejo minhas viagens, pois além de TOC, Noratur também é superprofissional. Faço o mapa com distâncias em quilômetros e em tempo e acrescento ou retiro lugares que parecem interessantes. E foi ótimo ter ido lá. O fato é que o ideal teria sido descer do avião em Sarajevo, mas a passagem com milhas já estava comprada há tempo e não tinha como mudar.
Como pegamos o carro no aeroporto de Podgorica e já saímos rumo à Bósnia, começo hoje pelo meu relato de como é dirigir na Bósnia-Herzegovina. Fizemos uma parada no lindo mosteiro ortodoxo de Ostrog, ainda em Montenegro, e fomos rumo a Sarajevo para nosso primeiro pernoite da viagem.
Já na saída da locadora de carros, uma chatinha chuva prejudicou um pouco nossa visão e, especialmente para mim, as fotos. Mas sempre acho maravilhosa a Natureza e justamente gosto da imprevisibilidade dela. Se quisesse um ambiente totalmente controlado passaria férias dentro de um shopping center.
O percurso entre Podgorica e Sarajevo, passando por Ostrog, é de cerca de 340 quilômetros, mas que leva, no mínimo, cinco horas e meia para serem vencidos de carro. Assim que cruzamos a fronteira, que, por sinal, funciona 24 horas por dia os 7 dias da semana como todas as travessias que fizemos nesta viagem, a estrada piorou muito. Vínhamos pela E762 e seguimos pela M18 mas é notável como na fronteira a qualidade da via cai por muitos quilômetros. A questão é mais política do que econômica.
Na realidade, ao cruzar em Hum Border Crossing nós entramos não propriamente na Bósnia-Herzegovina (que seria a Federação da Bósnia e Herzegovina), mas na República Srpska (República Sérvia), uma das duas entidades políticas em que está dividido o país. Desde o final de 1991, e independente desde 1992, esta república voltou a se integrar parcialmente em 1995.
Ela tem parte do território da Bósnia numa divisão estranhíssima já que há uma Assembleia Nacional e um governo da República Sérvia com sede em Baja Luka, embora Sarajevo seja a capital do país. A República Sérvia executa de forma independente suas funções constitucionais, legislativas, executivas e judiciais e mantém eleições separadas do resto do país. Resumindo, foi um acordo burocrático depois que a Sérvia invadiu a Bósnia e que até hoje provoca confusões. É comum nos territórios da República Sérvia encontrarmos placas apenas em cirílico (o que mostra a predominância sérvia) em detrimento do alfabeto latino, um pouco mais comum entre os bósnios que, no entanto, aprendem e dominam os dois. Nessas regiões há também bandeiras sérvias, mas sem o brasão — porque aí seria ilegal — no lugar das bandeiras bósnias. Chagas de uma guerra que parece não ter fim…
Aliás, estivemos em vários territórios de um e de outro dentro do mesmo país. Meu primeiro estranhamento foi ao sair de Montenegro e encontra a placa “Bem vindo à República Sérvia”. Peraí, não estou na Bósnia? Onde o GPS me mandou?
Em Sarajevo passamos por uma rua que tem um nome (em cirílico) de um lado e do outro lado da rua em alfabeto latino e, claro, outro nome totalmente diferente. Até a numeração é nova. Apenas porque está no limite entre uma república e outra. Totalmente bizarro. Aí, como ambas repúblicas não chegam a um acordo e uma não quer colocar a azeitona na empada da outra, estradas ficam sem manutenção ou melhorias dependendo dos interesses envolvidos.
Os primeiros quilômetros depois da fronteira me fizeram lembrar a ideia que eu tinha da Bósnia: eram de pista dupla incrivelmente estreita (muitas vezes somente 5 metros de largura, com placas que avisam que os próximos quilômetros seriam assim) sem acostamento, sinalização ou iluminação de nenhuma espécie. E uma quantidade de buracos que me lembrou uma São Paulo talvez um pouco piorada. Algo bem complicado, pois nós andamos de noite, já que nesta época do ano o sol se põe às 16h15, 16h30 no máximo.
Como o caminho é através de montanhas, o sobe e desce é constante, assim como as curvas. Aliás, em toda a viagem tivemos apenas uma estrada na qual não havia uma curva a cada 200 metros. De resto, era um tal de esterçar volante para um lado e para o outro que parecia não ter fim nunca. Quase 2.000 quilômetros assim em cinco países.
