Em 1991, pouco antes das eleições presidenciais que ocorreriam no ano seguinte, George Bush (pai) parecia ter garantida a reeleição. Sua bem-sucedida política externa, o fim da Guerra Fria e a vitória norte-americana na Guerra do Golfo lhe rendiam 90% de popularidade — um recorde histórico. Seu oponente na disputa eleitoral era o pouco conhecido advogado Bill Clinton, então governador do Estado de Arkansas em segundo mandato. Ou seja, parecia uma barbada.
Só que o diabo está nos detalhes: o estrategista de campanha de Clinton, James Carville, viu o que ninguém havia notado: a economia flertava com a recessão e o mais eficaz seria focar em questões relacionadas com a vida cotidiana dos cidadãos e suas necessidades básicas. Carville instou sua equipe a insistir na importância da economia a cada oportunidade que tivessem, que esse seria o diferenciador de Clinton — a famosa frase “é a economia, estúpido”.
O estrategista colou no comitê de campanha três lembretes:
- Mudança versus mais do mesmo
- (é) A economia, estúpido
- Não esquecer o sistema de saúde
Clinton ganhou com folga, ajudado pela estratégia de Carville. Sem entrar no complicadíssimo sistema eleitoral dos Estados Unidos, o resumo da eleição foi que o governador de Arkansas obteve 45 milhões de votos, Bush 39 milhões e o candidato independente Ross Perot alcançou 19,7 milhões.
E o que estratégia de campanha política tem a ver com autoentusiasmo? Tudo. Aliás, tem tudo a ver com rigorosamente tudo na nossa vida. A base de qualquer estratégia é sempre a mesma: planejamento. Um bom administrador (odeio a palavra “gestor” pelo desgaste que sofreu) analisa todas as variáveis à sua volta, pesquisa as próprias fraquezas e busca seus aspectos mais positivos para poder usá-las a seu favor. Parece simples, mas, novamente, o diabo está nos detalhes e, claro, mostra quão ardiloso pode ser ao menor descuido.
Pois não é que o Capeta apareceu nos treinos da Fórmula 1 do último sábado, no Grande Prêmio da Estíria? Parece até que havia cheiro de enxofre no paddock. Alguém da equipe Mercedes achou que seria uma boa ideia sair do pit stop em segunda marcha. De acordo com esta cabeça pensante, a equipe poderia ganhar preciosas frações de segundo com esta manobra – já que nos pit stops vem perdendo de lavada da concorrente Red Bull. Pois é, como sempre, a experiência coube a Valtteri Bottas —sim, continuo achando que a escuderia protege sobremaneira Lewis Hamilton. Claro que deu tudo errado: o carro escorregou na saída do pit lane e o finlandês quase bateu. Ou quase atropelou alguém — as duas possibilidades foram bem reais (foto de abertura). Resultado: uma punição de três posições no grid e dois pontos em sua superlicença. Veja o vídeo daquele momento:
https://twitter.com/i/status/1408434780635602945
É claro que ganhar qualquer tempo é fundamental na Fórmula 1, mas, justamente por isso, insisto: faltou planejamento. Se o regulamento diz que quem “dirigir de forma perigosa” pode ser punido, a Mercedes deveria ter avaliado melhor. E, claro, não testar isso bem na hora em que o piloto pode ser punido quando podia ter feito isso em qualquer outro momento e em qualquer outro lugar. Chamem-me (ênclise simplesinha a desta semana) de paranoica, mas continuo suspeitando que os mecânicos do inglês é que traçam a estratégia do finlandês — o coitado é sempre o boi de piranha.
Pessoalmente, gosto de inovações desse tipo, mas, convenhamos, devem ser exaustivamente analisadas primeiro. Tive ataques de caspa ao saber das penalidades impostas ao piloto da Mercedes. Não que não fossem justas — apenas que ele podia ter sido poupado do vexame.
