Em 1988 eu tinha 19 anos. Embora já tenham se passado mais de três décadas, as recordações daquele ano especial ainda permanecem vivas em minhas lembranças, e tenho certeza que nas de muitos leitores do AUTOentusiastas também.
Naquela época, como era comum na vida de muitos jovens da minha geração, a rotina diária era muito intensa: treino às 6 horas da manhã; depois, das 8h30 às 15h30 trabalhava como escriturário na agência do extinto Banco Banorte. Das 16 às 18 horas cumpria minhas obrigações militares com Exército Brasileiro servindo ao Tiro de Guerra 02-040 de Sorocaba, SP e finalizava o dia das 19h00 às 22h30 em sala de aula.
Sem dúvida que o meu primeiro carro, o valente Fiat 147 1980, modelo standard, na cor bege Dolomite, motor 1300 a álcool, era o meu companheiro inseparável. Percorria as ruas de Sorocaba por vários quilômetros durante a semana para dar conta da rotina de treino-trabalho-exército-escola e no final de semana para curtir amigos, namoradas, festas, churrascos e todas as coisas legais que fazíamos no final da década de 1980.
Lembro-me como se fosse hoje que aos sábados, após a liberação do serviço militar às 10 horas, era o momento mágico de lavar, aspirar, encerar e checar as condições mecânicas do Fiat, o qual embora o seu motor movido a álcool e o carro como um todo, fossem injustamente difamados por muitos “entendidos”. O meu Fiat 147 1980 sempre esteve pronto e em condições para me levar onde fosse necessário com sua agilidade peculiar e seu aroma etílico único.
Embora, eu gostasse demais do meu Fiat 147, o sonho era ter um dos esportivos produzidos no Brasil: Monza S/R da General Motors; Passat GTS Pointer e Gol GTS da Volkswagen; Uno 1.5R da Fiat ou o Escort XR3, da Ford. Cada um deles com suas qualidades e limitações, mas que na época todos eles tinham um status e um poder de sedução que dificilmente podem ser compreendidos por quem não viveu aquela época. É o tipo de sensação que apenas quem viveu aquele momento sabe como foi.
Aquelas versões do Monza, Passat, Gol, Uno e Escort representavam muito mais do que meios de locomoção. Ter um daqueles esportivos da GM, VW, Fiat ou Ford significava algo difícil de descrever em palavras. Não há como fazer uma analogia com os dias atuais. Por mais que um superesportivo importado atual seja fantástico, rápido, seguro, tecnológico e caro, como, por exemplo, um Porsche 911 Turbo S Cabriolet, eu tenho a sensação de que atualmente esses supercarros não sensibilizam tanto as pessoas quanto aqueles esportivos produzidos no final do anos 1980 eram capazes de sensibilizar.
Não me interpretem mal, eu não seria louco para dizer que um Gol GTS ou um Escort XR3 ano 1988 são melhores do que um Porsche 911 Turbo 2020. Contudo, naquela época o nosso estilo de vida era analógico, os nossos valores e desejos eram limitados apenas ao acesso do que era real, e não virtual, e a situação econômica do país era convulsiva. Talvez essas razões, entre tantos outros motivos, os automóveis em si, e principalmente os esportivos da época, exercessem um fascínio muito maior nas pessoas, e em especial nos jovens, do que nos dias atuais.
Tive a oportunidade de conhecer, razoavelmente bem, todos aqueles modelos esportivos disponíveis em 1988. Alguns dos meus amigos próximos tiveram, naquele ano, a felicidade de ter carros como o Monza S/R, Passat GTS Pointer, Gol GTS, Uno 1.5R e Escort XR3 0-km!
Sem dúvida, é inesquecível a lembrança das sensações que esses carros proporcionavam quando eram “retirados da maternidade” e apresentados às ruas. De fato, passávamos muito tempo somente observado aquelas linhas harmoniosas, lendo os testes e apreciando os carros. As viagens ao litoral eram o máximo naqueles modelos, e quando era possível dirigir algum deles, então! Era o evento mais importante que poderia me acontecer. Aqueles carros esportivos eram de outro mundo comparado ao meu Fiat 147. Eu curtia todos eles! Mas o Escort XR3 era o meu preferido.
Para os esportivos nacionais, o ano de 1988 pode ser considerado como o fim de uma era, com o adeus ao Monza S/R e ao Passat GTS Pointer. Além disso, aquele foi o último ano em que havia cinco esportivos com quatro opções distintas de motores/câmbios e todos ainda eram a carburador.