Depois de pouco tempo dirigindo pela República Sérvia/Bósnia, fomos parados numa blitz policial que controlava absolutamente todo mundo. Pediram documentos do carro e carteira de habilitação. Havíamos levado as nossas brasileiras mesmo, que foram aceitas em todos lados sem problemas — pelas normas dos cinco países em que estivemos basta que estejam em alfabeto latino, não importando o idioma. Simples assim. Ponto para os eslavos.
O guarda era supergentil e simpático. Falava um pouco de inglês e assim como boa parte dos policiais e dos guardas das fronteiras de todos os países tentou falar algo em português — lembro de um “obrigado” muito bem pronunciado quando nos liberou. Vários puxaram algum tipo de conversa sobre futebol, incluindo um frentista mais informado, que ainda nos perguntou se éramos sãopaulinos. ‘Nãoooo, corinthianos!’, respondemos os dois ao mesmo tempo. Meu marido ainda explicou que não há outro time de futebol na cidade que não seja o Timão. Rendeu algumas gargalhadas do simpático frentista que nos disse que para ele também era assim com seu time do coração. Pois é, futebol é mesmo um idioma universal. Ainda bem que nós dois gostamos e acompanhamos algo — embora não faça a menor ideia de quais sejam os times desses países e tenha treinado para dizer “obrigada’ nos idiomas locais. Algo a ser corrigido e que Noratur incluirá no briefing das próximas viagens, certamente.
Em toda a Bósnia vimos muitos carros de polícia ao longo das estradas e mesmo nas ruas, assim como muitos guardas a pé, de carro ou de moto. Mas as checagens parecem ser mais de documentação, pois vimos alguns carros com luzes faltando, embora menos do que na Albânia ou na Macedônia. Também vimos muitos carros de polícia nas estradas, mesmo naquelas minúsculas por onde andamos. Parecia como nos filmes — ao fazer uma curva, subitamente estava lá o patrulheiro parado no pseudoacostamento. Sempre com faróis e giroflex ligados. Não vimos nenhum escondido assim como os radares (pouquíssimos) estavam claramente indicados.
Minhas impressões sobre o trânsito e as estradas na Bósnia? Bem, como sempre associei o nome daquele país com algo destruído, bombardeado, já imaginava estradas deterioradas. As que nós pegamos variaram entre totalmente detonadas, medianamente transitáveis e de primeiro mundo, como foi a da saída de Sarajevo rumo a Mostar, onde tivemos uns 10 quilômetros de autoestrada com pista dupla, canteiro central e acostamento — de cor diferente, excelente ideia! — e obras de infraestrutura perfeitas. Essa foi a única na Bósnia que tinha pedágio, mas era baixo (acho que era uns 50 centavos de euro, que podiam ser pagos com cartão de crédito.
Como há muita montanha, os túneis são comuns. Eles têm uma iluminação impecável, sinalização idem, ventiladores em toda sua extensão, saídas de emergência, recuos para casos de pane, extintores de incêndio, telefones de emergência, via segregada para pedestres… tudo superbem sinalizado
E nem menciono as contenções feitas nas estradas. Um primor, incluindo drenagem… coisa de primeiro mundo. Depois de sair da autoestrada, caminho a Mostar, a estrada volta a ser mais simples, mas ainda assim essa estava bem conservada. Mesmo em estradas menores as obras eram bem-feitas, como entre Jablanica e Mostar
O resto foi pista simples, sem acostamento. E como disse, em 2.000 quilômetros praticamente tudo com uma quantidade incrível de curvas. Até entrarmos na Sérvia não havíamos feito mais do que esses 10 quilômetros sem ter uma curva a cada 300 metros, aproximadamente. Portanto, algo a ser considerado se você, caro leitor, pensa em fazer meu roteiro de carro. Não é para estômagos fracos. Nem médios. Se não, só na base de muito, muito mesmo, antienjoo Dramin. Não imagino como seria fazer isso num ônibus, pois estive sempre no banco dianteiro e com um pouco da janela aberta, mesmo com o ar condicionado ligado. Por via das dúvidas.
Chama a atenção a enorme quantidade de carros na Bósnia-Herzegovina. Em 2018 haviam registrados no país 1.064.130 veículos (dos quais 916.699 são exclusivamente de uso pessoal) para um total de 3 milhões de habitantes — incluindo, portanto, bebês e menores de idade. E não mais do que 39.000 quilômetros quadrados de território. É muito carro, mesmo. E aumenta a cada ano. Em 2018 foram 4,21% mais do que no ano anterior, apesar de restrições à importação e da crise econômica.
