Onze horas da noite, sozinho, ocioso e sem sono. Um horário calmo e praticamente sem trânsito, ocasião em que sair para dirigir poderia ser uma boa opção. O trajeto teria que ser interessante, alguma estrada sinuosa, então nada melhor que ir em direção a Serra Gaúcha pela BR-116.
Percurso que faço com certa frequência, mas geralmente durante o dia e em horários com bastante fluxo, e além das inúmeras lombadas eletrônicas, ainda é comum encontrar policiais armados com suas “pistolas” para capturarem os que “abusam” da velocidade (limite da rodovia é de inconvenientes 60 km/h e em alguns locais chega a ser de absurdos 40 km/h).
O carro, um Nissan March S 2013, importado do México. O motor 1-L de quatro cilindros e 16 válvulas, de origem Renault, gera 74 cv a 5.850 rpm e torque máximo de 10,0 m·kgf a 4.350 rpm. Suspensão dianteira McPherson e traseira por eixo de torção. Nada sofisticado ou extasiante, porém com algo que todo autoentusiasta preza, que é o câmbio manual.
Estrada praticamente livre de veículos e sem os impiedosos policiais, então, atenção apenas para as tais lombadas e principalmente aos animais selvagens que com frequência atravessam a rodovia à noite.
É indescritível o prazer que um câmbio manual proporciona em uma estrada curvilínea repleta de aclives e declives. Mesmo em um carro com potência restrita, sabendo usar o câmbio da forma correta para explorar o motor com exatidão, faz com que no uso corriqueiro ele supere subidas com naturalidade e sem esmorecimento.
Inclusive, estar a bordo de um automóvel com motorização 1-L de aspiração atmosférica, em um percurso como este, pode tornar tudo ainda melhor pelo fato de poder andar com o “pé no fundo” e no limite do carro em determinados trechos, principalmente em algumas subidas e retas.
Os pedais são bem posicionados e o punta-tacco é fácil. O trambulador do câmbio, com comando a cabo, não chega a ser no estilo VW, mas os engates são leves e precisos. O volante tem regulagem de altura e está bem posicionado, (um ajuste de distância também viria bem) e a direção com assistência elétrica variável é firme na estrada, do jeito que deve ser. Um carro bom de curva, nada acima da média do segmento, mas permite andar rápido e com segurança.
É um hatchback alto (1.528 mm) e o ponto “H” (altura do assento. ou dos quadris em relação ao assoalho) também é elevado: mesmo ajustando-o na posição inferior, continuo nas alturas (tenho 1,84 m), penso que o banco poderia ser uns 10 mm mais baixo, mas por outro lado, no dia a dia do trânsito urbano (propósito do carro) facilita o entrar e sair e também agrada as pessoas de estatura baixa, pelo fato de proporcionar uma melhor visão da estrada.
Dirigir pelas curvas da serra sem carros à frente é uma verdadeira satisfação, cambiar com frequência para extrair o máximo do motor e sem esquecer dos agradáveis punta-taccos. A ideia antes de sair era ir até Nova Petrópolis, mas acabei estendendo até Caxias do Sul.
Já guiei carros mais potentes e requintados neste mesmo trajeto, alguns deles automáticos, mesmo sendo melhores em determinados aspectos não conseguem proporcionar o prazer de um manual, mesmo que este tenha menos fôlego.
Defeito? Para mim apenas aquele já mencionado, o banco do motorista, que mesmo com a regulagem da altura na posição mais baixa, na minha opinião continua alta para alguém 1,84 m de altura. Viagens um pouco mais longas (600 quilômetros ou mais), acabam não sendo tão favoráveis como em carros dotados de mais disposição e conforto, mas esse também não é o propósito de nenhum carro urbano, e mesmo assim não é nada preocupante para o autoentusiasta, que sente prazer em guiar qualquer veículo que tenha rodas, seja ele Kombi ou Porsche.
Mas agora imagine a satisfação de estar nesta mesma estrada, em vez do March de 74 cv, a bordo de um Golf GTI manual de 230 cv, se este tivesse sido disponibilizado pelo fabricante em sua última geração comercializada no Brasil; num Mini Cooper S, ou na sua respectiva versão JCW; ou na versão R.S. do Sandero, este fabuloso manual que também nos deixou recentemente.
Pelo que parece, atualmente as fábricas automobilísticas estão sendo controladas por pessoas que possuem aversão a dirigir (e algumas talvez até a carros), e o consumidor generalista anda cada vez mais excêntrico, adepto à moda dos pequenos suves automáticos, mas para o verdadeiro autoentusiasta não existe nada melhor do que estar no absoluto controle do veículo, exercitando a perna esquerda e sem depender de “terceiros” para decidirem que marcha usar. Algo tão prazeroso, mas que atualmente só encontramos mais em alguns modelos do segmento de compactos e principalmente em suas versões de entrada.
Save the manuals!
Marco Fritsch
Porto Alegre – RS