Em meados de 1989, dos cinco esportivos disponíveis (Gol GTi, Gol GTS, Escort XR3, Kadett GS e Uno 1.5R) os três primeiros utilizavam o mesmo motor AP-1800 e já havia a novidade da opção de injeção eletrônica, item que viria modificar definitivamente as referências de desempenho e consumo.
No segundo semestre de 1988, importantes acontecimentos marcaram a nossa História, como a Promulgação da Constituição Brasileira no dia 5 de outubro e algumas semanas depois, no dia 30, Ayrton Senna conquistava seu primeiro título mundial de Fórmula 1 com a vitória no GP do Japão, em Suzuka.
Nesse mesmo mês mais um Escort XR3, em especial um deles, o da identificação do chassi final BW59379 na cor azul Mistral, estava sendo produzido. E aqui se inicia outra história.
Esse Escort XR3 foi comprado 0-km por, certamente, um feliz proprietário em Limeira, SP, no dia 3/11/1988. Paralelamente a isso, em Sorocaba eu seguia minha vida com meu Fiat 147 e sonhando com os esportivos nacionais daquele ano, e alguns dias mais tarde em 19/11 eu dava baixa do serviço militar.
Aquele ano seguia próximo ao seu fim e nas paradas de sucesso daquele ano, o top five musical no Brasil era constituído pelos hits: “Faz parte do meu show” (Cazuza); “One More Try” (George Michael); “Time of My Life” (Bill Medley & Jennifer Warnes); “Piano In The Dark” (Brenda Russell) e “Ideologia” (Cazuza). Já pela lista da Billboard, os principais sucessos daquele ano foram: “Faith” (George Michael); “Need You Tonight” (INXS); “Got My Mind Set on You” (George Harrison); “Never Gonna Give You Up” (Rick Astley), e “Sweet Child o’ Mine” (Guns N’ Roses).
Com certeza, se você tem mais que 45 anos, provavelmente ouviu algumas dessas músicas, tocadas na época por um autorrádio San Francisco ou por um toca-fitas Rio de Janeiro, ou ainda por qualquer outro equipamento legal da época, com o som amplificado por um Tojo (Fotos abaixo, minhas)
Falando em música, ainda em 1988 tive a oportunidade de assistir ao vivo no dia 1º de dezembro no Ginásio do Ibirapuera a banda inglesa New Order em um show memorável. Foi muito legal, já em Sorocaba na madrugada após o show, rodar pelas ruas desertas da cidade com Fiat 147, apreciando o toca-fitas Roadstar reproduzir o K7 com as mesmas músicas que momentos antes eu havia ouvido ao vivo.
Por sinal, tenho esse K7 guardado até hoje. Do ano de 1988 ainda salvei algumas lembranças da época do serviço militar, como o coturno e a tarja com meu nome da farda (ao lado, minha)). Mas, sem dúvida a minha maior recordação daquele ano incrível é o Ford Escort XR3 1988, azul Mistral ao qual me referi alguns parágrafos acima. Boa parte da trajetória deste Escort XR3 já foi registrada na seção Carros do Leitores, no entanto o que me chama a atenção é a sinergia entre a história desse carro e a minha relação com o ano de 1988.
Quando comprei o Escort XR3, parecia que o carro estava esperando por mim, permanecendo cuidadosamente conservado por quase três décadas em Limeira pelo mesmo dono, que havia o comprado em novembro de 1988.
Muitas vezes, quando estou dirigindo o XR3 (foto de abertura) e ouvindo aquele mesmo K7 de 1988, me sinto como se eu estivesse de volta ao final dos anos 1980. Parece que a qualquer momento vou encontrar meus amigos, estacionar o Ford junto aos outros esportivos daquele ano e passarmos uma tarde quente de novembro conversando sobre os carros.
Ou, ainda, que logo eu vou ter melhor sensação de todas que seria a oportunidade de chegar em casa e ver meus os pais novamente, e assim poder dar um grande abraço neles e lhes dizer o quanto eles foram importantes para mim.
Por essas e por muitas outras razões que, para mim o automóvel foi a invenção mais apaixonante que o ser humano poderia ter criado. Que outra máquina ou objeto poderia nos proporcionar experiências como essas? O carro representa a história. A nossa história!
E você, leitor ou leitora? Qual seria o ano e o carro que marcaram a sua vida?
Marcelo Conte
Jundiaí, SP