Talvez, pela ordem de importância para o sucesso da marca, a Rolls-Royce devesse se chamar Royce-Johnson-Rolls, mas como o nome Rolls-Royce soa melhor, que assim seja.
Frederick Henry Royce, apesar de não ser engenheiro por formação, foi um grande engenheiro por natureza. Ele foi o pai dos primeiros carros da marca. Detalhista quanto à precisão e engenharia da máquina, ele os projetou e construiu. Era mão-na-massa; muito do seu primeiro carro foi feito por suas próprias mãos. Não foi um gênio criativo, mas sim gênio no aperfeiçoamento. Já o lorde inglês Charles Stewart Rolls foi quem promoveu a marca entre os ricaços da época. Ele, como lorde e autoentusiasta, sabia muito bem o que o público-alvo queria e soube orientar Royce sobre o que diferencia um carro bom de um ótimo. E Claude Johnson era quem organizava as coisas, o pé-no-chão, o sujeito que, gentil e afável com todos, sabia administrar negócios e gente, e assim fazer tudo acontecer sem que percebessem que era ele quem estava no leme do barco.
Como se vê, a Rolls-Royce resultou de uma feliz conjunção de geniais espíritos e forças. Cada um na sua, todos trabalhando com um só objetivo: fazer o melhor automóvel do mundo.
Royce vinha de família pobre, ou melhor, paupérrima. Começou a trabalhar desde cedo, como era costume entre as classes pobres da época, e logo se interessou pela incipiente e promissora engenharia elétrica. Não teve condições de cursar uma universidade, mas através de muito esforço — trabalho de dia e estudos à noite — conseguiu se instruir a respeito, o que o levou a, após trabalhar em empresas do ramo, montar uma pequena fábrica de produtos elétricos em sociedade com E. A. Claremont. Faziam de tudo, mas o que começou a dar algum dinheiro palpável foi a campainha elétrica, uma coisa muito chique e moderna para se ter em casa. Imagino a ansiedade das donas de casa e domésticas para que alguém apertasse aquele botão na rua, a campainha soasse, e pudessem inaugurar a aquisição, correndo num lufa-lufa de vestidos para atender com salamaleques o visitante.
A fortuna veio quando começou a fabricar dínamos, motores e guinchos elétricos. Como sempre, aperfeiçoou o que havia. Os dele, diferentemente dos de então, não soltavam faíscas, o que era importantíssimo, principalmente em ambientes sujeitos a fogo ou explosões, tipo minas de carvão, indústrias têxteis e reuniões de políticos. Com a fortuna, vieram os luxos, dentre eles um carro francês, Decauville (nada a ver com DKW, nada a ver), já que na época, ao redor de 1901, a Belle Époque, a França liderava a indústria automobilística.
Seu Decauville já tinha a configuração mais moderna, ou seja, motor à frente e eixo rígido atrás. Não era como os primeiros quadriciclos de então, cujo pequeno motor de cilindros na horizontal costumava ficar debaixo do assento ou logo atrás deste. Tinha 10 cv e câmbio de 3 marchas. Era um bom carro, mas o olhar crítico de Royce via ali muito campo para melhorias, principalmente quanto à confiabilidade.
E mãos à obra. Royce, só com a ajuda de dois aprendizes, construiu seu primeiro carro, e ele saiu bom. Fez tudo, não usou nada de outro fabricante. Inclusive o carburador, por exemplo, nenhum dos que havia o satisfazia, portanto, fez o dele. Como sempre, muito cuidado com a precisão das peças, com os materiais usados, e muitos testes, sempre refazendo do começo algo que não saísse perfeito para os seus padrões. Royce era assim; se seu produto não estivesse perfeito, não era colocado à venda, mesmo que para tanto houvesse maior demora. Esse era o seu princípio e esse princípio sempre norteou a marca.
Já Charles Stewart Rolls vinha de família riquíssima, e, como bom representante da nobreza britânica, era um sportsman. Como tal, logo se interessou pelas grandes novidades da época, automóvel e o avião. Fazia vôo em balões e participava de corridas de automóveis. Junto com Claude Johnson montou uma importadora de autos, que vendia em uma grande e bela loja em Londres. A maioria dos carros que importava vinha da França, pois, como já disse, a França liderava essa indústria, com os De Dion-Bouton, Peugeot, Panhard et Levassor, dentre outros. E com eles competia, tanto na “ilha” quanto no “continente” (como os ingleses diziam quando se referiam ao seu país e a Europa). Competia por prazer e também para divulgar seus produtos.
Johnson, seu sócio, ficou sabendo do carro que Royce havia construído. Foi lá e o experimentou. Facilmente se deu conta de que aquele era o melhor carro que havia dirigido, principalmente pela suavidade do motor e do “molejo” da suspensão. O carro era uma seda, resumindo, e potente, e comparativamente fácil de guiar, e obediente, com ótimos comandos. Ficou encantado e tratou de juntar os dois, Rolls e Royce, para uma reunião. Rolls não queria ir direto à fábrica de Royce, porque isso seria, segundo ele, meio indigno. Já Royce também tinha lá suas manias, além de ser avesso aos rituais da alta sociedade. Por fim, Johnson conseguiu reuni-los em um hotel, onde após as apresentações formais logo os dois passaram a se entender muito bem, e foi então que Rolls dirigiu o carro de Royce e naturalmente se encantou.
Logo formalizaram um contrato em que Rolls compraria todos os carros que Royce pudesse produzir, o que deu muito certo, boas vendas, muito também devido ao fácil trânsito e proeminência que Rolls tinha na alta sociedade, atributos que Royce não tinha e nem desejava ter.
E vieram as competições, Tourist Trophy, Londres-Oxford, onde os Rolls-Royce, caso não vencessem, sempre se classificavam bem, pois eram extremamente robustos e confiáveis. As corridas eram os grandes vetores da fama, para o bem ou para o mal.
E assim foi muito bem, tão bem que acabaram por formar juntos a Rolls-Royce, que só crescia. Até que poucos anos antes da 1ª Guerra Mundial Rolls faleceu num acidente aéreo, pilotando um avião fabricado pelos irmãos Wright. Poucos anos depois, Royce começou a pagar por uma vida dedicada ao trabalho em excesso, ao menos é o que reza a História, e teve que se retirar a uma vila na Riviera Francesa para ter uma vida mais mansa. Mesmo assim, de lá acompanhava sua fábrica e nenhum modelo de lá saía sem que ele tivesse acompanhado esmiuçadamente o seu projeto e desenvolvimento.
E quem tocava a fábrica e as vendas? Quem foi à Riviera e comprou a vila? Quem acompanhava a saúde de Royce e fazia de tudo para que ele não fosse incomodado? Claude Johnson.
Como se vê, todos os três se beneficiaram uns dos outros, e é assim, em perfeita sintonia, que é o jeito das coisas funcionarem como um Rolls-Royce.
AK