Existem momentos inesquecíveis em nossas vidas, aqueles que ficam indeléveis em nosso cérebro, como um carimbo.
O meu gosto por automóveis e pela engenharia começou nos idos de 1953 quando meu tio Renato, irmão do meu pai, Irineu Meccia, comprou um Ford Customline motor V-8 novinho em folha. Eu, com meus 8 anos de idade, quando vi aquele carrão azul clarinho de linhas arredondadas, com todos aqueles detalhes cromados, o enfeite no capô lembrando um foguete e aquele emblema colorido, fiquei gamado. Foi amor à primeira vista. Nós morávamos no bairro Cidade Vargas em São Paulo éramos praticamente vizinhos dos meus tios, o que me permitia ver o Ford praticamente todos os dias.
Abaixo, várias fotos dele (clique para aumentar):
A minha primeira viagem de automóvel foi dentro deste maravilhoso Ford Customline até a cidade praiana de Itanhaém no litoral sul de São Paulo. Que emoção entrar naquele carrão, com aquele banco traseiro que parecia uma cama de tão confortável e pegar a Via Anchieta, descendo a Serra do Mar contemplando aquela paisagem da mata atlântica. Ver o mar ao longe quase chegando ao pé da serra me deixava sorrir de orelha a orelha.
O ruído do “veoitão” acelerando era um presente para os meus ouvidos!
Chegando em Santos seguíamos no rumo de Itanhaém. Na época a viagem era feita praticamente sobre a areia da Praia Grande, pois a rodovia Pedro Taques era apenas um projeto. Havia desvios asfaltados mais eram poucos somente perto de Mongaguá a meio caminho de viagem.
De São Paulo a Itanhaém gastávamos praticamente três horas e meia de viagem prazerosa, na qual ouvíamos música naquele rádio AM e ondas curtas que precisava esquentar para começar a funcionar, por ser valvulado. Sem falar do ar-condicionado, que dava um requinte ainda maior ao ambiente.
E foi assim que…
Comecei a colecionar recortes de jornais, fotos de revistas, enfim, tudo que eu pudesse vasculhar a respeito de automóveis. Quero ser engenheiro para projetar carros, dizia eu para mim mesmo.
Nosso vizinho de muro, o Sr. João, tinha um Austin A90 com carroceria de alumínio e carburadores SU. Ele era um excelente mecânico e foi quem me ajudou muito no aprendizado do funcionamento dos automóveis e das técnicas de oficina. Sempre que possível eu passava os fins de semana com o Sr. João ajudando-o a montar e a desmontar o Austin.
Meu pai, percebendo o meu gosto pela engenharia, começou a me presentear com ferramentas. Construiu até uma bancada de madeira com uma morsa para que eu pudesse exercitar trabalhos manuais.
Comecei a freqüentar ferros-velhos à procura de qualquer coisa que eu pudesse desmontar para entender o seu funcionamento, revelando a minha habilidade manual e também aguçando a minha criatividade.
Fazia carrinhos de rolimã e descia as ladeiras do bairro que nem um maluco. O freio era uma alavanca de madeira com um pedaço de pneu fixado que atritava com o chão para parar o carrinho.
Adorava fazer pipas, “quadrados” como eram chamados na época. Fazia de todos os tipos e tamanhos e eram tão bonitos que chamavam a atenção. Tanto assim que cheguei ganhar uns bons trocados fazendo e vendendo “quadrados” nas feiras do bairro.
E comecei a me interessar também por aeromodelismo, primeiro com modelos planadores mais simples e depois com modelos movidos a motor de combustão interna 2-tempos, movidos com uma mistura de metanol com óleo de rícino como lubrificante.
Fiquei sócio da União Paulista de Aeromodelismo e comecei a freqüentar a pista que ficava dentro do Parque Ibirapuera, na altura da avenida Quarto Centenário. Fazia e pilotava aviões de acrobacia com controle a cabos (U-control) que através de uma manete me permitia fazer vários tipos de manobras. Cheguei a participar de campeonatos regionais, porém nunca consegui uma boa classificação. Tinha um pessoal muito melhor que eu na jogada.
Nossa casa no bairro Cidade Vargas tinha uma garagem onde consegui instalar uma oficina bem aparelhada para fazer as minhas pipas, os meus aeromodelos e também consertar qualquer coisa que aparecesse, principalmente as bicicletas, minha e dos meus amigos.
Tinha um eletrotécnico amigo do meu pai que fazia reparações de rádios e fonógrafos e morava em frente de minha casa. Eu, de tanto freqüentar a sua oficina, comecei a me interessar também por eletrônica e fiz um curso por correspondência no Instituto Monitor. Até hoje continuo gostando de restaurar rádios antigos valvulados, tanto é que mantenho uma coleção de aproximadamente 60 peças de madeira e baquelite dos anos 1920 aos 1960, todos funcionando perfeitamente.
