Em uma de minhas primeiras viagens à Europa, tive como empréstimo, pela Fiat, um Ritmo Abarth, recém-lançado, em sua versão 1982. Nunca estivera na Itália, e só ouvira falar da paixão dos italianos por automóveis. Mas jamais pensei que era algo além da paixão. Muito além. Eles são loucos por carros. Loucos!!!
Sou testemunha disso. Fiquei com o carro uma semana, viajando por deliciosas estradas vicinais, que nos permite conhecer melhor as coisas de um país, como suas pequenas cidades, vilas, lugarejos e, claro, também belas e grandes cidades italianas.
Era um carro preto, (foto de abertura) com detalhes em vermelho na pintura, rodas e para-choques que davam a ele uma “cara de mau”, como deve ter qualquer esportivo. E, como era lançamento, atraía olhares de admiração e cobiça, por onde quer que passássemos com ele. As amigas que estavam comigo também chamavam a atenção.
A coisa era, ou ainda é, tão incrível, que levei várias “fechadas” dos malucos que queriam vedere la macchina. Com meus conhecimentos do idioma local, graças às minhas aulas de Latim com o professor José de Sá Porto, no ginásio, conseguia estabelecer diálogos com os fanáticos.
— Ma che bela macchina è questa Abarth Ritmo. Quanto costa? — afirmavam e perguntavam todos. Eu concordava com a beleza do carro, mas não tinha a menor ideia do seu valor. Eu só pensava em acelerar e ouvir o ronco do seu motor. Uma delícia.
Fomos até Brescia, uma comuna italiana na região da Lombardia (no Rio Grande do Sul tem Nova Bréscia, fundada por oriundos da cidade italiana), uma cidade armeira do Império Romano e onde estava a Tintas Franchi que, à época fornecia tintas para a Ferrari. Era também o ponto de partida e chegada da Mille Miglia, a famosa prova de estrada realizada de 1927 a 1957, só interrompida nos anos da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Até fiquei hospedado na casa do engenheiro Carlo Franchi, uma bela construção no alto de um morro, com uma linda visão de toda a cidade. Foi em Brescia que, pela primeira vez, comi pizza com as mãos, como fazem muitos italianos.
Também fui visitar a fábrica de armaduras, que ainda existia, produzindo peças maravilhosas, sob medida, com um preço que varia de acordo com a altura do “freguês” e se era completa ou não. Para mim, com meu 1,88 m, custaria US$ 35 mil (isto em 1982). Aleguei que seria difícil levar aquela peça no Ritmo Abarth, que já contava com a bagagem dos viajantes. Rimos muito, eu e o atendente, e não trouxe minha armadura, que seria utilíssima nestes dias de violência em nossa terra.
A elegância em pessoa
De repente, uma luzinha vermelha acendeu no painel da macchina. Orientado pelo engenheiro Franchi, fui à uma concessionária Fiat da cidade. Fui tratado como um príncipe e o Abarth, como rei, pelo mecânico que foi escalado para o serviço. Trabalhou nele por cerca de 1 hora. Peguei o carro, dei umas voltas pela cidade. Tudo em ordem, luz vermelha não acendeu mais.
Parei em um café, para tomar o vero espresso. E lá encontrei um jovem, extremamente bem vestido, com terno, gravata, sapatos brilhando. Na maior elegância. Ele me cumprimentou como me conhecesse. E conhecia. Era o mecânico que me atendera na concessionária, que perguntou se estava tudo em ordem com a macchina (foi aí que o reconheci, sem o macacão da oficina). E ainda pagou o meu espresso.
Dali fomos até Veneza, 181 km distante. O normal é levar 1h40min, ou mais, de carro, mas não ao volante de um carro como o Ritmo Abarth, com toda a sua potência. Baixamos o tempo para 1h15min, mesmo com os fanáticos me “fechando” para ver a macchina de perto. No estacionamento onde deixamos o carro, antes de entrar em Veneza, foi preciso encarar uma fila de interessados, que queriam ver o carro de perto e alguns mais audaciosos, que queriam entrar. Como negar a eles essa felicidade?
Anos depois, no lançamento do Cinquecento, em Turim, em 2007, eu e meu amigo e jornalista Antônio Fraga enfrentamos o mesmo “problema”, com os fanáticos nos fazendo parar na estrada, especialmente aqueles que tinham um 500 do modelo antigo. Queriam dirigir, mas quando eu dizia se eles me deixariam andar no deles, a resposta era sempre no, signore, questa è la mia macchina, típica de um dono de carro ciumento.
Foi uma tristeza ter que devolver o carro em Turim, mas valeu cada quilômetro roda com ele. O primeiro Abarth, a gente nunca esquece.
E sabem por que o Ritmo Abarth voltou à minha mente, lá de 1982? Porque no início de novembro andei no Fiat Fastback (foto) que usa apenas a motorização com a mesma tecnologia, mas sem o pacote completo de um Abarth, que só aparece, entre os modelos brasileiros, no Pulse Abarth.
Outra coisa que me fez lembrar da macchina foi o comercial da Valisère, de 1987, estrelado pela modelo/atriz, Patrícia Lucchesi, então uma linda jovem, com 12 anos, (hoje uma linda mulher com 47 anos), que mostra a reação de uma pré-adolescente ao ganhar seu primeiro sutiã, que só as colegas de escola tinham. O slogan da campanha, criação de Washington Olivetto por sua agência W/Brasil, era “O primeiro sutiã a gente nunca esquece” (vale a pena entrar no YouTube e buscar pelo comercial. É lindo!).
Voltando ao Fastback, é uma delícia de carro, e, sem os fanáticos italiano me “acossando”, tive que me “contentar” com alguns comentários, na fila da balsa ou na garagem do prédio. Duas pessoas me abordaram para saber se ele era bom, pois tinham encomendado seus carros na concessionária.
Outra diferença: o Fastback era cinza, cor que está na moda.
CL