Esta série sobre pilotos de carros e seus filhos também pilotos começou um pouco como a série sobre automobilismo argentino e vem seguindo o mesmo destino. No início pensei que duraria umas duas semanas, mas parece que não vai acabar nunca. Mas, como tudo, um dia acaba — e isto deve acontecer na semana que vem.
Quando comecei despretensiosamente a pesquisar o assunto nem imaginava o trabalho que isto me daria e a quantidade de nomes que surgiriam. Ao mesmo tempo, impressiona-me (uma ênclise pobrinha, mas ênclise assim mesmo, só porque fazia tempo que não usava uma) a enorme variedade de categorias que há no automobilismo mundial. Isso leva a todo tipo de campeão e muitos nomes que apenas ouvimos falar, ou nem isso, acumulam vitórias.
Alguém mais desavisado poderia pensar que é fácil correr de carro. Não, não é, e mesmo tendo tantas categorias, a competitividade é gigantesca. Vamos lá que hoje tem até uma mulher, filha de piloto — a única que encontrei até agora, mas como esta série é mais viva que filme de ataque zumbi, não garanto nada. Apenas digo que, até agora, é a única que achei.
Jacky e Vanina Ickx (foto de abertura)
Este exemplo chama a atenção pela raridade, pois foi o único que encontrei que envolve uma mulher.
O piloto belga Jacky Ickx correu 14 anos na Fórmula 1 entre 1966 e 1979 para nove equipes diferentes. Nesse período, conseguiu 8 vitórias, 25 pódios e 13 pole positions e fantásticas corridas sob chuva — sua especialidade. Foi vice-campeão em 1969 pela Brabham e em 1970 pela Ferrari. Mas é provavelmente mais lembrado por ter vencido a 24 Horas de Le Mans incríveis seis vezes, o que lhe garantiu o segundo lugar em maior número de vitórias, atrás apenas das 9 de Tom Kristensen. Nas outras modalidades ele também tem títulos e vitórias: campeão de Fórmula 2 europeia de 1967, campeão de Can-Am de 1979, dois campeonatos Mundiais de Resistência em 1982 e 1983, vitória no Rali Dakar em 1983 e Le Mans, que lhe valeram o título de Monsieur Le Mans.
Uma curiosidade sobre Ickx e Le Mans é que em 1969, quando o Porsche 917 fez sua estreia na corrida, o belga foi o último a largar. Contrário à forma como se partia (os pilotos corriam até os veículos no outro lado da pista, estacionados na frente dos boxes em diagonal, entravam e aceleravam), Ickx caminhou até seu Ford GT 40 em vez de correr, como os demais. Atou o cinto de segurança, checou tudo calmamente e então saiu. O inglês John Woolfe, que saiu em disparada como os outros, provavelmente não teve tempo de verificar seus itens de segurança e sofreu um acidente fatal na primeira volta com seu 917.
A disputa final da prova foi entre o Porsche 908 da dupla teuto-francesa Hans Herrmann e Gérard Larrousse e o Ford de Ickx e do inglês Jackie Oliver. Depois de quatro horas de intensa disputa ao final da corrida, a bandeirada foi recebida em primeiro lugar por Ickx com apenas 110 metros de vantagem sobre a dupla da Porsche. Ah, e a partir do ano seguinte mudaram as normas de segurança: grid normal e pilotos nos carros parados já com os cintos de segurança atados.
Para os brasileiros mais atentos, Ickx também pode ser lembrado por ter sido o diretor de prova do Grande Prêmio de Mônaco de 1984 — aquele terminado antes da metade da prova, sob fortíssima chuva, quando o líder Alain Prost estava sendo alcançado pelo jovem Ayrton Senna. Essa metade dos pontos acabou custando o campeonato de 1984 ao francês, vencido pelo companheiro de McLaren, Niki Lauda, por meio ponto.
Em 1985, Ickx, num Porsche 956C, numa tentativa de ultrapassagem, bateu no Porsche 956B do alemão Stefan Bellof na entrada da Eau Rouge em Spa-Francorchamps na corrida de Mil Quilômetros. Bellof morreu uma hora depois, em consequência do acidente, e Ickx, ileso, abandonou definitivamente as corridas em circuitos profissionais.
