Há 60 anos, a Cessna lançava aquele que viria ser a verdadeira lenda da aviação geral leve, a pistão: O modelo 210.
A aeronave, considerada por muitos como o rei dos monomotores a pistão, nasceu em 1959 e começou a ser vendida como modelo 1960 e até 1986, ultimo ano de produção, sofreu constantes evoluções que a deixaram com um razoável espaço interno, grande capacidade de carga (leva, em suas versões mais recentes, 6 pessoas, e mesmo com os tanques de combustível totalmente cheios, ainda fica abaixo do peso máximo de decolagem), amplo envelope de centro de gravidade (ajuda e muito no carregamento), rusticidade de operação, aliado a um razoável desempenho de pista e uma ótima velocidade de cruzeiro, 352 km/h.
Tais características a tornaram uma aeronave cobiçada por fazendeiros, pilotos privados que operam sua própria aeronave, pilotos de garimpo e pasmem, até mesmo contrabandistas e traficantes de entorpecentes, sendo uma aeronave inclusive cobiçada por ladrões de aeronaves!
Gênese
Na segunda metade dos anos 1950, a Cessna não tinha uma aeronave à altura do lendário Beechcraft Bonanza. Até mesmo a Piper Aircraft, até então um fabricante de aeronaves convencionais no estilo tubo-e-tela (leia-se derivados do Piper Cub) já estava lançando o modelo PA-24 Comanche.
A Cessna possuía apenas os modelos 172, cujo primeiro voo completou 65 anos dia 12 de Junho último (em breve falaremos do modelo 172, o avião mais produzido no mundo) e os seus irmãos mais potentes, os Cessnas 180/182, de (trem de pouso convencional e trem de pouso triciclo, na ordem), ambos dotado do robusto, confiável e suave motor Continental O-470 de 6 cilindros, 7,7 L e 230 hp, mas sem o apelo (e o desempenho) de uma aeronave de trem retrátil.
É neste contexto que em 1959 a Cessna desenvolve o modelo 210, um quadriplace em sua essência, um Cessna 182 com trem de pouso retrátil.
Dotado um motor ligeiramente mais potente, o Continental IO-470 de e injeção mecânica indireta, o protótipo do 210 possuía leme reto, semelhante aos 182 então produzidos. O grande desafio dos engenheiros, no entanto foi como recolher o trem de pouso!
Nas aeronaves de asa alta, ou se observa os longos trens de pouso partindo das asas (vide o caso do Rockwell Aero Commander 500) ou as pernas do trem de pouso muito próximas entre si, recolhendo na fuselagem (vide o caso do Lockheed C-130 Hercules e do ATR) mas nenhuma dessas soluções era possível no pequeno Cessna – havia de ter uma altura livre do solo mínima (o Commander 500 praticamente “raspa” no solo) e colocar os trens de pouso junto da fuselagem também não era alternativa.
Assim, a Cessna desenvolveu um interessante (e complicado!) sistema de recolhimento das lâminas Wittman de trem de pouso em um sistema que praticamente desarma as pernas do trem de pouso principal e as guarda na fuselagem, numa operação bonita de se ver. O sistema era hidráulico com a bomba acionada pelo motor da aeronave.
Veja como é o ciclo completo do trem principal:
O Cessna 210 começa então, na segunda metade de 1959 a ser comercializado, como ano-modelo 1960, cuja principal característica das aeronaves Cessna desse ano,consiste no leme enflechado, dando um ar mais moderno comparado ao leme reto.
O modelo inicial foi logo substituído pela versão 210A, cuja principal diferença consistiu na adição de uma janela a mais e na versão B, a adição da vigia traseira, incrementando a visibilidade do modelo, mas que ainda permanecia uma aeronave de quatro lugares.
A versão 210D, introduzida em 1964, no entanto, ganhou um ligeiro incremento nas dimensões da cabine e a adição de dois assentos, tornando-se uma aeronave para 6 pessoas, ainda que os dois últimos assentos fossem bastante pequenos, adequados para duas crianças, como em certos minivans e suves de sete lugares atuais.
O motor Continental IO-470 sai de cena e em seu lugar entra o IO-520, também de 6 cilindros contrapostos, 8,5 L e 285 hp contínuos, sendo que é nesta versão que a empresa adota o nome Centurion como designação oficial do modelo
Da versão D derivou o irmão de trem fixo denominado Cessna 205, aeronave antecessora de outra lenda, o Cessna 206, uma verdadeira “Kombi” com asas!
Em 1966, a Cessna lançou a versão T210F, com motor TSIO-520. Embora produzindo os mesmos 285 hp, o supercarregamento do motor permitiu um melhor desempenho em altitude, em especial acima de 8 mil pés.
A grande modificação no modelo 210, no entanto, veio em 1967 quando a Cessna abandonou a estrutura de asas com montantes externos, adotando um modelo do tipo cantilever (engastada) com longarina integral.
