Bem, cá estamos ainda rodeados pelo Covid-19, uns isolados, outros não, uns contra, outros a favor das medidas dos governadores, outros a favor das medidas dos prefeitos e outros das medidas do presidente. E alguns contra absolutamente tudo.
Sempre defendi que devemos lutar pelos nossos princípios e apoiar quem achamos que devemos apoiar, mas sempre, sempre, pelos motivos corretos. Por isso abomino e luto contra feiquiniús de qualquer lado do espectro ideológico. Mentira é mentira e sempre será, não importa se quem a diz é alguém com quem concordo ideologicamente ou se ela “favorecerá” quem eu gosto. Mentira nunca deve ser justificada.
Semana passada escrevi neste espaço sobre a antecipação de feriados na cidade de São Paulo e sobre minhas dúvidas acerca de sua eficiência em reduzir a movimentação de veículos e pessoas na cidade. Não era um post político, era técnico, com números concretos e de fontes confiáveis, embora a ideia tenha origem num político — o prefeito de São Paulo. Algo óbvio, pois é ele o chefe do Executivo municipal. Era um texto sobre as consequências danosas da falta de planejamento e com referências ao famigerado rodízio implementado na semana anterior com pífios resultados.
Não é que teve gente que achou que era uma questão meramente política? Pessoas que ignoraram solenemente o cerne da questão: falta de planejamento e de base científica para implementar uma medida que dificultaria aos cidadãos saírem às ruas e que justamente por isso não funcionaria. Sei que poderia até mesmo ser decretado loquidáum, legalmente, e não entrei (como não o faço hoje) no mérito de se a medida é necessária ou não. Meu ponto era que a antecipação do feriado não funcionaria como forma de restringir a movimentação de pessoas como, de fato, não funcionou.
No entanto, teve gente nas mídias (anti) sociais que não entendeu isso. Pouquíssimos, é verdade, uns três ou quatro apenas, mas para alguém que como eu sempre teve muito orgulho de escrever com clareza é um choque. Escrever algo que 99% das pessoas entendem exatamente como foi escrito é uma honra, mas aquele 1% me provoca curiosidade.
Por isso estou aqui, tentando criar uma oração para Nossa Senhora da Interpretação de Textos para que ela olhe pelas pessoas que vem ideologia em absolutamente tudo e não enxergam ponderações técnicas em nada. Rezo para que ela ilumine, no sentido filosófico mesmo, estas criaturas das trevas e lhes permita entender um texto de pouco mais de 1.000 palavras.
Bem, talvez a minha escassa fé na humanidade e na religião não ajudem, assim como por mais que eu queira não sei se existe esta Nossa Senhora, mas acho que se há tantos santos, mártires e outros, deve existir esta Nossa Senhora. Se não, proponho sua imediata criação e canonização — se bem que vai ser difícil provar algum milagre dela, assim como alguma conversão de fanático, mas, vai que…
Em todo caso, acredito que ela tenha me iluminado e eu consigo, felizmente, interpretar textos. Por isso, pesquisando sobre os resultados do feriadão vi que muito daquilo que eu havia projetado aconteceu — para ser justa, não apenas eu, mas muitos outros disseram o mesmo.
O feriadão fez com que no domingo 24 de maio eu fosse dormir e acordasse no dia 9 de julho. Certamente foi a noite que mais dormi em toda minha vida — ops, não, na terça-feira dia 19 de maio fui deitar e só acordei no 11 de junho. Por sua vez, no 11 de junho (anteriormente 20 de maio) deitei e só acordei em 20 de novembro. Mas, assim como quando a gente viaja para o Oeste ou quando o Super-Homem circunda o planeta super rapidamente, o tempo anda para trás e eu acordei do dia 20 de novembro em plena manhã de 22 de maio. Coisa de deixar Einstein e sua teoria da Relatividade completamente maluco.