Há carros de todas as marcas e modelos, mas 85% deles tem mais de 13 anos. Ainda assim, é autoentusiasmo que não acaba mais. Vimos pouquíssimas motos (nenhuma nas estradas) e algumas bicicletas, embora circulem mais pela calçada e pela rua do que pelas ciclovias que encontramos. Especialmente pessoas de mais idade e em cidades menores. Mas sempre eram modelos supersimples e as pessoas pedalavam com roupa comum — nada de capacetes, sapatilhas ou roupas coloridas de Lycra. Usam como meio de transporte, não de exibição.
Da frota total registrada, 245.086 carros usam gasolina (23,27%) e 746.029 diesel (72,07%). Há ainda uma parcela pequena, mas que vem crescendo, que usa combustíveis alternativos. Em vários postos vimos eco-diesel. O preço do litro gira em torno de 1 euro
Os motoristas ao longo de nosso percurso (de Podgorica, em Montenegro, dirigindo até Sarajevo e depois de lá rumo a Mostar, com paradas em Medugorje e Blanaj rumo a Kotor) são bastante respeitosos das normas de trânsito. Vários (mas talvez não mais do que a metade, especialmente motoristas de caminhão), nos deram passagem nas estreitas estradas. A sinalização variava. Ora indicavam com o pisca para um lado, ora para o outro. Mas quase sempre a luz à esquerda significava que podia ser feita a ultrapassagem.
Muitos jogavam o carro para o “não acostamento” para ajudar. Tanto nós quanto os que receberam passagem da nossa parte, agradecemos e nos agradeceram com uns segundos de pisca-alerta. Aliás, uma hora o carro que estava à nossa frente perto de Sarajevo, mas ainda um pouco longe, sinalizou para a direita, encostou na lateral e nós o ultrapassamos. Meu marido agradeceu com o pisca-alerta, mas pelo que vi no retrovisor acho que ele não nos deu passagem, não. Então, tá. Agradecemos a alguém por ter parado para fazer xixi na estrada…
Na Bósnia, ainda encontramos muitas placas em caracteres latinos na estrada, mas conforme adentrávamos o interior do país ou chegávamos perto das fronteiras, aumentava o cirílico. Em poucos casos, os dois idiomas juntos. Mas o fato é que a situação política entre bósnios e sérvios ainda é extremamente delicada e frágil.
Placas apenas em cirílico me fizeram entrar num banheiro masculino na Bósnia. Só depois que saí e dei de cara com uns 10 orientais que me disseram algo que não pareceu muito simpático é que entendi que havia errado de banheiro. Mas em minha defesa tenho que lembrar que em muitíssimos lugares nestes países, incluindo restaurantes, os banheiros são unissex. Neste caso, num mosteiro devish do século XV, procurando melhor encontrei um desenho de um sapato com um pequeno salto junto da placa em cirílico. Mas não era tão simples assim de entender. Rendeu boas risadas depois.
Antes de sair, o severo grau de TOC de Noratur me fez não apenas fazer todo o percurso no Google Maps, avaliando distâncias e, principalmente, tempos de estrada. Geralmente, calculam-se não mais do que 40 km/h na maioria das estradas. Aliás, os cinco países em que estivemos não têm acordo entre eles e algumas operadoras não têm cobertura nos outros países, portanto não teria chip de celular local ou teria de comprar 5 chips diferentes ou pagar roaming.
Para alguém Wazedependente como esta que vos escreve e sua cara metade, foi um teste e tanto não ter esse recurso. Em compensação, o GPS da locadora de carros foi uma bênção, apesar de muitos erros. E por algum motivo levamos alguns dias para conseguir usar o Google Maps offline. Besteira nossa, certamente. Mas entre os dois (foto de abertura) e muito parar para perguntar, conseguimos chegar a todos os lugares que queríamos — e a alguns que não queríamos…
Ainda acho que foi pegadinha do GPS nos mandar por um caminho, na fronteira entre Bósnia e Montenegro que mais parecia uma picada do que uma estrada. Mas como disse, com muito bom humor e paciência deu para levar tudo numa boa. Íamos a não mais do que 20 km/h pela condição da estrada. Mas em defesa do GPS não encontramos outra opção de caminho, então suponho que ou é a única estrada ou há um complô contra nós para que andemos por vias íngremes. Esta era de terra, cheia de buracos, não mais do que 5 metros de largura, sem acostamento, sem sinalização alguma, sem iluminação, de montanha (paredão de um lado e abismo do outro) e mão dupla — embora não tenhamos encontrado absolutamente ninguém em todo o percurso. Não recomendável para cardíacos.
