O título é de um filme-comédia que fez muito sucesso 30 anos atrás (Home alone, 1990). No entanto, o assunto que vou enfocar nada tem de engraçado. Pelo contrário, é um drama triste.
Todo problema social, e o trânsito é o terceiro problema social do mundo, somente sendo superado pela manutenção da paz e a fome segundo relatório da ONU, tem o seu equacionamento e a sua consequente solução baseados na interpretação competente das informações de estatística.
Evidentemente, não foi o que ocorreu nas recentes modificações de abrandamento do rigor do nosso superado Código de Trânsito Brasileiro. Elas evidentemente tiveram uma forte influência política em ano de eleições municipais e se constituíram num magnífico exemplo de um produto da CMC (Confraria da Meia Ciência) que, infelizmente, assola o País.
Que eu me lembre, no passado as decisões e modificações na Lei do Trânsito eram feitas nos Congressos Nacionais de Trânsito, promovidos pelo Contran, variando a sede, sempre capital de um Estado, reunindo especialistas no assunto, do governo e fora dele.
Estou falando, de nós, pedestres, que não fomos agraciados com nenhum endurecimento na lei que nos proteja quando atravessando na faixa de travessia, que passarei neste artigo a chamar de “zebra”.
Surpreende e encanta os turistas brasileiros que visitam o Continente Europeu o respeito absoluto dos motoristas a nós, pedestres, quando atravessando na “zebra’. Ficam encantados com sua educação. Ledo engano: eles são iguais aos nossos motoristas — um “primata” condicionado segundo o psicólogo inglês Desmond Morris. Se assim procedem é porque assim foram condicionados, por uma lei dura e que valoriza a pessoa mais importante no trânsito: o pedestre.
A Alemanha, quando da reconstrução de suas cidades destruídas pelos bombardeios aéreos dos aliados. principalmente pela Força Aérea Real, justa retaliação pelo que a Luftwaffe destruiu na Inglaterra durante o ano de 1940 e parte de 1941, reservou na área central delas uma vasta área de pedestres com a seguinte mensagem: “Devolução da terra ao seu legítimo dono: o homem a pé”.
Segundo o levantamento constante dos dados estatísticos dos atropelamentos, a Comunidade Europeia criou uma lei, e o último país a adotá-la foi Portugal, considerando crime inafiançável o atropelamento na “zebra”. Em compensação, caso o atropelamento ocorresse fora dela, o motorista aprovado no exame de alcoolemia ou toxicológico seria inocentado.
“Lei do cão”, para domar os primatas que fizessem do seu carro uma arma, o que em última análise ele é.
Em Israel, onde a convite de seu governo estagiei em 1968 em seus departamentos de trânsito, criaram um sistema digno da genialidade do seu povo: fotografar em locais os mais variados uma travessia na “zebra” e publicada no jornal que liderava a campanha. Qualquer pedestre que se identificasse na foto receberia um talão que iria concorrer, quinzenalmente, a um valioso prêmio, como: televisor, refrigerador, máquina de lavar, equipamento de áudio sofisticado, viagem de turismo, etc. O melhor de tudo era a mensagem publicitária dirigida ao público-alvo: Você não ganha nada atravessando fora da “zebra”.
Ao regressar, tentei implantar o mesmo no Brasil. Pergunte se encontrei apoio…
Outra magnífica ideia, esta inglesa de 1969 e adotada em toda a Europa, foi a criação do que lá chamam de “Pelican crossing” — pelican é a contração de pedestrian light-controlled crossing —”zebra” com semáforo controlado pelo pedestre, que no começo, em julho daquele ano, era ‘pelicon”, mas acabou sendo chamada de “pelican”, a bela ave aquática de bico longo e com uma bolsa na garganta para guardar as presas. Foi a primeira vez que o pedestre teve comando do semáforo da faixa a ele destinada
Complementam o “Pelican crossing” dois postes zebrados, de cada lado da rua, tendo no topo de cada um, um globo de cor amarela, com uma lâmpada intermitente assim que o pedestre aperta o botão ao desejar atravessar. Elas são acompanhadas por um alerta para diminuir a velocidade para 30 km/h à sua aproximação e logo a seguir o semáforo regulamentar comandado pelo pedestre fica vermelho para que ele atravesse a rua com segurança.
Evidentemente, só são instaladas em vias sem sinalização semafórica normal, pela nossa lei mais comumente as “vias coletoras”, cuja velocidade máxima, pelo Código, é de 40 km/h, salvo sinalização de limite de velocidade diferente, para mais ou para menos, a critério da autoridade sobre a via.
Estas velocidades determinadas pelo Código segundo o tipo da via mereceriam há muito tempo terem os seus postes identificados com uma faixa colorida identificadora de sua classificação, a fim de ir condicionando o motorista a conhecer os vários limites de velocidade.
Finalmente, uma medida simples, que poderia ser adotada já, face da estatisticamente comprovada incidência de atropelamentos,nas esquinas com conversão de tráfego, é o recuo das “zebras” nas vias contribuintes, onde o tráfego da transversal poderá entrar, a fim de criar espaço para os veículos,que efetuarem a conversão pararem na barra de retenção, em obediência ao semáforo vermelho, que deverá acompanhar esta medida. Será, evidentemente, necessária a colocação de cerca obrigando o pedestre a caminhar até a “zebra’, desviando-o um pouco de seu trajeto. Um eloquente exemplo do uso das cercas é encontrado na Praça Piccadilly em Londres,
Eu, pessoalmente, conheço dois casos de atropelamentos fatais, enlutando pessoas de minha relação, por causa da não existência desta medida simples.
Sinceramente, espero que alguém com poder junto à imensa CMC que dirige o trânsito no Brasil se interesse, por nós, os párias do trânsito.
CF
Celso Franco escreve quinzenalmente aos sábados no AE sobre questões de trânsito