Recentemente escrevi neste espaço sobre as alterações no Código de Trânsito Brasileiro (CTB) abordando os aspectos positivos. Como não consigo (nem quero) controlar meu espírito crítico, aqui vai a segunda parte, conforme prometido, sobre as mudanças que me pareceram negativas. Mas já adianto que, de uma forma em geral, me agradaram as alterações. Fiquei positivamente surpresa, mesmo quando minha tendência é ficar curupira — com os dois pés atrás. Ainda assim, eis minhas reclamações:
Artigo 244 – Motos sem luzes
Pessoalmente, acho que o ponto mais negativo foi a redução da gravidade da infração para motocicleta com farol desligado..
Antes, o código dizia que:
– Conduzir motocicleta, motoneta e ciclomotor com os faróis do veículo apagados é infração gravíssima, sujeita a multa é de R$ 293,47, recolhimento da CNH e suspensão do direito de dirigir.
Agora, a nova redação ficou assim:
– Conduzir motocicleta, motoneta e ciclomotor com os faróis do veículo apagados será infração média, sujeita a multa de R$ 130,16 e quatro pontos na CNH.
Dirijo muito na cidade e também muito nas estradas e canso de ver motos sem a luz traseira — por algum motivo, a lampadinha dianteira deve ser mais barata, pois essa até que funciona, mas a traseira… (atenção, contém ironia). Para mim, dirigir moto sem luz deveria ser punido com algo assim como prisão perpétua, ouvir música sertaneja 24 horas por dia durante 6 meses, mas, principalmente, com trabalho obrigatório durante quatro horas por dia, um ano inteiro, em entidades de recuperação de acidentados como a AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente que, apesar do nome também trata adultos) ou os hospitais Lucy Montoro e Sarah Kubitschek e outros — para que a criatura que insiste em andar sem luzes saiba o que acontece, no mundo real, com quem sofre acidente de moto. Várias vezes por muito pouco não entrei na traseira de uma moto sem luzes em estradas. Muitas vezes, apenas o reflexo da luz dianteira me permitiu ver o veículo e em outras, apenas a sombra atrás de um caminhão. Não sabia o que era, mas sabia que havia algo atrás porque as luzes traseiras do caminhão não chegavam até mim. Acho extremamente contraproducente aliviar a punição a quem faz isso. Deveria até ter sido maior do que era antes. Sem falar que uma simples lâmpada custa uma mixaria e geralmente o problema é esse – e se há outros defeitos elétricos merecem atenção e conserto imediato.
Desconto de 40% em multas
Antes das mudanças propostas o abatimento do valor de multas era de 20% até o vencimento da infração. Com as mudanças, a partir de agora o desconto pode ser de 40% caso o motorista opte pelo Sistema de Notificação Eletrônica (SNE). Aqui minha implicância é mais de cunho educativo — algo assim como prorrogar todos os anos o prazo para entrega da declaração do Imposto de Renda. Incomoda-me (uma ênclise simples, mas vá lá) o princípio que dá a entender que o valor cheio é um faz-de-conta. Entendo que se queira “empurrar” o cidadão para um sistema eletrônico, por questões de agilidade e de custo, mas me parece excessivo o desconto de 40%. Minha formação montessoriana não gosta desses desperdícios de oportunidades de aprender algo e, neste caso, desaprende-se a respeitar limites e valores. Mas, de fato, minha crítica é uma questão formal.
138 e 145 – Facilitação na obtenção da habilitação especial para conduzir veículos escolares e troca de categorias D e E ou para conduzir coletivos, cargas perigosas ou veículos de emergência
Na nova redação, dentre os requisitos exigidos ao condutor que trabalha com o transporte escolar, houve alteração no inciso IV, que antes dizia que o candidato não poderia ter cometido “nenhuma infração grave ou gravíssima, ou ser reincidente em infrações médias durante os doze últimos meses”. Com a nova redação, agora passa a ser necessário “não ter cometido mais de uma infração gravíssima nos 12 últimos meses”. Com isto, diminui-se a rigidez da norma anterior. Acredito que quem leva crianças deva ter ainda mais cuidado e não menos, mas também acho que falta conceder alguns privilégios a estes veículos, como é, em especial, nos Estados Unidos — como a parada obrigatória de veículos nos dois sentidos (para mim, não porque as crianças devam ser acostumadas a atravessar a rua no meio do quarteirão, mas apenas porque alguma pode sair correndo e cruzar a frente de um veículo). Mas o mesmo afrouxamento passa a valer para outras categorias.