Vanina Ickx, filha de Jacky, competiu algumas vezes como copiloto do próprio pai em algumas edições do rali Paris-Dakar. Vanina, nascida em 1975 também na Bélgica, correu no DTM em 2006 e 2007, em campeonatos de resistência e também na 24 Horas de Le Mans, além de corridas como a Copa Toyota Yaris , Porsche Supercup, 24 Horas de Spa, entre outras.
Pascal, irmão de Jacky, também foi piloto de grã-turismo nos anos 1960. Jacques Ickx, o pai deles, também foi piloto de carros e campeão belga de motocross. Ou seja, uma família de autoentusiastas raiz.
Satoru e Kazuki Nakajima
O japonês Satoru Nakajima é mais lembrado pelos brasileiros por ter tirado de Ayrton Senna a chance de conquistar a primeira vitória no Grande Prêmio do Brasil de 1990, em Interlagos, do que pelos resultados ao longo de sua vida profissional, mas no Japão ele é um ídolo não apenas por ter chegado à categoria máxima do automobilismo, mas por ter chegado vindo de uma família extremamente humilde — seu pai era sitiante e a mãe, dona de casa. Pessoalmente, tenho enorme respeito pela trajetória dele e pelo que fez para a popularização da F-1 no Japão.
Como primeira curiosidade, o japonês aprendeu a dirigir veículos num cortador de grama. Posteriormente, mas também tarde, aos 14 anos, foi participar de corridas de kart. Aos 19, em 1973, estreou na Fórmula 2 japonesa justamente na prova preliminar do Grande Prêmio do Japão, mas com contrato para apenas aquela prova. Mas Nakajima terminou a prova em segundo lugar e impressionou vários chefes de equipe a ponto de conseguir se manter na categoria até 1986, quando foi para a Fórmula 1, depois de ter conquistado cinco campeonatos. Inicialmente, foi piloto de testes da Williams durante três anos, ao mesmo tempo em que participava da Fórmula 2 e em 1987 foi para a Lotus como piloto titular.
Nakajima também foi o primeiro piloto de F-1 a levar uma câmera a bordo durante toda uma temporada, a de 1987. Este fato não apenas é pioneiro, mas também contribuiu enormemente para a popularização do esporte, que passou a ter ângulos inéditos na televisão. Colega de time de Senna, porém com um carro muito inferior e sem as atualizações do carro do brasileiro, Nakajima correu junto com Senna na Lotus em 1987, mas também defendeu a equipe em 1988 e 1989 e a Tyrrell em 1990 e 1991. No total, foram cinco temporadas e 74 grandes prêmios na F-1, mas marcando apenas 16 pontos e sem jamais ter subido ao pódio. Nakajima também é um dos recordistas em estreias tardias na categoria: correu de F-1 pela primeira vez aos 34 anos.
Atualmente, Satoru Nakajima faz parte do automobilismo, mas como construtor. Nakajima poupou dinheiro para isso desde o contrato da câmera de bordo e, depois de sete anos economizando, lançou a Nakajima Racing para participar da Fórmula 3000 japonesa (posteriormente Fórmula Nippon), categoria na qual conseguiu três títulos, incluindo de construtores. O piloto também dá nome a diversos videogames — o mais popular deles é o Nakajima Satoru F-1 Hero que tem duas partes, um da temporada 1988 e outro da de 1991, ambos lançados naqueles anos. Mas há diversos outros, incluindo um em homenagem a Ayrton Senna, lançado logo depois da morte do brasileiro, no qual os dois pilotos rivalizam. Caros leitores, já viram, não é? Fórmula 1, câmera de vídeo e videogame somados só podia ser sucesso no Japão.
Em 2004, Nakajima criou a Nakajima Planning para concorrer na Super GT. Satoru tem dois filhos, também pilotos profissionais: Kazuki e Daisuke Nakajima.
Kazuki nasceu quando seu pai começava na Fórmula 1. Iniciou a carreira, é claro, no kart em 1996 e de lá foi para a Fórmula Toyota. Em 2003 venceu o campeonato. Em 2004 participou da Fórmula 3 japonesa, onde teve duas vitórias. No ano seguinte voltou a participar da categoria ao mesmo tempo em que corria na Super GT japonesa, onde conseguiu uma vitória. Em 2006 foi para a Fórmula 3 Euroseries, na Europa, dentro do programa de jovens pilotos da Toyota. Terminou o campeonato em sétimo lugar. Kazuki correu na F-1 entre 2007 e 2009 pela Williams e marcou 9 pontos, sem jamais ter chegado a um pódio, ao mesmo tempo em que disputava a GP2 Series. Terminou como “novato do ano”, com cinco pódios e uma pole position. Foi campeão da Super Formula Japonesa em 2012 e 2014 e venceu a24 Horas oras de Le Mans em 2018 junto com Fernando Alonso e o suíço Sébastien Buemi. Em 2021, Kazuki anunciou sua aposentadoria.
