Há certas reportagens que têm data e assunto certo para aparecer, seja nos sites, nos impressos, na televisão, no rádio ou em qualquer tipo de mídia. Tem sido assim desde sempre. Aposto um vidro de doce de leite argentino que em 2022, logo depois do carnaval, veremos várias matérias por aí com imagens, e até mesmo entrevistas, com garis varrendo sambódromos depois de encerrados os desfiles. Não raro, com direito a sambadinhas e requebros com vassoura e tudo. As imagens, antecipo, incluirão papéis, copos descartáveis e o áudio de algum repique, pandeiro ou outro instrumento clássico do não menos clássico chavão “a festa de Momo”.
Pouco tempo antes dos desfiles, qualquer que seja a cidade e qualquer que seja o jornalista, mais hora menos hora, a abertura da matéria acabará sendo um “já está tudo pronto para o desfile…”. Essa para mim é incompreensível. Aprendi na faculdade que notícia é tudo aquilo que é novidade, que foge ao esperado. O exemplo mais batido é que um cachorro morder uma pessoa não é notícia, mas uma pessoa morder um cachorro seria, sim, notícia. Portanto, agradeceria encarecidamente se os coleguinhas encontrassem outro texto para iniciar as reportagens. Tenho certeza de que há várias outras abordagens. Mas, novamente, tenho certeza de que pipocarão os “está tudo pronto para…”.
O mesmo acontece quando se trata de inflação ou aumentos específicos. Sobe a energia elétrica? Lá vai todo mundo ouvir os mesmos especialistas de sempre sobre dicas de como economizar e há anos ouvimos o mesmo: troque suas lâmpadas convencionais por lâmpadas de LED, desligue os aparelhos das tomadas porque o “standby” gasta energia, use o chuveiro elétrico na posição verão, tome banhos mais curtos, apague as luzes quando não há ninguém no cômodo, economize (ou mesmo desligue) o ar-condicionado, troque seus eletrodomésticos por aparelhos mais econômicos, ou, como diria o rei de Sião, etcétera, etcétera, etcétera. Confesso que não sei se há ainda alguém em território brasileiro que não conheça essas fantásticas dicas e, pior, critico os jornalistas que não questionam ideias de economia. Como minha mãe dizia, tem gente que para economizar o palito, joga fora a azeitona.
Isto é especialmente verdade quando a questão é aumento de combustíveis. (foto de abertura) Os especialistas entrevistados dão dicas simplesmente absurdas ou que proporcionam economias tão ridículas que, não raro, para atingi-las gasta-se mais. Já ouvi professor universitário dizer para parar na sombra para reduzir a evaporação de combustível dentro do tanque do carro.
Vamos fazer continha? O tanque de combustível permite uma ínfima saída de combustível apenas para evitar explosões. De resto, o que se perde por evaporação é quase nada. Se calcularmos o litro de gasolina a R$ 6,50, a perda será algum mililitro a cada, sei lá quantos dias parado direto no sol – portanto, algum centavo. Se o motorista rodar 200 metros com trânsito procurando sombra provavelmente terá gasto mais do que o que economizará numa parada de 8 horas durante a qual o sol incidirá apenas algumas horas. Compensa? Se você for procurar vaga na sombra por outros motivos, que seja, mas a questão da evaporação não justifica. E lembre-se daquele comercial do posto de combustível em que o motorista roda, roda para finalmente conseguir parar na sombra de uma palmeira e quando termina de estacionar, cai um coco e amassa o carro.
Essas “dicas” servem apenas em termos acadêmicos, no papel, na teoria. Na prática, na maior parte das vezes o gasto de dinheiro é maior do que a pretensa economia. Que fique bem claro que não sou contra economizar, não. Sempre disse, inclusive nesta coluna, que dinheiro gosta de respeito e quando não é bem tratado ele some. Justamente por isso é que devemos ter senso crítico.
