A Porsche produz sonhos há exatamente 72 anos. Seus automóveis funcionam com precisão e são feitos para agradar ao público. Em um modelo mais antigo ou em um novo em folha a maior característica de série ainda é o prazer de dirigir.
Nesta matéria o leitor vai comigo conhecer um clássico. E que clássico! O 356 A Carrera GS Cabriolet 1959 das fotos tem um estilo muito peculiar. Aliás, esse exemplar utiliza a capota rígida, o que acentua suas linhas sedutoras. O maior destaque, entretanto, é percebido quando se dá a partida. Mas vamos com calma.
Combinei com o proprietário em uma tarde de sábado. O engenheiro me recebeu e fomos direto para a garagem. Notei o interesse pelos esportivos alemães assim que me sentei. A cadeira era um banco de Porsche! Além disso, telas nas paredes e uma ampla literatura sobre a mesa indicavam que eu estava frente a frente com outro apaixonado por carros. Compatibilidade de gênios.
Antes de mais nada ele me passou a ficha Kardex do carro. Essa é uma espécie de certidão de nascimento, pela qual a fábrica tem o controle total de tudo que é produzido em Stuttgart. Notei que o modelo saiu da loja no dia 30 de abril de 1959. “Sou o oitavo dono”, comenta com orgulho.
A história está toda documentada. Após rodar pelas Autobahnen o 356 passou algum tempo na ensolarada Califórnia. De lá, enfrentou o fog inglês e retornou ao país de origem. Finalmente, há oito anos, chegou às mãos do brasileiro. Preocupado com os detalhes e originalidade, ele enviou o esportivo para uma criteriosa restauração. O processo — executado com maestria pela concessionária Stuttgart, de São Paulo — levou praticamente dois anos. E valeu a pena.
Aproveito este momento para falar do início da paixão do engenheiro pelos carros da marca. “Foi quando vi o primeiro 911, em 1973”, conta com uma pitada de nostalgia. E como esse sentimento vai crescendo com o tempo, correu atrás do sonho até estacioná-lo — literalmente — na garagem.
Vídeo de 2009. Gravaremos um atual em breve
Enquanto conversávamos fiquei sabendo de todas as particularidades da máquina. Anote aí: para-choques do Carrera GS/GT, tampa do porta-malas em alumínio, freios de competição, retrovisores do 550 Spyder e bancos-concha transportam motorista e passageiro para uma outra época. O volante VDM de três raios dá o toque de mestre ao painel.
Alguns parágrafos acima comentei que o detalhe mais interessante estava na parte de trás. Isso mesmo: o raro motor four-cam Tipo 547 projetado pelo Dr. Ernst Fuhrmann. Quando o 356 foi para a restauração o colecionador ficou sabendo — para sua grata surpresa — que ele havia sido doado por um RS 60. Em outras palavras: um motor de pista.
Antes que o leitor tenha um ataque de nervos vou falar um pouco do motor. São 1.587 cm³ de cilindrada (87,5 x 66 mm), belíssimos carburadores duplos Solex 44 PII e ignição igualmente dupla. Além do fato de estar milimetricamente limpo, sem nenhum pingo de óleo.
Externamente só se nota que o carro é bravo por causa do escapamento dimensionado. Hora de ouvir a usina de força. Chave do lado esquerdo e partida. Silêncio no ar. O “quatro-comandos” acorda, como se despertasse de um longo sono. Logo notei que ele estava precisando esticar os músculos. O ronco embaralhado chega a ser hipnotizante. A orquestra de válvulas e — dos já citados comandos — está mais afinada do que nunca. Uma pisada no acelerador e os 140 cv (potência bruta) se apresentam, com disposição para uma bela corrida. Chegou a hora da ação.
Fotos: Renato Bellote
Saímos após um breve aquecimento do motor e uma checagem rápida no nível do óleo e pressão dos pneus. “Ele se transforma a partir das 4.000 rpm”, conta o zeloso proprietário. Segundo ele, dos 5.000 aos 8.000 giros a coisa fica séria. Em um quarteirão mais aberto uma acelerada de leve mostrou o porquê da fama do motor. Chegamos ao semáforo.
O Carrera arrancou com vontade no verde. É impressionante como o giro sobe. A rotação parece não ter fim. As marchas — quatro — são longas e o boxer trabalha a todo vapor. O coração pula no peito e o som do escapamento é algo simplesmente inacreditável. A melhor palavra para defini-lo talvez seja apaixonante.
“Vamos por ali. Prepare-se!”, exclama o dono. Descemos com o pé embaixo entrando no túnel Max Feffer. Lá dentro, o ronco se transformou na coisa mais gutural que eu já tinha ouvido até então. A fera alemã pedia passagem e vinha furiosa querendo mais e mais asfalto. É difícil descrever a sensação em palavras. “Acho que no túnel de Mônaco na F-1 acontece a mesma coisa”, salienta com um largo sorriso. Neste momento eu me recuperava da emoção.
Após o passeio ficou mais fácil entender o motivo da empresa ter conquistado não só a vitória nas pistas, mas também uma legião de fãs no mundo todo. O segredo é que os bólidos da marca sempre foram feitos com paixão. Paixão esta que move motores, corações, mentes e foi o grande legado deixado por Ferdinand Porsche.
RGB