À primeira vista parece um Land Rover Defender modificado, mas não é apenas isso. Baseado em componentes Land Rover, e com muitas peças fabricadas em casa, a Bowler Motorsports iniciou-se nesse interessante mercado de veículos especializados para uso em competições fora de estrada em 1985, e depois de cerca de quatro anos de desenvolvimento da idéia de fazer um Land Rover melhor em provas de alta velocidade, apresentou o Tomcat, que à primeira vista passava facilmente por um Defender alterado, mas não era.
Esse carro começava a ser feito a partir de um Defender com uma estrutura tubular montada nas longarinas e travessas do chassi original de fábrica, eliminando vários componentes de carroceria e adicionando painéis externos de compósito de fibra de vidro.
A estrutura tubular permitia um aumento enorme da segurança passiva, aquela necessária depois que o veículo já está no acidente, pois um dos problemas das carrocerias antigas é uma fraqueza notável quando a característica avaliada é absorção de energia de batidas de todos os tipos. No Defender, com quase todas as chapas de carroceria em alumínio, essa deficiência é mais notável ainda, com capotagens aparentemente não muito graves resultando em dobras preocupantes nas colunas, e achatamentos de teto inadmissíveis em qualquer projeto atual. Como os parâmetros de projeto do Defender com teto fechado têm cerca de sessenta anos, situação normal.
Molas, amortecedores e buchas que permitiam maiores cursos e mais resistência também faziam parte do pacote de alterações. Nesses componentes estamos falando de segurança ativa, aquela que evita o acidente, algo que deveria ser o verdadeiro e mais notável alvo dos legisladores de veículos e trânsito, para qualquer tipo de veículo e qualquer conjunto de leis e normas. Como isso é pouco divulgado e ignorado pelo comprador típico, dá-lhe bolsas infláveis e outros badulaques para diminuir os ferimentos em caso de acidente.
Em 1999 veio o Wildcat, uma evolução mais radicalmente voltada às competições, com bitolas maiores que as do Defender, estrutura de tubos otimizada para maior segurança em acidentes, níveis adicionais de preparação de motores e suspensões com peças no estado-da-arte desse ramo, que pede cursos cada vez maiores e amortecedores a gás com regulagens extensas.
Várias opções de motores Rover V-8 de várias cilindradas e níveis de preparação, dois lugares apenas, plástico com fibra de vidro na carroceria e chassis com gaiola de proteção. Há painéis em Kevlar opcionais para menos peso, além de vários outros componentes que podem ser pedidos, fazendo as possibilidades de personalização extensas.
Drew Bowler é o cara. Piloto de off-road da Grã-Bretanha, fabricava peças de suspensão do TVR Griffith, além de outros componentes metálicos, e resolveu enveredar por esse mercado especializado, no que deu muito certo. É bacana perceber como um simples início como soldar pedaços de metal pode levar à criação de um carro, e uma operação industrial de sucesso e respeito no meio.
Uma quantidade incerta de Wildcats em uma versão vendida para uso em ruas foi fabricada. Esse carro tem 4 polegadas de curso de suspensão (102 mm) , e o de corrida, 12 polegadas (305 mm), uma diferença bastante grande, e que eu não teria dúvida em escolher o de maior curso para usar nas ruas.
Além dos eixos rígidos dianteiro e traseiro de origem Land Rover, os dois braços longitudinais que apoiam o eixo por baixo, com uma forma de letra C, são usados. Adiciona-se barra Panhard que os Defenders e Discoveries não tem na dianteira. Essa barra limita movimentos laterais de um eixo em relação à carroceria. Na traseira, tensores longitudinais e paralelogramo de Watt.
Na foto acima, pode-se ver três radiadores na frente do carro. Dois são de óleo do motor, e o outro do câmbio. O radiador de arrefecimento do motor está atrás, para escapar da lama e pedras. O ar chega a ele por uma tomada no teto do carro. Um aerofólio na traseira foi desenhado para dois propósitos, um deles auxiliar na extração do ar quente que passa pelo radiador, e o outro prover força para baixo quando dos trechos longos de ralis de velocidade, situação muito comum em dois dos mais importantes da modalidade rali-reide (os de grande distância), o Paris-Dakar, que hoje é apenas Dakar, e o Rali dos Faraós, disputado no Egito, é a única prova de destaque internacional que restou no continente africano.
De acordo com a necessidade do cliente, o motor podia ser o V-8 Rover de 4, 4,6 ou 5 litros, além do diesel 2,5-litros para ralis de maior distância, onde motores ciclo Otto são problemáticos pelo consumo elevado.
O motor mais potente, de 5 litros, tem 350 cv, e 48,4 m·kgf de torque máximo, permitindo aceleração de 0 a 100 km/h em cerca de 7 segundos. A velocidade máxima está por volta de 200 km/h.
Câmbio Rover R380 manual, eixos e sistema de direção do Defender, tudo em acordo com a Land Rover que, sabiamente, nomeou a empresa de Drew Bowler como seu braço armado em competições que geram publicidade acertada e vendas que cresceram muito nos últimos anos. Hoje, a Bowler prepara Defenders para um torneio que ocorre no Reino Unido, o Defender Challenge, algo parecido com o Mitsubishi Motorsports brasileiro, mais uma prova da confiança da empresa administrada pelo grupo indiano Tata.
Sabiamente, a Bowler desenvolveu o carro visando atender também às leis francesas e uma importante opção de escolha para o todo-poderoso e onipresente Paris-Dakar, do tempo em que esse rali era dominado por participantes franceses, país com grande mercado para 4X4 de performances superiores. Hoje, as regras são as do mercado comum europeu.
Se o Tomcat já era de fazer salivar que gosta de fora-de-estrada e mais ainda quem tem ou teve um Defender, o Wildcat trazia mais um detalhe que é daqueles que simplificam a vida de tal forma que nos perguntamos porque isso não existe em todos os veículos de quatro rodas do mundo. Trata-se do dispositivo de desatolamento. Uma placa na parte central inferior, articulada por eixo na dianteira e empurrada para baixo por um pistão hidráulico inclinado. Se o carro perder a tração parado, aciona-se o sistema, e o carro é empurrado para cima. Serve também para trocar pneus de forma fácil.
O projeto é tão bom, que Drew Bowler vendeu os direitos do modelo para a QT Services, que se associou à Supacat e desenvolveu uma versão militar, usada em vários cantos do mundo. A QT provê hoje serviço para os Wildcat, da mesma forma que anteriormente Drew vendera os direitos do Tomcat para outra pessoa, que baseado nas qualidades e necessidades de quem tem e usa o carro, fundou a Tomcat Motorsports, responsável por serviços e peças para esse modelo.
Se alguns podem pensar nesse tipo de negócio como um ato de alguém que pode parecer aproveitador, lembramos que os custos envolvidos na criação de qualquer carro hoje em dia são muito maiores que há 15 ou 20 anos atrás, já que os modelos de Bowler são também homologados para uso em ruas e estradas, leis essas que cercam de todos os lados os fabricantes, atolados em normas de segurança e emissões de gases. Isso complica de tal forma a vida, que gerou o quase total desaparecimento de fabricantes de carros por encomenda e de pequena série.
Assim, Drew Bowler faz seu caixa para futuros desenvolvimentos, vendendo os direitos legais de seus projetos.
O modelo atual é o Nemesis, que no estilo mistura Discovery com Evoque, mas que não tem nada do luxo desses, continuando a ser um modelo radical para andar nos piores pisos do mundo. Tem a versão homologada para uso rodoviário, a EXR.
JJ