Fora essa parafernália jamais encontrada em nenhum calendário (juliano, gregoriano, judeu, chinês, etíope, maia ou sei lá qual) o efeito foi baixíssimo no nosso mundo real. Segundo o governo do Estado de São Paulo, o índice de isolamento social no Estado caiu no dia 22 de maio para 48% – a menor taxa dos últimos três dias. Na capital, o índice foi levemente maior que o do Estado (49%), mas também caiu em relação aos dias anteriores. Nos outros dias não foi muito diferente: na quarta e quinta-feira, feriados antecipados de Corpus Christi e Consciência Negra na capital, a taxa de isolamento no Estado ficou em 49% nas duas datas. Na capital, respectivamente 51 e 52%, e, claro, ficou muito longe do ideal, segundo o governador, que seria de 70%.
Outra incoerência nesta lista de coisas: a Prefeitura de São Paulo suspendeu o rodízio de veículos na segunda-feira, dia 25 de maio (ou 9 de julho, como prefiram) em razão da antecipação do feriado. O rodízio foi suspenso para caminhões também e a Zona Azul foi liberada. Mas, peraí, duas semanas atrás era para impedir ao máximo o trânsito de veículos e ampliou-se o rodízio para 50% do tempo todo, incluindo caminhões, e na cidade inteira… Bem, agora eu vou rezar uma novena para Nossa Senhora do Bom Senso, mas acho que desta vez dificilmente serei atendida. Talvez ela esteja brigando com Nossa Senhora da Interpretação de Texto e anda sem tempo para olhar por nós.
No dia 20 de maio, o primeiro do feriadão, a rodovia Anchieta, que une a capital paulista ao litoral, registrou congestionamentos no sentido litoral porque, adivinhem?Mmuita gente foi para a praia. Apesar de alguns bloqueios montados pelas prefeituras de cidades litorâneas (instalados e retirados ora por ação de uma justiça ora por ação de outra), no primeiro dia da folga prolongada o número de visitantes foi considerado alto. Isso porque houve queda no isolamento. Em Ubatuba caiu de 61% para 57%, Caraguatatuba, de 55% para 51% e São Sebastião de 63% para 61%. Isso porque estas três restringiram a entrada de veículos.
Segundo o Governo de São Paulo, houve queda de 4,2% no movimento das rodovias de todo o Estado de São Paulo neste feriado prolongado. De quarta-feira (20) a segunda (25), passaram pelas rodovias concedidas e administradas exclusivamente pelo DER 7,1 milhões de veículos. No mesmo período da semana anterior foram 7,4 milhões. Ou seja, movimento comparado com o de dias comuns, mas dentro da pandemia. Mas é claro que isso é média. Na rodovia dos Tamoios, a redução foi de 2% e no Sistema Raposo Tavares-Castello Branco a redução foi de somente 1,5%. O sistema Anchieta-Imigrantes foi o que registrou maior redução, com queda de 7,5%.
Ainda não foram divulgados os números de acidentes de veículos, portanto, não vou discorrer sobre isso hoje, mas com números tão iguais de isolamento não vejo porque haveria alguma diferença substancial no volume de acidentes.
E por quê acho que antecipar feriados com menos de 24 horas de antecedência não vai adiantar? Quem está na rua é: 1) por que precisa (seja a trabalho, seja para alguma compra ou situação pontual; 2) porque não acha o vírus perigoso, não liga ou cansou de ficar em casa. Em nenhum dos dois casos haverá mudança porque o número na folhinha do calendário passou de pretinho para vermelhinho.
Não vejo a hora de acabar este isolamento para não precisar tratar de assuntos tão sem pé nem cabeça sobre mobilidade e atentados contra o bom senso. Quero muito voltar a falar apenas de pautas sugeridas pelos meus caros leitores e contar outras novidades sobre um dos meus assuntos favoritos: trânsito e carros. Vamos ver se alguma santa me atende.
Mudando de assunto: neste festival de feiquiniús e bobagens que circulam por aí decidi chafurdar de vez nas bobagens e no nonsense como forma de “zerar” meu QI. Como muitos sabem, adoro filme trash — mas bem, bem trash, não aqueles meio bem feitinhos. Mas tenho me superado. Assistir “Tubarão tóxico” sobre um megatubarão que cospe ácido e transforma suas vítimas (aquelas que não são completamente deglutidas) em espécie de zumbis foi um pouco demais até para meus baixos padrões de besteiras fílmicas. O pior é que vi outros igualmente ruins. Se pensar melhor, serei obrigada a bloquear meu canal SciFi em época de festivais de filmes de tubarões…
NG