Desde a primeira idade desenvolvi uma atração pelas coisas de outro tempo. Desmontava máquinas de escrever, ouvia discos de vinil, e gostava de Fusca. Talvez uma das maiores dificuldades de um entusiasta de automóveis é explicar a origem de tamanho gosto pelos carros, algumas vezes amplo, outras restrito a um único tipo ou modelo. Não poderia ser diferente comigo.
Não tenho ideia do porquê pelo gosto por Fuscas, mas sei, como o leitor, que há coisas que não se explicam, se sentem.
Recentemente, decidi fazer o que sempre desejei. Ter um Fusca para usá-lo como se deve. Diariamente, viajar com ele, sem medo nem privações, como qualquer outro carro. De início os amigos acharam estranho, os familiares foram contrários. “Não é seguro”, “Fique com um carro mais novo” — diziam.
Ignorei-os. Sabia que precisava escolher um carro em bom estado, confiável, e que isso traria lados bons e ruins, mas não seria um suicídio.
Sempre fui desses que sabia modelos dos Fuscas, nome de cor, detalhes etc. E botei na cabeça que teria um Fuscão 1973. Por quê? Explico. Gosto sobremaneira de todos os anos de Fusca, e acredito que todos tenham seu ano e modelo predileto, mas fato é que 1973 foi um marco na produção do Fusca, onde depois, nunca mais foi o mesmo.
Os Fuscas 1500 entre 1970 e 1973 sem sombra de dúvidas marcam o auge do Fusca no Brasil. Motor 1500, um pouco mais potente que o 1300 — 44 cv x 38 cv — e bem mais simples de lidar que o 1600 de dupla carburação, isso somado à relação de diferencial 4,125:1 (33/8) dão um comportamento superior em estradas. Suspensão dianteira de pivôs, barra compensadora no eixo traseiro, somada à bitola mais larga (62 mm), freios a disco na dianteira (opcionais e facilmente adaptáveis atualmente), tudo isso somado ao pacote de acabamento mais requintado já posto num Fusca.
Painel coberto com imitação de madeira, bancos gomão, volante cálice… E as cores? As mais vibrantes que já houveram: verde Hippie, vermelho Montana, branco Lótus, amarelo Safári…
Os faróis “olho de boi” somados aos para-choques de lâmina lisa remetem muito a um Porsche 356B ou quem sabe os primeiros 911.
Em 1973 o Fusca ganha os novos faróis “em pé”, lançados no Fusca americano em 1967, fruto da legislação que obrigava os carros a possuírem faróis do tipo sealed beam. No resto do mundo, foi adicionado como um facelift. Também surge a nova tampa do motor com melhor capacidade de dissipação de calor. Um “one model-year only model” como diriam os irmãos do norte.
A partir daí surgem outros Fuscas igualmente desejáveis, como os 1600 de 1974 a 1982, que aceleravam mais que um SP2 na época, com 0 a 100 km/h em 17 s (revista Quatro Rodas de junho/75), e os 1600 pós-1984, apesar do diferencial um pouco longo demais (31/8, 3,875:1), Mas nunca mais esse foi tratado como líder de segmento, agora disputado também por Brasília, Chevette e outros.
Pois bem, escolhido o carro, cumpri a saga que o entusiasta também conhece bem. Visitei diariamente sites de anunciados por meses a fio, esperando por um modelo como quisesse, e num preço decente.
Foi então que finalmente encontrei o Fusca ideal. Um 1973, numa tonalidade perfeitamente anos 1970, amarelo Texas (o nome é até mais belo que a cor) e em uma condição que muito me agradava. Sempre quis um carro com o interior totalmente original, o que lhe confere um aroma de Fuscão completamente delicioso e viciante.
Tinha marcas do tempo, como há de se ter, e não ligo para um rachadinho no painel ou uma diferença de cor de um retoque na pintura. Isso faz parte da obra. O importante é a integridade da estrutura e custo das possíveis manutenções a serem feitas.
O carro estava parado há alguns anos e andava muito mal. Carburador desregulado, distribuidor todo travado, embreagem igualmente ruim. Ele desenvolvia uns poucos cavalos magros e saia pulando como uma mula.
Iniciei então uma das mais prazerosas tarefas do dono de carro antigo, a manutenção interminavelmente deliciosa que há de se fazer. Carburador, elétrica, detalhes aqui e ali. Peças que se desfizeram, outras ausentes. Horas a fio na garagem, iluminado por uma lanterninha e consertando, quebrando, desvendando e mexendo em cada parte do novo carro.
Para melhorar a usabilidade do carro, instalei um par de faróis Bosch que funcionam com lâmpadas halógenas, melhorando a visibilidade à noite. O distribuidor foi substituído por um 123 Ignition BT+, garantido a eficiência da ignição e a possibilidade de acertar a curva de avanço pelo celular.
Os pneus, Pirelli Cinturato CA67 155R15H são idênticos aos produzidos no Brasil até 1976, e são a melhor parte do carro. Gosto dos pneus diagonais, mas depois de dirigir um Fusca “Itamar” com os radiais, apesar da medida inadequada, 165R15H, soube que precisava tê-los no Fusca de uso diário. Felizmente a Pirelli está importando pneus da linha Collezione, novos para os carros antigos.
Outros tantos detalhes feitos, um a um, como um trabalho artesanal de construção de uma relação de homem e carro, que os tornam cada vez mais especiais e com a nossa cara.
A vida é feita de escolhas. Estamos tendo sempre que escolher entre prudência e emoção, estabilidade e liberdade, segurança e felicidade. Mas é quando estou reduzindo para à terceira marcha numa curva, sentido a carroceria rolar, corrigindo o volante, ou ainda vendo uma menininha que de longe aponta para o Fusca amarelo e salta de emoção quando buzino de volta, é que faz tudo valer a pena, e são em momentos como esses que não tenho dúvidas da minha escolha.
Ao usar o Fusca para as atividades mais corriqueiras e banais do dia a dia, me teletransporto para um mundo onde as coisas são mais simples, e duram mais. Nada de assistências, conectividade, afagos no ego ou banalidades.
Tudo é simples e direto. É como um pequeno barco navegando em meio ao oceano da tecnologia e modernidade.
Eduardo S. da Costa Mello
São Paulo – SP