Daisuke Nakajima também seguiu os passos do pai e do irmão mais velho. Começou no kart e em 2007 foi para os monopostos. Começou na Fórmula Challenge japonesa, onde alcançou quatro vitórias e em 2009 foi para o Campeonato Britânico de Fórmula 3 pela Räikkönen Robertson Racing onde ficou até 2011, quando voltou para o Japão para competir na Fórmula Nippon com a equipe do pai, a Nakajima Racing. Até 2019 participou da Super Formula, simultaneamente com a Super GT, quando deixou as pistas.
Jan e Kevin Magnussen
O dinamarquês Jan Magnussen correu ao lado do brasileiro Rubens Barrichello em 1997 e 1998, quando ambos defendiam a Stewart. Na Fórmula 1 largou em 24 grandes prêmios entre 1995 e 1998, pelas equipes McLaren e Stewart. Conseguiu apenas um ponto, na sua última prova, no Canadá em 1998. Ele também correu na CART em 1996 e 1999 para a Penske e a Patrick, mas obteve apenas um sétimo e um oitavo lugares.
Para não variar, Jan Magnussen começou no kart, onde correu até 1991. No ano seguinte foi para a Fórmula Ford Britânica, onde alcançou seis vitórias. Em 1993 disputou a Fórmula Opel Lotus Euroseries onde conseguiu três vitórias e 7 pódios. Em 1994, o dinamarquês foi para a Fórmula 3 britânica, onde obteve 14 vitórias em 18 corridas e ganhou o campeonato daquele ano. No DTM teve algumas vitórias e seus melhores resultados foram nas categorias de Turismo da Dinamarca, onde foi campeão em 2003, 2008 e 2012 e vice em 2005, 2006 e 2009. Ganhou também a 24 Horas de Daytona em 2015 e outras provas de longa duração. Até hoje corre em categorias de Turismo.
O filho Kevin, atual piloto da Haas na F-1, estreou muito bem na categoria, mas não tem conseguido alcançar resultados significativos ao longo da carreira. Em sua primeira corrida, em 2014 pela McLaren, subiu ao pódio no segundo lugar no Grande Prêmio da Austrália, a primeira prova da temporada, vencida por Nico Rosberg, da Mercedes. Em 2017 foi para a Haas, onde ficou até 2020 quando ficou sem emprego e foi participar de provas de resistência. Mas com o banimento do piloto russo Nikita Mazepin das competições depois da invasão da Ucrânia, Kevin foi chamado novamente e aceitou.
O dinamarquês começou carreira no kart e em 2008 foi para a Fórmula Ford dinamarquesa, onde venceu o campeonato. Em 2009 foi para a Fórmula Renault 2.0 NEC, onde foi vice-campeão. Paralelamente, disputava também a Eurocup da Fórmula Renault 2.0. Em 2010, Kevin foi para a Fórmula 3 alemã e a Fórmula 3 Euro Series, onde conseguiu algumas vitórias. Em 2011 foi para a Fórmula 3 britânica, onde terminou vice-campeão, com 7 vitórias. De lá se seguiram a Formula Renault 3.5 até que em 2013 Kevin venceu o campeonato de Fórmula Renault 3.5 Series, o que lhe garantiu a entrada para o programa de jovens pilotos da McLaren.
Mudando de assunto: tudo bem que a motorista de Porland, no estado de Oregon (EUA) apresentou sinais de embriaguez, mas alegar que estava “seguindo as instruções” do GPS e acabou descendo uma escadaria com o carro nem é algo tão impossível assim. Eu mesma fui levada pelo Waze a entrar numa rua para pedestres em Guimarães (Portugal) e felizmente um grupo de simpáticos gajos nos ajudou. E confirmou que o Waze manda mesmo todo mundo entrar na rua proibida. Imagino a cara dos policiais de Portland que atenderam ao chamado…
NG
A coluna “Visão feminina” é de exclusiva responsabilidade de sua autora
Fonte das biografias: Wikipédia