Estudei o ginásio e o científico no Liceu Pasteur, colégio franco-brasileiro situado no bairro de Vila Mariana. Sem fazer cursinho, prestei o vestibular unificado MAPOFEI (Mackenzie, Mauá, Poli e FEI) e não consegui entrar na Politécnica, que era o meu sonho, inclusive por ser gratuita, porém consegui vaga na FEI.
Falei aos meus pais que iria fazer um ano de cursinho para tentar entrar na Poli e eles acabaram me convencendo a entrar na FEI para ganhar o ano de cursinho. E foi assim que, com muita relutância, iniciei o curso de engenharia mecânica na Faculdade de Engenharia Industrial em São Bernardo do Campo em 1964, com meus 18 anos de idade.
Ia todos os dias de ônibus para a FEI, o amarelinho como era chamado, e chegava a São Bernardo do Campo após quase duas horas de viagem. Uma canseira total.
Acabei comprando o meu primeiro carro com a ajuda do meu pai, um Romi-Isetta 1959 bicolor, coral e creme, isto nos idos de 1965. Com que orgulho comecei chegar à FEI motorizado!
O Romi-Isetta foi o caminho para que eu montasse uma oficina de final de semana na garagem de casa.
Na garagem de casa fizemos um fosso com escada e uma tampa removível de madeira para poder verificar os carros por baixo. E comecei a reparar o meu Romi-Isetta e também carros dos meus amigos e vizinhos. A fama de bom mecânico se espalhou e a oficina começou a me garantir um dinheirinho extra pra gastar com as meninas! E como eram charmosas as meninas dos anos 1960! (sem desmerecer as de hoje).
Nas minhas visitas aos ferros- velhos comecei a encontrar objetos antigos que serviam para decoração e comecei a coletá-los e revendê-los no Shopping Center Iguatemi, um luxo da época onde os ricos de Sampa faziam compras. Os lojistas compravam as antigüidades para decorar as vitrines e isto me rendia mais um dinheirinho.
E foi em 1966, em uma festa na casa do meu amigo Roberto no Parque Jabaquara que conheci a Bete, hoje minha esposa. Foi amor à primeira vista. Começamos a namorar e foi a melhor época de minha vida. Andávamos de Romi-Isetta para todo lado. Subíamos e descíamos a rua Augusta e ficávamos com a turma em frente ao Café Yara ou em frente à Galeria Ouro Fino. Carros envenenados de todos os tipos incluindo os Karmann-Ghia com motor do Chevrolet Corvair 6-cilindros boxer arrefecido a ar eram vistos tirando racha com os Fuscas com motor Porsche. Bons tempos…
E acabei comprando um Renault Gordini 1963 cor preto Bali com estofamento verde e rodas cromadas. Tinha motor aumentado de 845 para 904 cm³ e era equipado com cárter e tampa do comando de válvulas de alumínio, com aletas de refrigeração, do preparador Silvano Pozzi, famoso pelos venenos nos carros de corrida. Tinha também escapamento com saída dupla em tubo cromado. O Gordini andava pra burro e virou meu xodó.
E continuei namorando a Bete e estudando muito pensando em me casar.
Em 1968 consegui um estágio remunerado na Scania-Vabis, fábrica dos caminhões narigudos cor de laranja. Trabalhei lá durante quatro meses passando pelos vários departamentos da fábrica, o tratamento térmico, o controle de qualidade, a metrologia e a montagem final. Participava também, como carona, nas avaliações externas dos caminhões Scania na serra velha, o Caminho do Mar.
Pouco tempo antes de me formar comecei a trabalhar na Chrysler do Brasil, em Santo André, onde ficava a fábrica de motores e a montagem dos caminhões Dodge. Me lembro dos testes dos motores V-8 318-pol³ roncando alto no banco de provas, onde era efetuado também o balanceamento dinâmico.
Já formado, me casei em 4 de junho de 1970. Ainda trabalhando na Chrysler, os meus amigos me proporcionaram a minha despedida de solteiro no Bar do Baltazar, uma espelunca que ficava em frente à fábrica.
E foi em 1971 que nasceu a nossa filha Adriana. Também foi em 1971 que iniciei a minha carreira na Ford-Willys trabalhando na engenharia do Centro de Pesquisas em São Bernardo do Campo.
Fiquei radiante, finalmente trabalhando como engenheiro na área de chassi! As instalações do CPQ eram um sonho para aquele jovem engenheiro que com pouca idade já havia passado por momentos únicos e inesquecíveis. O engenheiro era muito valorizado na época pela grande oferta de empregos e poucos profissionais disponíveis.
E troquei o Gordini por um Fusca 1968 azul, que logo vendi, pois não tinha cabimento trabalhar na Ford e ter um Volkswagen.
E comprei o meu primeiro carro zero-quilômetro, um Ford Corcel Luxo 1973 cor de laranja (a cor se chamava laranja Mandarim). Como era chique o Corcel! Acabamento primoroso e aquela grade dianteira com detalhes verticais e com emblema do cavalinho em metal cromado. Aquela grade foi para mim a mais bonita da série.
Até o próximo post!
CM
Imagens: acervo particular do autor, www.hemmings.com