Meus leitores mais antigos sabem o quanto eu valorizo o planejamento. Acho essa uma etapa fundamental para qualquer coisa na vida, mas ela é especialmente importante quando falamos de obras viárias, que, por óbvio, devem durar muitos, muitos anos e custam muito dinheiro.
Na minha vida pessoal dou tanto valor ao planejamento em todos os sentidos que mesmo quando vou ao supermercado tenho algumas rotinas. Lista é algo que ainda não vai muito bem, não, mas estou melhorando. Às vezes ela fica esquecida em casa, mas tenho tentado andar com ela na bolsa permanentemente e a cada item que lembro, anoto e volta para a bolsa. Funciona muito melhor do que deixar na cozinha, isso eu garanto.
Meu carrinho não é assim um exemplo de organização, mas não coloco pão de forma no fundo para que não seja esmagado por itens mais pesados e sempre as coisas de geladeira ficam separadas para não “molhar” as outras e as pego por último. De resto, fica meio bagunçadinho, mesmo, mas nada grave. Mas ao chegar ao caixa, me transformo. Passo tudo em blocos: todas as latas de ervilha juntas, todas as garrafas de azeite juntas e assim por diante. E sempre viro o código de barras para o atendente. Corro de um lado para outro para guardar as coisas (em São Paulo a maioria dos supermercados não tem empacotador) para que não se acumulem do outro lado da esteira, mas sempre, sempre, quando o caixa termina de passar estou com o cartão de crédito na mão. Acho que assim como meu tempo é importante o das pessoas atrás de mim também é.
E muitas vezes digito a senha do cartão antes de ter terminado de guardar as compras nas minhas caixas de compras, que já mencionei aqui. Assim, o cliente seguinte pode começar a passar suas compras enquanto eu termino de guardar as minhas. Afinal, já sei quando chego ao caixa o que terei de fazer, não? Isso, para não mencionar o buraco negro que é minha bolsa e que procurar qualquer coisa nela poderia demorar uma eternidade. Se procurar direito é capaz de achar um mico-leão dourado ou alguma outra coisa praticamente em extinção… Novamente, é só uma questão de planejar.
Quando se faz um túnel numa estrada ou mesmo numa rua, é de se prever que um veículo pode sofrer uma pane, não? Por isso, fazem-se recuos com alguma distância entre um e outro, para que o carro possa desobstruir o caminho enquanto chega o socorro mecânico. Como sempre, é apenas antecipar o que pode acontecer. Tem gente que acha que qualquer coisa desse tipo é ser pessimista — nada mais estúpido, por dizer pouco. Sair com um guarda-chuvas no verão tropical é atrair chuva? Não, é apenas ser realista e, novamente, antecipar uma situação que pode ocorrer e que com frequência ocorre. Pelo mesmo motivo, há telefones para ligar e pedir um guincho e extintores de incêndio dentro de túneis.
O mesmo acontece com os lugares para descanso de motoristas. É comum ver em outros países locais adequados para uma parada para esticar as pernas, trocar de motorista ou mesmo um rápido cochilo. Eu mesma mostrei aqui um lugar excelente na Sérvia, com banheiros químicos, mesas e bancos para um lanche e onde vários caminhões estavam parados e vimos motoristas tirando sonecas. E olha que há postos de combustível em todo lugar, com excelentes instalações, banheiros gratuitos, lojas de conveniência e mesmo locais para estacionar e até mesmo dormir um pouco (ou muito).
Na Nova Zelândia, onde há pouquíssimos postos de gasolina mesmo nas estradas principais, há muitos locais com recuos, bancos, mesas, banheiros químicos e mesmo churrasqueiras (!) para que se façam paradas para descanso e mesmo alimentação, como já mencionei aqui há algum tempo. Até na nada rica, porém linda Bósnia-Herzegovina vimos isso, em estradas de pista simples, caminho de montanha e com poucas opções (foto de abertura), ainda que com mais simplicidade, mas com lugar para parar alguns carros, mesas e bancos e lixeiras. Local simples, mas que permitia um descanso, uma refeição, uma troca de motoristas ou até mesmo um cochilo.
No Brasil tentou-se fazer isso, mas esqueceram de combinar com os russos e não há fisicamente locais para isso – muito menos com um mínimo de segurança. E voltamos à falta de planejamento.
E qual é a importância de se prever locais para parar ao longo da estrada para um descanso? Fazer com que o trânsito seja mais seguro. Percursos longos sem paradas podem levar o motorista a ter sono. Rápidas paradas, mesmo que apenas para esticar as pernas, tomar ar fresco ou, se possível, alternar a direção com outra pessoa, são fundamentais para que o trânsito seja mais seguro. Não é coincidência que nesses países que mencionei o trânsito o seja. As estradas da Nova Zelândia são, em sua maioria, de montanha, pista simples, sem acostamento, travessias de ponte em sua maioria pista única onde deve ser respeitada a preferência e, ainda assim, em muitos lugares a velocidade máxima é de 100 km/h. O segredo? Novamente, planejamento e antecipação. Vamos pensar que as pessoas podem se cansar ao dirigir, que elas podem se entediar, especialmente se estiverem sozinhas, que esticar as pernas é saudável e necessário…
Sei que a pandemia tem prejudicado o planejamento de muitas coisas. Eu mesma tenho sofrido com isso. Não consigo saber como será minha vida daqui a uma semana, quanto mais nos próximos meses. Quando poderei voltar a viajar? Não faço a menor ideia. Quando poderei comemorar meu aniversário, que foi em maio? Logo eu, descendente de espanhóis e italianos e tão latina, que sofro porque recebi um único abraço — do marido, quarentenado junto comigo, claro. Nem digo coisas mais importantes, como planejamento financeiro. Aliás, qualquer planejamento foi para as calendas. Nem as coisas mais banais consigo imaginar como serão. Mas isso não se aplica à administração pública nem a engenharia viária, que padece de problemas crônicos há décadas. Isso não justifica, pois falamos de medidas que devem ser estudadas durante anos e que também serão executadas daqui a um bom tempo.
Nunca entendi essa aversão por recuos. Quem já sofreu pane mecânica em qualquer lugar sabe a que me refiro. Eu mesma já tive de ser rebocada por um veículo da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) para fora de um túnel até um posto de combustível vários metros adiante porque dentro do túnel não havia um único local para encostar meu carro totalmente parado, como já contei aqui. E é um local muito, muito transitado. Lá dentro não há acostamento, nem sequer uma ínfima calçada onde pudesse subir sequer parte do carro para que os outros desviassem. Imaginem, caros leitores, uma dama como eu, as coisas que tive de ouvir até chegar o salvador carro da CET. Aprendi cada palavra! Bem, melhor não repetir nenhuma delas aqui pois não acho que sejam edificantes, mas juro que várias delas nunca as havia ouvido.
Mudando de assunto: finalmente, assisti o filme “Ford x Ferrari”. Dizer que adorei é pouco. Já quero ver de novo. Recomendo especialmente a quem gosta de carros e mesmo a quem não gosta (tem alguém lendo esta coluna que não gosta? Sério?) É um filmaço. Uma das mais abjetas histórias do automobilismo mas, ao mesmo tempo, de duas das pessoas mais interessantes do automobilismo. Vale cada minuto.
NG