O mesmo acontece com a questão do abastecimento. Vi várias matérias com títulos que dizem que estudos mostram que há perda de gasolina quando os veículos são abastecidos em momentos de alta temperatura e, que, por isso, seria recomendável encher o tanque quando não faz tanto calor. Os trabalhos existem? Vi um feito pela Universidade Federal de Campina Grande que durou dois anos. Foram feitos estudos em postos localizados ao longo da BR-230 perto de João Pessoa e de Cajazeiras e, de fato, houve essa constatação e por isso a universidade recomenda abastecer entre as 19h e as 7h.
Agora, vamos aos detalhes: a perda só foi constatada quando a temperatura externa está acima dos 30 ºC; a perda só acontece quando o abastecimento é realizado com gasolina e, lembrando que há quase um terço de álcool na gasolina, essa proporção se mantém — ou seja, a evaporação só atinge os dois terços de gasolina que fazem parte da mistura; a perda só acontece durante o abastecimento — uma vez fechado o bocal do tanque não há diferença quando o veículo é abastecido no calor ou no frio. E, por fim, o mais importante: sabem de quanto é essa perda, caros leitores? 4 mililitros para cada 50 litros abastecidos. Ou seja, R$ 0,026 por tanque, considerando R$ 6,50 por litro de gasolina, sem considerar que isso incide apenas sobre 2/3 do que é abastecido. OK, venci a preguiça e fiz a continha: os tais 4 mililitros dá, arredondando para 73% de gasolina em cada litro (o resto é álcool), R$ 0,0189 de prejuízo a cada 50 litros se o abastecimento for feito com temperatura externa acima dos 30ºC.
Sei que tem gente que vai dizer que para quem tem frota isso pode fazer alguma diferença, mas, sinceramente, teria de ser feita outra conta: se tiver de ser paga hora extra para que o motorista abasteça no horário noturno, a tal economia vai para o espaço. É claro que muitos rodam à noite, por isso as reportagens deveriam incluir esse tipo de informação: só vale a pena se você estiver dentro do seu horário de trabalho, mas sair especificamente para isso certamente não compensará. Assim como não compensará se não abastecer durante o dia ao passar diante de um posto que esteja aberto e deixar para fazê-lo à noite e encontrar algum posto fechado e tiver de rodar até achar um aberto.
Mas, já que é para considerar os academicismos, há outro argumento a favor de abastecer quando não faz tanto calor: tem também a questão da expansão térmica da gasolina, pois quando a temperatura aumenta, o combustível se expande e a mesma massa ocupa um volume maior — ou seja, o que muda é o volume e não a massa. Por óbvio, quando a temperatura é mais baixa, as moléculas ficam mais concentradas e ocupam menos espaço. Só que pagamos por litro, por volume, mas é a massa que importa para fazer o carro andar. Quem acompanha corridas de carro sabe que o cálculo de combustível é em quilogramas e não em litros. Mas, novamente, estamos falando de variações ínfimas em mililitros dentro de dezenas de litros e de centavos em valores de um dígito por litro.
Dicas como não acelerar desnecessariamente, ir tirando o pé do acelerador ao se aproximar do sinal fechado e frear suavemente são mais valiosas pois não apenas economizam combustível, mas poupam mais o carro e fazem uma condução mais macia e segura para todos e não apenas para o motorista. Pessoalmente, acho este tipo de conversa mais interessante para quem gosta de Matemática, Física e Química ou como pauta para programas do tipo daquele “Muquiranas”, em que pessoas fazem coisas inacreditáveis para economizar qualquer centavo.
Mudando de assunto: se o GP do México de Fórmula 1 não foi tão emocionante em termos de ultrapassagens como outros da temporada, valeu pela linda largada de Verstappen e pelo final. Acho que o holandês tem uma visão de corrida como poucos — encontro essa qualidade também no Ricciardo e no Kimi. São rápidos para avaliar por onde podem ultrapassar e tem uma capacidade incrível de improvisar e mudar estratégia em fração de segundos quando as condições da pista mudam ou seus adversários alteram a trajetória.
NG