Como autoentusiasta que sou, me lembrei na hora da corrida de F-1 na Áustria, em 1984. No segundo dia de treinos, Nélson Piquet, já bicampeão mundial da categoria, pediu aos mecânicos da Brabham que abrissem o câmbio e tirassem a primeira, segunda e terceira marcha. Isso significava sair com o carro totalmente parado em quarta marcha. Naquela época, o câmbio tinha umas engrenagens grandes, pesadas, e isso aliviaria o peso do carro, que tinha a ajuda de um bom motor BMW. Mais leve, havia uma real possibilidade de maior velocidade na pista.
Piquet conquistou a pole e ficou em segundo lugar na prova, logo atrás de Niki Lauda, que o ultrapassou no final. Gordon Murray, o projetista genial, e Bernie Ecclestone, o dono da escuderia, só souberam da manobra depois de tudo feito e executado. Murray teria dito ao piloto: “Eu sei que tirando as marchas o carro fica mais leve e que neste circuito as mais baixas não são tão necessárias. O que eu não consigo entender é como você sabia que o carro sairia em quarta marcha?” Resposta de Piquet: Pô, cara (ou a versão disto em inglês), essa foi a primeira coisa que treinei ontem.
Foi isso o que faltou na Mercedes e no próprio Bottas no sábado. Treinar antes, quando não haveria punições por eventuais, literalmente, deslizes. Parece óbvio, não?
Alguém deveria dar umas lições de história da Fórmula 1 ao Bottas e, principalmente, aos estrategistas da Mercedes. Afinal, não estamos falando de algo tentado nos anos 1950. A manobra tem não mais do que 37 anos e foi exaustivamente contada em jornais, revistas e entrevistas — tudo disponível na internet. Era só alguém não presumir que sua brilhante ideia havia ocorrido somente a ele em trocentas corridas de F-1 ao longo da História.
Uma das minhas maiores discussões hoje é sobre a falta de memória e de consulta aos arquivos por parte de jornalistas. Parece que se a criatura não foi explicitamente notificada de algo acontecido, é como se fosse novidade quando ocorre e como tal é divulgada. Não e não. Jornais, escuderias de Fórmula 1 e todo, absolutamente todo mundo se beneficiariam de mais conhecimentos. Como diz o ditado, aprender com as próprias experiências é bom, mas é mais prático e indolor aprender com as experiências dos outros, não?
Tenho a impressão de que Max Verstappen anda se aconselhando com o sogro, Nélson Piquet. Pode ser coincidência, mas o tanto que o holandês amadureceu este ano é gritante. Se até pouco tempo atrás não nutria muita simpatia por ele, hoje torço entusiasticamente. Rápido ele sempre foi, mas faltava estratégia, visão de corrida, até mesmo estratégia para o campeonato. Hoje já se vislumbra tudo isso. No fundo, é o planejamento, estúpido!
Mudando de assunto: a corrida de F-1 da Estíria foi bem bacana. Estou adorando ver os pilotos mais novos, especialmente Norris e Russell e o novo em idade mas já mais experiente Stroll. Leclerc, apesar de seu enorme talento parece a antípoda de Hamilton: o que sobra de sorte ao inglês falta ao monegasco. Surpreende também o Tsunoda, rápido e com bons resultados. Pode ser que o campeão e o vice deste ano sejam meio óbvios – Verstappen e Hamilton, pela ordem prevista por este oráculo que vos escreve. Mas, ainda assim, teremos corridas emocionantes e muitas alternâncias nos demais lugares do ranking de pilotos. E adorei o comentário do chefe de equipe da Haas, quando questionado sobre porquê seus dois pilotos, Mick Schumacher e Nikita Mazepin, vivem disputando posição e se tocando: “Nós estamos lá atrás, em último lugar. É claro que eles vão disputar entre eles”. Sério, com quem mais brigariam para manter a última e a penúltima posição?
NG
(Atualizada em 1/08/21 às 22h35, correção do nome do dono da Brabham).