Carro popular. A ideia de algo acessível a mais pessoas e que pudesse ser fabricado em maior quantidade é antiga no Brasil. Apesar da expressão ter sido bastante usada a partir do começo da década de 90, os populares surgiram ainda na década de 60 com a proposta de aumentar a produção dos fabricantes nacionais.
Nesse sentido vale lembrar de alguns modelos como o Fusca pé de boi, o Gordini Teimoso, a DKW-Vemag Pracinha, o Simca Profissional e o Galaxie pé de camelo, apesar de esta última versão não fazer nenhum sentido, já que o modelo da Ford lançado em 1967 trazia luxo e conforto e não combinava com a ideia de algo que pudesse ser mais barato ou sem alguns itens, tais como a direção hidráulica.
Na última coluna falamos sobre as versões esportivas do Fiat Uno, um grande sucesso no mercado brasileiro. E hoje chegou a vez de conhecer a mais simples e talvez uma das mais carismáticas de sua longa trajetória de 23 anos, a Mille.
Antes de abordar esta versão específica vale ressaltar que o hatch italiano chegou ao Brasil em 1984. O lançamento munidial havia sido no ano anterior no Cabo Canaveral, e no Autódromo de Daytona, ambos na Flórida. E a ideia juntamente com o desenho do carro, assinado por Giorgetto Giugiaro, ajudou a revolucionar o mercado nacional com um produto novo e cheio de criatividade.
Também tive uma história muito interessante com um Uno. Em 1986 minha mãe adquiriu um exemplar da versão CS zero-quilômetro. Me lembro como se fosse hoje da surpresa que tive ao me sentar pela primeira vez no banco do motorista. O painel satélite crescia aos olhos e era perfeito. O motorista conseguia realizar as principais funções sem ter que tirar as mãos do volante. Nota dez para a ergonomia.
O começo da década de 90 marca também um momento bastante importante no mercado brasileiro: a reabertura das importações. Dessa forma os veículos que ficaram fora de nosso mercado durante 16 anos puderam voltar e aumentar o leque de opções aos consumidores.
Em 1990 o Ministério da Fazenda criou nova classe de cilindrada em que a menor alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) até então 32%,, caía para 20% para veículos com motor de até 1.000 cm³ de cilindrada. A medida visou estimular indústria automobilística a criar modelos e versões de entrada, com menos itens de série, alguns opcionais e, principalmente, a possibilidade de serem mais acessíveis a maior número de consumidores.,
A Fiat foi ágil, trabalhou rápido e fez uma mudança interna no conhecido motor Fiasa de 1.048,8 cm³, surgido com o Fiat 147 em 1976 e estendido ao Uno em 1984, para atender à legislação. Foi projetado novo virabrequim para reduzir o curso dos pistões em 3 mm — de 57,8 para 54,8 mm — passando a cilindrada a 994,4 cm³. E deu muito certo. Com baixo peso e a robustez já conhecida, o Mille se tornou quase inquebrável e com grande capacidade de circular em vários tipos de terreno. Valentia era uma de suas qualidades.
O adjetivo espartano define bem a versão. No início ele vinha sem encostos de cabeça, tampa do porta-luvas e até mesmo o retrovisor do lado direito. Tudo podia ser colocado como opcional, o que aumentava o valor final do carro. Mas a fórmula deu muito certo e logo eles se tornaram os mais vendidos do mercado.
Uma questão importante e que ajudou no bom desempenho foi o peso, sempre um fator determinante para os carros de origem europeia. Com uma diferença pequena para o 147 ele conseguia sobressair no trânsito da cidade com bastante agilidade e logo tomou conta das ruas com uma variedade de cores invejável para o padrão atual.
Guiar um deles é sempre uma experiência interessante para mim. Já me referi às lembranças de infância e, por essa razão, além de me lembrar da minha saudosa mãe, também aprecio a objetividade deste carro como um automóvel simples. Dessa forma o Uno Mille completou 23 anos com todos os méritos de ser um popular que caiu nas graças do povo.
GDB