Como meus leitores mais antigos sabem, sou pragmática, gosto de estatísticas (bem feitas, diga-se) e de discutir ou escrever sobre qualquer coisa, mas sempre com base em dados. Não perco muito tempo com argumentações vagas ou que manifestam apenas impressões porque a memória costuma nos pregar peças e por isso é que nenhum inquérito policial ou defesa de advogado se baseia apenas em testemunhos. É necessário que também haja provas.
Pois bem. Depois de escrever algumas colunas sobre mulheres no automobilismo tive a curiosidade, tardia é verdade, de checar se é verdade a impressão que temos de que há poucas mulheres nesse segmento. E, para minha surpresa, a ideia geral se confirmou, mas as proporções foram diferentes das que imaginava. E, especialmente, o que algumas dessas mulheres acham desta situação é que me chamou mais a atenção.
Achei números de 2021, o que me parece muito aceitável. Pena que não consegui de todas as equipes. Na Formula One Management (FOM), dos 569 funcionários, 38% são mulheres. Nada mau, no geral, mas sem mais detalhes sobre tipo de cargo não posso concluir nada mais específico.
No entanto, essa proporção não se repete nas equipes e, menos ainda, dentro delas, que foram os dois itens sobre os quais achei melhores e mais recentes dados. Por mulheres aqui digo aquelas que trabalham como engenheiras, chefes de equipe, responsáveis pelo Marketing, hospitalidade e de uma forma em geral em todos os negócios da categoria. É que são todos papéis extremamente relevantes.
Infelizmente, só achei dados de algumas escuderias. Não serve para estatística alguma, mas pelo menos me matou parte da curiosidade. São elas:
Mercedes – é das maiores equipes, com cerca de 1.000 funcionários. Desses, 117 são mulheres e, mais significativo ainda, 31% estão em cargos seniores. Mas se temos a impressão de que há poucas mulheres na equipe, provavelmente seja porque da equipe principal de corridas, de 65 pessoas, apenas 4 são mulheres e das outras 20 pessoas que dão apoio à equipe de corrida dentro da fábrica, 4 são mulheres (20%).
Alfa Romeo – O tamanho do time que viaja para as corridas varia, mas a média é de 51 pessoas, das quais cinco são mulheres (9,8%). No cômputo geral de pessoas da Alfa na Fórmula 1 na empresa, 13 têm cargos sênior, mas de um total de força de trabalho que não consegui descobrir, logo não sei se é muito ou pouco.
Alpha Tauri – declara que tem muitas mulheres na escuderia, mas não divulga quantas. Na equipe de corridas de Fórmula 1, no entanto, não há nenhuma.
Haas – a pequena escuderia (OK, pequena na Fórmula 1 e em termos relativos) tem apenas 167 funcionários, dos quais 15 são mulheres, o que corresponde a 9%.
McLaren – do time de 66 pessoas que viajam regularmente com a equipe de corrida, 5 são mulheres e uma delas está em cargo de gerência sênior.
Quando menciono mulheres trabalhando na Fórmula 1 não me refiro às Grid Girls, aquelas moças que ficavam ao lado dos carros pouco antes da largada — não, não vou escorregar nessa casca de banana de começar a discussão sobre se deveria se dar continuidade ou não à essa prática. Tenho tido bastante trabalho para fugir de diversas tretas sobre F-1 nos últimos dias e não é agora que vou escorregar. A minha menção, como disse, é para cargos de engenheira, na hospitalidade, no Marketing…
Semana passada falei sobre a excelente estrategista da Red Bull, Hannah Schmitz. Destaquei o trabalho dela pela relevância da equipe e dos resultados dela, que certamente tem ajudado muito à equipe. Mas ela não foi a única estrategista de escuderia, como disse nos “disclêimeres”. Preciso mencionar também a Ruth Buscombe, que trabalhou na equipe de estratégia da Ferrari, da Haas e da Sauber. Atualmente, ela é engenheira de estratégia da Alfa Romeo. Ruth deu diversas declarações nas quais conta que se inspira nos lendários engenheiros de F-1 Paddy Lowe e James Allison.
Ruth luta para que haja uma maior participação feminina na Fórmula 1. “Acho que era uma coisa de que realmente eu sentia falta — embora houvesse mulheres trabalhando na Fórmula 1, você não podia vê-las — e é muito difícil ser o que você não pode ver”, disse Ruth a uma publicação esportiva no ano passado.
Lendo e relendo entrevistas dadas por mulheres que trabalham nos degraus mais altos das equipes de corridas em geral, e aqui não apenas na F-1, encontrei pontos de vista totalmente diferentes. Para algumas, aumentar a participação feminina no setor é fundamental e sempre que podem fazem declarações nesse sentido, como Ruth. Para outras, o assunto apenas surge esporadicamente, mas na maior parte do tempo nem é um assunto propriamente dito, segundo contam.
