Pois é, para alguém como eu que se recusa a pedir Uber dirigido especificamente por mulher ou a pedir médica para fazer exames nos laboratórios justamente por achar que as diferenças entre homens e mulheres não devem ser motivo para discriminação, tenho escrito muitas colunas sobre mulheres.
Por isso gostaria de deixar claro que abordar estes assuntos tem mais a ver com o que é notícia em si do que para levantar alguma bandeira. Desde meu primeiro semestre na faculdade de Jornalismo aprendi que notícia é tudo aquilo que é diferente. Assim, um cachorro morder uma pessoa não é novidade, mas uma pessoa morder um cachorro, sim. Isso posto, vamos a mais um desdobramento da minha pesquisa inicial sobre mulheres de destaque na indústria automobilística porque inventaram o limpador de para-brisa ou o pisca-pisca.
É surpreendente a quantidade de categorias que o automobilismo mundial tem. Eu mesma fiquei boquiaberta quando pesquisava sobre pais e filhos pilotos. Não é de hoje que há tantas categorias, mas de décadas, por isso é natural que tenha havido diversas mulheres que venceram em outras categorias que não a Fórmula 1, assunto que já abordei neste espaço. Então, vamos lá. E mais uma vez a ordem em que aparecem os nomes é totalmente aleatória.
Danica Patrick
Este nome é fácil de lembrar, não apenas porque é mais recente, mas também porque Danica é uma das mulheres mais conhecidas do automobilismo mundial recente. Danica é filha de T.J. Patrick, um ex-piloto de motocross. Ela nasceu em 1982 em Roscoe, estado de Illinois, nos Estados Unidos e, para não variar, debutou no kart, em 1992, onde ganhou diversos campeonatos nacionais. Em 1998, também para não variar na trajetória da maioria dos pilotos, foi para a Inglaterra onde correu na Fórmula Ford e na Fórmula Vauxhall. Seu melhor resultado foi um segundo lugar — ainda assim, este foi o melhor resultado até agora para uma mulher. De 2002 a 2005 disputou diversos campeonatos de monopostos sem conseguir vitórias nem pódios, mas terminando o campeonato de 2004 em terceiro lugar.
De 2005 a 2011 competiu na IndyCar Series. Já no seu ano de estreia terminou em quarto lugar na concorridíssima 500 Milhas de Indianápolis. Em 2008 foi a primeira mulher a ganhar uma prova da IndyCar, ao vencer no oval de Twin Ring Montegi, no Japão. Sua melhor colocação num campeonato foi em 2009 quando terminou em quinto lugar. Nesse mesmo ano terminou a 500 Milhas de Indianápolis em terceiro lugar.
Em 2010 começou sua incursão na Nascar, disputando provas de Stock Car, onde ficou até 2013. Danica foi muito criticada por ter posado para revistas e de esporte em trajes de banho e em poses sensuais, mas pessoalmente não vejo nada demais. Assim como James Hunt aparecia frequentemente sem camisa, acredito que Danica tem todo o direito de fazer as fotos que bem entende. E assim como o inglês, ela é realmente linda. Atualmente ela comenta provas de carros para diversos meios de comunicação.
Shirley Muldowney
E por falar em mulher bonita, este é mais um caso. Shirley Muldowney nasceu em Burlington, estado de Vermont, EUA em 1940. É mais conhecida por ter sido a primeira pessoa a vencer dois títulos Top Fuel de dragsters, as provas de arrancada, mas depois bateu o próprio recorde e venceu uma terceira vez. Shirley foi precoce em várias coisas. Casou-se aos 16 anos com Jack Muldowney, que construiu para ela o primeiro dragster. Aos 18 anos, ela participou de sua primeira prova na categoria NHRA (National Hot Rod Asscoation), onde bateu diversos recordes. Em 1974 foi para a categoria Top Fuel na qual ganhou seu primeiro campeonato, em 1977, os outros foram em 1980 e 1982.
Shirley foi a primeira mulher a quebrar a barreira de 5 segundos no quarto-de-milha (402 metros) e em 1989 entrou para o seleto “Clube dos 4 segundos” ao atingir a marca de 4,974 segundos e 284 milhas por hora (458 km/h) para percorrer o trecho oficial de 305 metros. Apesar dos bons números, eles não foram atingidos facilmente. Shirley se envolveu em diversos acidentes de carro, incluindo incêndios e batidas. Particularmente um de 1984 provocou diversas fraturas nas mãos, pélvis e pernas, a ponto de serem necessárias mais de uma dúzia de operações e 18 meses de fisioterapia. Mesmo assim, ela continuou correndo até 2003. No total, Shirley Muldowney venceu 18 provas da NHRA nos Estados Unidos e está na quinta posição entre os 50 melhores pilotos da lista oficial da federação. É uma lenda das pistas até hoje, aos 82 anos.
Denise McCluggage (foto de abertura)
Denise era jornalista, piloto, esquiadora, fotógrafa e ativista por direitos iguais. Nascida em El Dorado, estado de Kansas, EUA em 1927, ela iniciou na imprensa aos 12 anos ao estrear num jornal de bairro. Anos depois foi para o San Francisco Chronicle e foi na cidade de San Francisco que a vida dela mudou, quando conheceu Briggs Cunningham, o homem que construiu os primeiros carros americanos que correram em Le Mans. Depois disso, ela mudou para o New York Tribune, em Nova York, onde começou a escrever para a seção de esportes, uma profissão rara para uma mulher naquela época, mas, ainda mais raro, era uma jornalista que vivia aquilo sobre o que escrevia. Ironicamente, ela disputava provas contra pilotos que depois entrevistava para suas matérias no jornal, como Phil Hill, Peter Collins, Carroll Shelby, Stirling Moss e Juan Manuel Fangio. Os anos 1950 eram tempos difíceis e Denise não tinha acesso aos boxes, paddock ou mesmo a área de imprensa na Indy apenas pelo fato de ser mulher. O jeito era fazer as entrevistas através das cercas.