Artigo 254 – Pedestres impunes
Não gostei da mudança no artigo 254 que agora diz que pedestres não podem ser multados (foto pedestres). Reconheço que há dificuldade em implementar essa medida e que, na prática, já não ocorria, mas o fato de dar carta branca para pedestres atravessarem a rua em qualquer lugar, com farol fechado para eles ou outras barbaridades me incomoda.
Acho que o caminho deveria ser justamente no sentido oposto, o de analisar como é feito em outros países e implementar aqui. Cada vez que se retira uma obrigação apenas porque não se quis cobrá-la de alguém piscam luzes vermelhas no meu cérebro. Países como a Alemanha, Austrália e Cingapura, entre outros, multam seus pedestres. Ou seja, há formas de fazer isso —basta querer. Se pretendemos ter um trânsito mais seguro, todos os envolvidos devem ter responsabilidades e não apenas algumas categorias. E para quem diz que campanhas educativas seriam suficientes já digo que sozinhas não resolvem. Caso típico foi a travessia de pedestres na faixa e o uso do cinto de segurança – ambos comportamentos só mudaram quando começaram a ser cobradas multas.
Artigos 134 e 233 – Transferência de veículo
Mesmo com as alterações que me pareceram favoráveis ao cidadão, há uma pegadinha tipicamente burocrática e arrecadadora: continua cabendo a responsabilidade da notificação de transferência de veículo a quem vende. Aqui a questão é formal: se as partes comparecem a um cartório para a autenticação do documento, este mesmo cartório deveria ter a obrigação de notificar o órgão de trânsito, sem prejuízo da obrigação do comprador e suas eventuais penalidades, não? Para mim é óbvio. No entanto, da forma atual a presença no cartório é só mais uma burocracia e mais custos desnecessários para o cidadão. Mas se eu for começar a falar sobre cartórios brasileiros não haverá espaço suficiente no site do AE inteiro. São uma peculiaridade (para não usar outro termo) brasileira, pois embora haja instituições semelhantes em outros países, em nenhum um cartório detém tanto poder sobre o cidadão. Reconhecer firma? Raríssimos países tem algo parecido com isso e, mesmo assim, para casos muito específicos. Em lugares como os Estados Unidos você sequer precisa apresentar um documento para a maioria de suas operações. Aqui você nem entra num prédio sem entregar um documento original ou autenticado. E por aí vai. Cartório aqui detém um poder enorme e, claro, seus donos não querem abrir mão disso nem do dinheiro que arrecadam.
Mudando de assunto: a terceira corrida de Fórmula 1 do campeonato deste ano foi meio chocha, apesar de ser disputada num circuito que tem um traçado incrivelmente bonito e desafiador. Claro que houve lances legais, como algumas ultrapassagens por fora nas curvas, que sempre são mais difíceis e plasticamente mais bonitas, mas no geral não foi nada memorável. Hamilton continua sendo impecável e agraciado com uma sorte para lá de absurda. Não me atrevo a apostar em quem será o campeão de 2021 porque acho que o Verstappen vem melhorando muito — está aliando cérebro à velocidade — mas com a sorte (e o talento, claro) do inglês acho difícil ele não levar mais um título. Como destaque, ainda gosto muito dos moleques Norris, Gasly, Leclerc, Russell e venho me surpreendendo positivamente com o Stroll. Prefiro esperar um pouco mais para opinar sobre Schumacher, mas o Mazepin me parece ser o próximo Grosjean.
NG