Foi com um T210G que em 13 de maio de 1967 Walter Cable estabeleceu o recorde de altitude para aeronaves leves classe C1c, com peso máximo de decolagem entre 1.000 e 1.750 kg, atingindo uma altitude de nada menos que 42.344 pés (12.906 m — algumas fontes, no entanto, dizem que ele chegou a 43.699 pés ou13.319 m). A aeronave era de série, cuja única modificação foi envolveu mudanças no turbocompressor.
Vale a menção de que o recorde anterior pertencia ao mesmo Walter Cable quando voando com um T210F (asa com montantes), sem qualquer modificação, chegou a 39.344 pés!
A versão H da aeronave teve sua capacidade de combustível incrementada de 65 galões americanos para 90 galões americanos (246 L e 341 L, na ordem) mas foi em 1970 que o 210, na versão K assume a sua forma definitiva
Com incremento no tamanho de sua cabine, torna-se uma aeronave efetivamente para 6 pessoas. O trem de pouso principal ganha uma maior bitola e passa a ser do tipo tubular, permitindo que o pneu fique recolhido numa posição mais recuada melhorando o espaço para bagagem e, em 1972, na versão L, o sistema de trem de pouso passa a ser do tipo eletro-hidráulico (a bomba deixa de ser acionada pelo motor), mais confiável e menos sujeito a falhas, além da hélice de três pás, sendo esta a versão mais produzida, com 2.070 unidades, sendo que é a partir dessa versão que o 210 passa a ser conhecido como Centurion II.
De 1972 até 1984 o Cessna 210 recebeu pequenas melhorias, a maior parte delas relacionadas a novas versões do motor Continental (permitindo um maior período de revisão geral (Time Between Overhaul) e a aprimoramentos no mecanismo do trem de pouso, que na versão N (1978), deixa de ter as problemáticas portas do alojamento.
Em 1978 surge a versão pressurizada do Cessna 210. Denominada P210, a aeronave não tinha um grande diferencial de pressurização mas permitia voos mais altos que os 10.000 pés (3.000 m) regulamentares para voo sem oxigênio. Desse modelo foram produzidos 874 aeronaves até 1986.
A melhor safra do Cessna 210, no entanto, é também a mais rara delas: a versão R (210R/T210R e P210R). Surgida em 1985, foi produzida até 1986 e o seu maior destaque fica por conta de um incremento de envergadura em 60 cm, assim como do estabilizador.
Devido à grande capacidade de carga da aeronave, com amplo passeio de centro de gravidade, as forças envolvidas no manche em arfagem (levantamento do nariz) eram elevadas, fato que foi solucionado na versão R, tornando sua pilotagem muito mais agradável do que nas versões anteriores comparavam-no com um caminhão.
Assista a essa decolagem, com o imediato recolhimento do trem de pouso:
O motor, embora conservasse o mesmo IO-520 (TSIO-520 no turbocarregado) passa a fornecer 310 hp (325 hp no turbocarregagado) de potência por até cinco minutos. Os modelos anteriores eram limitados a 300 hp e 310 hp respectivamente.
Infelizmente, devido à crise enfrentada desde o início da década de 1980 pela chamada aviação geral, a Cessna em 1986 tira de linha toda a sua linha de aeronaves leves com motor a pistão e com isso o 210 sai de cena, totalizando 9.240 unidades produzidas. Em 1996, a Cessna relança sua linha de monomotores, todavia o Centurion ficou de fora, deixando a aeronave ainda mais cobiçada, em especial nas suas versões N e R, de poucas diretivas de aeronavegabilidade no tocante ao trem de pouso.
A judicialização de todas e quaisquer causas relativas aos direitos do consumidor que tomou conta dos Estados Unidos nos anos 1980 e subsequentes elevou de maneira acentuada os custos da aviação, inibindo a inovação e empurrando muitos para chamada aviação experimental e inibindo a produção de aeronaves certificadas.
No Brasil, depois do fim da reserva de mercado de aeronaves leves, surgido em 1975 e que durou até 1990 (apenas a Embraer poderia suprir esse mercado, com aeronaves Piper montadas na fábrica da Neiva em Botucatu, SP), foram importados muitos Cessnas 210 usados, inclusive alguns T210R, objeto de desejo de muitos pilotos.
DA
FICHA TÉCNICA CESSNA T210R | |
Motor | Continental TSIO-520 CE |
Potência (hp/rpm) | 325/2.700 |
Velocidade máxima (km/h) | 382 |
Velocidade de cruzeiro (km/h) | 352 |
Alcance máximo (km) | 1.320 |
Peso vazio (kg) | 1.053 |
Peso máximo de decolagem (kg) | 1.861 |
Teto de serviço (m) | 8.830 |
Comprimento (m) | 8,59 |
Envergadura (m) | 11,82 |
Tanques de combustível (L) | 329 |