Entender política argentina, como eu já disse, não é para amadores. Na verdade, são necessários muita dedicação e muitos estudos e, sobretudo, bastante paciência e uma enorme dose de realismo fantástico. Não quero me estender muito nesse assunto, mas logo de início abro um parêntese para explicar alguns dos nomes dos carros produzidos pela IAME (Industrias Aeronáuticas y Mecánicas del Estado).
O partido criado por Perón em 1946, o Partido Único de la Revolución, foi formado pela extinção de outros partidos que o haviam apoiado, principalmente o Partido Laborista. Mas não foi assim uma incorporação tão suave — ao contrário, um dos dirigentes do Partido Laborista, que não concordou com o sumiço do seu partido, foi preso justamente por discordar. O nome, forte, mas que hoje soa extremamente datado, durou apenas um par de meses e já em janeiro de 1947 passou a ser o Partido Peronista (sim, o culto à personalidade sempre foi uma característica tipicamente argentina) e logo se tornou um dos mais populares partidos políticos da Argentina.
Mas não se preocupem que resumirei, pois explicar ou mesmo discorrer sobre política argentina é extremamente complicado e muito, mas muito, demorado. Por isso, vamos a uma versão compacta da história. Com o golpe de 1955 e a queda de Perón, o novo presidente, Pedro Eugenio Aramburu declara a dissolução do Partido Peronista e seus partidos-satélite, como o Partido Peronista Feminino. Paralelamente, proíbem-se os símbolos do partido, do movimento peronista, retratos de Perón ou de “Evita” (María Eva Duarte de Perón) e até mesmo expressões como “peronismo” e “justicialismo”, que já era um nome vinculado ao peronismo. Anos mais tarde, a Lei 19.102 de Partidos Políticos proibiu os nomes de partidos contendo designações pessoais ou derivados destas — ou seja, nada mais de Partido Peronista.
Um nome importante em toda a história da IAME é o de Ambrosio Luis Taravella. O nome não é totalmente estranho a quem já viajou pela Argentina pois ele batiza o Aeroporto Internacional de Córdoba. E o motivo é justo. Nascido em 1893, formado em Engenharia Aeronáutica em Paris, Taravella levou à IAME o projeto de construção de motores a combustão interna arrefecidos a ar. O objetivo era substituir diversos tipos de motores fabricados à época por uma linha de motores leves, de quatro tempos, que pudessem ser usados tanto em aviões quanto em carros e na indústria em geral.
O projeto de Taravella foi aprovado pela diretoria de IAME com a condição de que todos os desenhos fossem integralmente argentinos. Em abril de 1954 o primeiro motor V-8 arrefecido a ar foi colocado em teste no laboratório de ensaios de motores do Instituto Aerotécnico, onde foi testado por cerca de 50 horas. O motor era de 3 litros e alcançava potência máxima de 120 cv a 4.450 rpm.
Ainda em 1954 foram apresentados ao público dois protótipos de carros com o inédito motor V-8 modular de 3.000 cm³, arrefecido a ar. Ambos foram construídos em plástico com fibra de vidro — um era grã-turismo cupê e outro. um tipo barchetta (foto de abertura), algo parecida com um spider, mas sem qualquer tipo de teto e com um para-brisa minúsculo.
Inicialmente, o motor de Taravella foi instalado num Institec Gran Sport, que seria apresentado no Salão do Automóvel de Paris de 1955, de onde nunca mais voltou, pois coincidiu com a derrubada de Perón e um período bastante conturbado na Argentina. Alguns detalhes técnicos do V-8 são: ângulo do “V” 90 graus, taxa de compressão 7,5: 1, distribuidor de ignição Mallory com dois platinados, velas Champion e quatro carburadores duplos Solex 30 AAI. O arrefecimento a ar era por meio de uma turbina axial e, suprema originalidade, a tecnologia desenvolvida por Taravella podia ser usada em motores de seis, quatro ou dois cilindros, todos montados a partir de semiblocos de dois cilindros, num original conceito modular.
A moto Puma (sim, outro nome do qual gostei), começou a ser desenvolvida em meados de 1952 na charmosa cidade de Villa Carlos Paz, na província de Córdoba. O veículo era inspirado num modelo da moto alemã Göricke que havia sido dada de presente a Perón. Em só alguns meses foi lançado o protótipo, com motor Sachs e pedal de partida e encontraram boa receptividade no mercado argentino.
IAME lançou então outros modelos da moto. A segunda série foi ao mercado em 1956 e vendeu um total de 56.928 unidades. A quarta série foi lançada em 1959 com algumas mudanças no design em duas opções de modelo. Dela foram vendidas 36.755 unidades enquanto da quinta série foram produzidas, em 1963, 1.946 unidades. E não, caros leitores, não pulei nem esqueci nada. Nunca houve uma terceira série – sabe-se lá por quê.
Em 1966 a fábrica das motos Puma foi fechada e a produção interrompida depois de um total de 105.675 motos Puma produzidas — sempre vendidas a preço acessível e compradas pelas classes média e baixa.
Ao mesmo tempo, a fábrica produzia motos Puma e os tratores Pampa. Também foram fabricadas cerca de 30 lanchas e 17 veleiros.
Depois do golpe de 1955, que derrubou Perón, a IAME passou a ser DINFIA (Dirección Nacional de Fabricaciones e Investigaciones Aeronáuticas). Sim, caros leitores, reforço minha ideia de que ninguém naquela época entendia coisa alguma de marketing nem de “name branding”, caso contrário teriam escolhido nomes que remetessem menos à União Soviética ou a alguma linha do Diário Oficial.
Todas as pesquisas automobilísticas foram suspensas e o sedã Justicialista foi substituído pelo sedã Graciela, que passou a ser dotado do motor Wartburg de três cilindros e dois tempos, importado da Alemanha Oriental.
Em 1967, DINFIA volta-se apenas para atender os setores aeronáutico e aeroespacial e o ramo automobilístico passa a ser atribuição da empresa IME (Industrias Mecánicas del Estado) e passou a ser vinculada diretamente ao Ministério da Defesa. Além do utilitário Rastrojero diesel saíam das linhas de montagem os caminhões médios 068 e F71. Com a plataforma deles, surgiram outras versões de cabine dupla, station wagon, furgão, miniônibus e ambulância, entre outros que alcançaram um certo sucesso no mercado local.
A produção da IME continuou crescendo até atingir seu pico em 1975, om 12.500 unidades. Em 1980, o então ministro da Economia do governo militar daquela época, José Martínez de Hoz, anunciou o fechamento da empresa. Naquele momento, ela tinha 3.000 empregados e uma rede de 100 concessionárias em todo o país.
Mudando de assunto: gostaria de desejar aos meus queridos leitores e suas famílias um ótimo ano novo, com muita prosperidade e tudo de muito, muito bom em 2022.
NG