Sabem aquelas histórias, tipo anedota, deliciosas para contar e ouvir numa roda de amigos? Pois é, graças à memória do leitor Hernán Saavedra, um dos mais fiéis das minhas escrevinhações, vou falar sobre ela esta semana.
De certa forma, me lembra dos desenhos do Bip-bip e do Coiote. Ou de Tom e Jerry. Ou qualquer personagem que cria um plano sensacional, no qual nada poderia dar errado e, no entanto, dá tudo absolutamente errado.
Em 2004, alguém da equipe de divulgação do filme Doze homens e outro segredo (Ocean´s 12) teve uma ideia desse tipo para promover o filme. Para quem não o viu, é a continuação de Doze homens e um segredo (Ocean´s 11). Nesta sequência, dirigida por Steven Soderbergh, o grupo do charmoso bandido Danny Ocean volta a roubar em vários lugares ao redor do mundo para arrecadar o dinheiro de um empresário que foi roubado por eles e, claro, quer seu dinheiro de volta. O fato é que o contratempo aconteceu porque uma pessoa quebra um dos três princípios (sim, este bandido tem princípios) de “não ferir ninguém”, “não roubar quem não mereça” e “seguir o plano aconteça o que acontecer”. OK, não vamos nos fixar muito na história, pois o mais interessante neste caso não é o filme em si, mas o que aconteceu na F-1.
Alguém achou uma forma insólita de promover o filme que se passa, em boa parte, em Mônaco, e achou que a corrida de Fórmula 1 daquele ano seria uma oportunidade perfeita.
A equipe Jaguar corria com o patrocínio único do filme Doze homens e outro segredo e, como parte do negócio, seus dois carros foram equipados com diamantes de US$ 300.000 colocados… no bico dos bólidos Sim, vocês entenderam bem: exatamente no nariz dos carros, justamente a parte mais sensível e frágil de um F-1.
Os diamantes foram emprestados pela empresa israelense de gemas e pedras preciosas Steinmetz que, para surpresa de absolutamente ninguém, não conseguiu encontrar uma única seguradora disposta a assumir o risco de segurá-los.
Os carros eram pilotados pelo australiano Mark Webber e pelo austríaco Christian Klien e, se vocês não se lembram deste nome, não há motivo para estranhamento. Ele estreou exatamente naquele ano na F-1 pilotando um Jaguar, vindo da Fórmula 3. Naquela temporada marcou apenas 3 pontos. Em 2005 e 2006, pela Red Bull Racing, conseguiu seu melhor lugar na categoria – um quinto lugar no GP da China. Em 2007 foi contratado pela Honda para ser o terceiro piloto, mas não teve chance de largar em nenhuma corrida naquele ano. Em 2008 foi para a Sauber, também para ser piloto de testes. Em 2010 foi para a Hispania para ser, novamente, piloto de testes e fez uma participação no GP de Cingapura substituindo o japonês Sakon Yamamoto, mas abandonou por problemas nos freios. Em todos seus anos de Fórmula 1, Klien totalizou 14 pontos.
Mas voltemos à nossa incrível história. Aconteceu aquilo que ninguém envolvido nesse projeto previu mas que, para pessoas como eu, devotas de Nossa Senhora dos Imprevistos, mais conhecida como Lady Murphy, era evidente que poderia ocorrer: Klien bateu de frente com um dos (muitíssimos e muito próximos) muros do circuito logo na primeira volta (foto de abertura). Friso: bateu de frente, com a asa dianteira caríssima. Por causa dos regulamentos de segurança, a equipe Jaguar não foi autorizada a retirar partes e peças do carro durante a prova. Quando a corrida acabou e a escuderia foi autorizada a vasculhar a área, o diamante havia sumido. Até hoje, ninguém sabe o que aconteceu com ele. Talvez um dos fiscais do acidente o tenha levado? Alguém mais ousado entre o público? O mistério permanece até hoje, 17 anos depois.
A questão é que pilotos de carros de corrida perdem suas asas dianteiras com muita frequência — tanto que é uma peça comum de reposição nos boxes e sua troca não significa maiores perdas. Geralmente, apenas tempo de parada para o piloto.
Mônaco é um circuito que permite velocidades de até 290 km/h e tem curvas fechadíssimas. E, claro, os carros passam a milímetros das defensas metálicas o tempo todo. Por isso me pergunto: como alguém não pensou que esta promoção tinha tudo para dar errado?
Como curiosidade, Webber, que era o outro piloto da Jaguar, abandonou a corrida na 11ª volta por problemas de transmissão e só nove pilotos terminaram aquela prova, que foi ganha pelo italiano Jarno Trulli, da Renault, com Jenson Button em segundo (BAR-Honda) e Rubens Barrichello completando o pódio com o Ferrari.
Hoje, aos 38 anos, Klien disputa algumas provas da DTM com um carro da Mercedes, pela equipe JP mas desde sua saída da F-1 competiu em diversos campeonatos destas modalidade incluindo as séries americana e europeia de Le Mans e GT Open. Se Klien não alcançou recordes de velocidade ou de pontos na F-1, o de acidente mais caro da modalidade ainda é dele.
Mudando de assunto: gostei da corrida de Paul Ricard de domingo passado, especialmente do amadurecimento de Max Verstappen, da excelente prova de Daniel Ricciardo e de ver que pode ser (pode ser) que o campeonato deste ano tenha um vencedor que não seja o mesmo de sempre. Mas implico com a pintura das laterais da pista. Esses azuis e vermelhos parecem uma placa de circuito impresso e parecem mais um efeito doppler capaz de dar tontura até na pessoa mais superdosada por Dramin.
NG