De resto, não é difícil dirigir na Bósnia. O nível de álcool permitido para dirigir na Bósnia é 0,03%. Os limites de velocidade são compatíveis com as vias e, principalmente, seu estado de conservação. Nas áreas urbanas geralmente 60 km/h, nas rurais 80 km/h, nas estradas 120 km/h. Quando se atravessa uma área com escola, a velocidade é de 30 km/h em determinados dias e horários. Ou seja, sábado às 23 horas está liberado para andar na velocidade normal da via. Inteligente, não? Viu essa, CET de São Paulo?
Nós mesmos só conseguimos andar nas velocidades máximas em poucos trechos — basicamente, saindo de Sarajevo rumo a Mostar é que o marcador indicou 110 km/h ou 120 km/h. Na prática, nas demais andamos até abaixo do limite — mas éramos ultrapassados por carros com placas locais, certamente mais acostumados e experientes nessas estradas do que nós. O asfalto é de boa qualidade mas nem sempre a manutenção está em dia em caminhos menos transitados. E embora não se compare com os padrões alemães, para mim há muitíssimos menos buracos do que na cidade de São Paulo. Mas nem sempre ele está presente e andamos por vários caminhos de terra batida.
Ao contrário de outros lugares, não vimos gente olhando para o celular enquanto dirigia — foi mais algo realmente raro, felizmente. Mas os bósnios ainda assim adoram um celular e há de se tomar muito cuidado com pedestres suicidas que atravessam a rua olhando para o telefone e não para o sinal.
Respeitam bastante a faixa de travessia, tanto os motoristas quando os pedestres. Mas não é assim uma Alemanha. Não tentamos atravessar sem ter certeza de que o carro ia parar para nossa travessia mas não vimos acidentes nem quase-acidentes. Eu costumo olhar para os dois lados, especialmente quando não tenho certeza se já está aberta a temporada de caça ao turista.
Nas estradas, vimos alguns lugares para descanso — incluindo mesas e bancos, lixeiras. Algo muito prático para esticar as pernas ou mesmo comer algo antes de seguir em frente.
Justamente por não entendermos nada do idioma em nenhuma escrita, só paramos em estacionamentos particulares — muitíssimos, por sinal, e muito baratos, coisa de 2 euros por uma diária inteira, embora na maior parte das vezes nós tenhamos usado somente algumas horas. Mesmo assim, não há maiores restrições a estacionar. Aliás, mesmo nas cidades grandes há carros sobre as calçadas, de bico nas vagas (e não apenas os modelos Smart). Nem por isso há tensão entre motoristas e pedestres. Eles apenas desviam, mesmo que tenham que ir para o meio da rua. Por sinal, nesta viagem inteira me surpreendeu o grau de escuridão em todos os lugares, mesmo os mais populosos. Iluminação pública fraquíssima. E não se trata de lâmpadas queimadas ou faltando. É falta de potência, mesmo. Faltam lúmens. Fiquei pensando em como era seguro andar por essas cidades mesmo no breu…
A sinalização nas estradas é muito, muito rara. Foi comum estarmos numa via que indicava, por exemplo, Sarajevo, e depois de alguns quilômetros, mesmo com bifurcação, as indicações sumiram. Mesmo as maiores cidades só têm sinalização das estradas quando se está muito próximo, mas ainda assim, vez por outra somem assim como apareceram. Mais uma vez, santo GPS! Se não fosse ele ainda estaríamos naquelas terras.
Mas havia benzinska stanica (posto de combustível) por todos lados. Em todos encontramos frentistas — supergentis, diga-se, mas sem aquele hábito horroroso que se tem agora no Brasil de empurrar produtos. Ninguém nos ofereceu nada nem disse que o nível do óleo estava baixo nem se meteu a fuçar no capô. Alguns apenas perguntaram e aceitaram prontamente nosso ‘não precisa’ sem insistir. Essa foi a parte fácil da viagem, ao contrário da Nova Zelândia onde abastecíamos sempre que encontrávamos um lugar pois o seguinte podia estar a mais de 150 quilômetros de distância. Já o idioma… bem, mas tem sempre seu lado divertido, não?
Mudando de assunto: pois é, acabou a temporada de Fórmula 1 e a última corrida foi meio chatinha. Agora vem meu período de abstinência, com delirium tremens e tudo. Mas, paciência. Aproveitarei para assistir Ford x Ferrari e campeonatos ou reprises de outras corridas. Afinal, 15 de março de 2020 está logo aí, né?
NG