Steph Carlin , diretora comercial da equipe Carlin de Fórmula 2, diz que às vezes um comentário a lembra da desigualdade. “Na maior parte do tempo, é um trabalho realmente gratificante, então não me vejo como uma mulher em uma indústria dominada por homens. Apenas tento fazer o melhor trabalho que posso”. E exemplifica: “Temos 15 pilotos na Carlin (e isso é diferente a cada ano) e chefes de pilotos diferentes, e de repente você acorda com um choque quando alguém prefere falar com Trevor (Carlin, fundador da equipe) em vez de comigo. Isso não acontece com muita frequência, e na maioria das vezes eu nem lembro que estou num ambiente dominado por homens, mas de vez em quando, talvez uma vez por ano, haverá alguém que gostaria de falar apenas com Trevor”.
Para a técnica de túnel de vento da Mercedes Kathryn Richards (foto de abertura) ser a única mulher em seu departamento e a única técnica de túnel de vento no esporte não é incômodo. Na Mercedes, ela tem alguns aerodinamicistas que são mulheres, mas encara que haja poucas mulheres com total normalidade. “Estou bastante acostumada com isso e na verdade, não me incomoda”, diz ela. “Quando entrei na faculdade havia algumas mulheres no meu curso, então já me acostumei desde cedo e aceitei logo. Nunca tive problemas, me dou bem com os homens. Eu sou quase como um dos caras e às vezes ajo como eles também”, diz. “Não tenho nenhum problema”.
Isso, contudo, não significa que ela não contrate mulheres. “Coloquei algumas mulheres jovens em vários cargos. Uma delas quer ser piloto, outra quer ser mecânica. Então, desse ponto de vista, fiz a diferença na carreira de algumas pessoas.”
Ruth diz que depende de por quem você está cercado. “Certamente na Alfa (Romeo) ser mulher ou homem definitivamente não é um fator. Quando fui contratada, a chefe da equipe era uma mulher (Monisha Kalternborn que saiu da equipe em 2017). Eles só querem o melhor.”
A diretora de Marketing da F-1 até janeiro deste ano, Ellie Norman disse numa entrevista: “O rol mais visível é o seu piloto e os chefes de equipe, mas há tantos outros papéis… seja engenharia ou marketing, há muitos modelos femininos fortes liderando o negócio na Fórmula 1.”
Ellie destaca que há questões que foram surpreendentes para todos com o aumento da participação feminina nas corridas de carros. “Lembro-me de Tatiana (Calderón, que pilotou na Fórmula 2 pela BWT Arden) falando comigo sobre o pedal do freio nos carros de F2”, conta. “O pé dela era menor do que o de seus competidores masculinos, mas como a norma de que o pedal do freio igual em todos dos carros, quando ela pressionava o pedal o fazia praticamente com os dedos do pé e não com todo ele. Assim, havia menos pressão no pedal”. Claro que esse tipo de imprevisto depende de mudanças nas normas da categoria, mas felizmente foi isso o que aconteceu. “A equipe conseguiu trabalhar com a FIA para mostrar que há uma diferença física e que isso era prejudicial para seu desempenho”. Pronto, problema resolvido.
A questão da falta de mulheres na categoria pode ser ainda mais complexa: “A quantidade de mulheres que chegam ao setor de Engenharia para trabalhar como mecânicas é tão pequena em comparação com a quantidade de homens…”, diz Steph. “Raramente recebemos candidatos do sexo feminino e acho que é porque o problema está nas bases, lá onde as crianças em idade escolar tomam decisões sobre qual caminho seguirão”.
Por isso, a F-1 criou programas como o FIA Girls on Track, que abriu as portas para uma vaga na academia de pilotos da Ferrari, e o Formula Student, que incentiva crianças em idade escolar a cursar disciplinas STEM (STEM é um acrônimo em língua inglesa para “science, technology, engineering and mathematics” que representa um sistema de aprendizado científico, o qual agrupa disciplinas educacionais em ciência, tecnologia, engenharia e matemática). Daqui a alguns anos saberemos se deu resultado.
Mudando de assunto: Este meme é a síntese perfeita do que foi a corrida de F-1 domingo passado, em Silverstone (Inglaterra). Certamente, das melhores dos últimos tempos – e vejam, caros leitores, que tivemos muitas maravilhosas – com lindas manobras, ultrapassagens espetaculares e, para não variar, diversos casos bem-sucedidos de estratégia. Gostei, como sempre gosto, das ultrapassagens de Checo Pérez, lamentei os problemas mecânicos de Max Verstappen, xinguei muito a Ferrari por estragar mais uma corrida de Charles Leclerc, comemorei a primeira vitória de Carlos Sainz e, por último, mas não menos importante, me preocupei muitíssimo com o incrível acidente de Guanyu Zhou. Claro que rebobinei todas minhas críticas ao halo – em minha defesa, desde o acidente do Grosjean já havia me convencido de sua utilidade, mas fui das que criticaram o acessório no início. A geringonça se provou não apenas útil, mas fundamental. Mea culpa, mea maxima culpa.
heartbeeat = batimento cardíaco
Deceased = falecidos
last 10 laps = 10 últimas voltas
NG