Paralelamente à carreira na imprensa, Denise conseguia bons resultados nas pistas, como a vitória na 12 Horas de Sebring em 1961 e outra no Rali de Monte Carlo em 1964. Ela também trabalhou no lançamento da Competition Press, atualmente Autoweek. Entre vários prêmios, ela foi a primeira jornalista a ser incluída no Hall da Fama Automobilístico, em 2003, ao lado de diversos pilotos e amigos. Denise morreu em 2015.
Lyn St. James
Evelyn Gene Cornwall, mais conhecida como Lyn St. James, nasceu em 1947 em Willoughby, estado de Ohio, EUA. Era professora de piano e estudou Administração, mas ficou mais conhecida por ter competido em onze provas da Cart e cinco da Indy Racing League. A carreira delas nas pistas começou bem tarde, quando estava chegando aos 30 anos. Lyn também fez sucesso em provas de longa duração, como a 24 Horas de Le Mans (onde correu ao lado de Desiré Wilson e Cathy Muller) e na 12 Horas de Sebring (sempre ao lado de pilotos americanos), na qual conseguiu uma vitória, além de ter ganho duas vezes a 24 Horas de Daytona.
Na 500 Milhas de Indianápolis conseguiu seu melhor resultado ao chegar em décimo-primeiro lugar na prova de 1992, pilotando um Lola. Naquele mesmo ano ela ganhou como a novata do ano, embora tivesse já 45 anos — também o recorde de pessoa mais velha a receber esse prêmio.
Lyn abandonou as corridas em 2001, mas aos 75 anos continua envolvida em iniciativas que aumentem a participação feminina nas corridas.
Débora Rodrigues
Se no exterior é pouco comum uma mulher pilotar veículos de competição, no Brasil não é diferente. Na Fórmula Truck (atual Copa Truck), o caso de Débora Rodrigues é exemplar. No Brasil, a Fórmula Truck foi disputada de 1996 a 2017 e posteriormente substituída pela Copa Truck.
Débora nasceu em 1968, em Bela Vista do Paraíso, PR e sempre se interessou por caminhões. Ela conta que aprendeu a dirigir muito cedo, pois o pai tinha dois caminhões, mas até chegar a ser piloto profissional trabalhou como frentista, secretária e motorista de ônibus de trabalhadores rurais. Por sinal, num dia desses foi fotografada por um jornalista e no dia seguinte seu rosto virou a “Musa dos Sem Terra”. Surgiram então convites para posar nua numa revista e apresentar um programa popular. Ela aceitou todos, mas só quando foi para o autódromo de Interlagos apresentar um programa é que tomou contato com a Fórmula Truck. “Foi paixão à primeira vista”, disse. Até hoje ela compete na categoria e é a mulher que está há mais tempo atrás de um volante de veículo de competição. Ela jamais ganhou um campeonato. Caminhão roda é marca registrada dela.
Interessante é que a participação de mulheres na Copa Truck tem aumentado bastante e este ano a novidade é que há uma mulher pilotando o pace truck Volkswagen Meteor. Ele é dirigido por Cristina Rosito, filha do piloto gaúcho Raffaele Rosito, falecido num acidente rodoviário em 2000.
Bia Figueiredo
Ana Beatriz Caselato Gomes de Figueiredo, ou apenas Bia Figueiredo, nasceu em São Paulo em 1984. Ela estreou, é claro, no kart aos oito anos. Ficou na categoria durante nove anos, onde alcançou dois vice-campeonatos, um paulista e um brasileiro. Em 2003 foi para a Fórmula Renault e se tornou a primeira mulher a ganhar uma corrida nessa categoria, além de ter sido eleita a melhor estreante do campeonato.
Em 2006 Bia disputou a Fórmula 3 sul-americana e em 2008 foi para os Estados Unidos, onde disputou a Fórmula Indy por seis anos — inicialmente a Indy Lights. Ainda no seu primeiro ano ela se tornou a primeira mulher a vencer uma prova da categoria Indy Lights, em Nashville, estado de Tennessee. Terminou o campeonato em terceiro lugar. Em 2009 venceu a prova de Iowa. No ano seguinte foi para a categoria principal da Fórmula Indy, mas não conseguiu participar de todas as provas por falta de patrocínio, mas correu na 500 Milhas de Indianápolis. Em 2011 conseguiu um contrato para guiar pela Dreyer & Reinbold na IndyCar Series.
Em 2014, tornou-se também a primeira mulher a disputar uma temporada da Stock Car Brasil e atualmente compete no TCR/Campeonato Sul-Americano de Turismo.
Mudando de assunto: estamos quase no meio da temporada 2022 de Fórmula 1 e já dá para apostar em um par de possíveis vencedores, mas tudo está um pouco em aberto. Gosto de campeonatos disputados, por isso ando curtindo muito as provas deste ano. O circuito do Canadá é sempre desafiador, embora nada supere a pilotagem de Gilles Villeneuve naquele autódromo em 1981. Como outras vezes, não venceu, mas deu show. Aliás, quem se lembra quem venceu aquele GP? Perto do feito do canadense, a vitória era um mero detalhe, mas vamos lá: foi Jacques Laffitte. Para quem, como eu, gosta do arrojo de Villeneuve, aqui vai um pouquinho da genialidade dele naquela prova: https://www.youtube.com/watch?v=zBIWvuFyNWs
NG
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