SIM!! Na falta de um abrigo mais seguro como um prédio em alvenaria de poucas janelas, o carro, com as janelas fechadas, ainda é um lugar seguro. Independente do que possa transparecer no vídeo que viralizou nas redes sociais nos últimos dias, onde uma picape Ford Ranger foi supostamente atingida por um raio e a conclusão dos especuladores é que o raio tenha entrado pela antena e provocado incêndio no interior do veículo.
Nos meus 40 anos de engenheiro no setor automobilístico nunca vi um caso semelhante a esse, e apesar de ser formado em engenharia mecânica, fui responsável pelo Laboratório de Desenvolvimento Eletroeletrônico no Campo de Provas da GM entre 2000 e 2004, o que me credencia a discorrer sobre o tema. Conversando com alguns amigos-engenheiros eletricistas, listo minhas conclusões sobre o fato ocorrido e que precisariam ser melhor esclarecidos.
Publicações internacionais indicam que o raio ao atingir um veículo, passa pela lataria do veículo, e nem sempre há um caminho comum. Na verdade, cada raio é único e pode causar danos nos sistemas elétricos e eletrônicos até que a energia seja dissipada pelos próprios pneus no solo, deixando um rastro de danos, inclusive nos pneus.
São casos esporádicos, e os ocupantes não levariam o choque elétrico dado o princípio da Gaiola de Faraday (a gaiola distribui as cargas elétricas pela superfície condutora, podendo gerar calor pelo Efeito Joule).
É comum aviões serem atingidos por raios, mas como estão imersos no ambiente ionizado, o raio passa pela carcaça metálica, que forma uma “Gaiola de Faraday”, e continua a descida em direção ao solo, sem afetar os instrumentos de bordo. Quantas descargas recebem os aviões e nem percebemos? Será que existem estudos sérios a respeito? Com certeza sim, caso contrário não estariam voando.
Fatos
Na internet é fácil encontrar fotos mostrando o estrago no asfalto causado por quedas de raios, e isso evidencia o poder de destruição dessa energia elétrica. Portanto, se o raio tivesse entrado no carro pela antena, como alguns afirmam, não teria apenas aquela chamuscada. A antena teria se desintegrado.
O cabo da antena até o rádio é fino, portanto, sem capacidade de conduzir a alta energia até o aparelho. Note que o rádio está inteiro, ou seja, mesmo que o cabo tivesse conseguido conduzir a energia, o rádio seria o primeiro a sofrer danos e não o lado esquerdo do painel de instrumentos.
Os danos no interior estão mais concentrados à esquerda e à frente do motorista, posição em que o cabo da antena não passa. Então como causar aquele aquecimento a ponto de o calor explodir o para-brisa? Se o raio tivesse entrado pelo para-brisa, como outros afirmam, a destruição não ficaria concentrada em apenas um lado do veículo, e o para-brisa teria se projetado para dentro do carro. O calor seria irradiado rapidamente por todo interior, e os plásticos estariam, no mínimo, retorcidos.
Outro fato analisado é que o raio parte de uma altura quilométrica em direção ao solo, e há situações do raio partir do solo para as nuvens. Se um carro estiver nessa trajetória, o raio não vai desviar e realmente pode atingir o carro. O carro está parcialmente isolado pela borracha dos pneus e há relatos de casos em que os pneus sofreram danos, fato não identificado na Ranger.
No caso da Ford Ranger os pneus estão intactos, assim como painéis de portas e outros materiais suscetíveis ao calor. Portanto, para onde foi a energia do raio? Morreu dentro do carro? Improvável!! Por que o calor gerado pelo Efeito Joule só aqueceu um lado do painel de instrumentos?
Todos nós já ouvimos os estrondos dos raios, e quanto mais perto de nós, maior é esse o estrondo. Ainda criança aprendi a contar o tempo (segundos) entre o raio luminoso e o estrondo, e ao multiplicar por 3 determina-se a distância da queda do raio em quilômetros. O vídeo em questão mostra apenas o relato do mecânico e em nenhum momento há relato do motorista contando sua experiência. Pelo menos não chegou até mim. Será que ele ficou temporariamente surdo com o estrondo do raio caindo no seu carro? Não sabemos.
Há relatos dizendo que o carro não teve propagação de fogo porque o motorista saiu do carro e fechou a porta. Errado!!! Não houve propagação do fogo porque os materiais internos são antichama, não deixam a chama se propaga. Parabéns à Ford e demais fabricantes que seguem as normas técnicas.
E aquelas duas garrafinhas de água mineral no console central, elas não deveriam estar danificadas pelo calor do incêndio dentro do carro? Mistério.
Causa-raiz
Tudo indica que algum equipamento elétrico instalado no veículo pode ter entrado em curto-circuito e propagando para o chicote elétrico do painel, causando o aquecimento e princípio de incêndio no carro. Incêndio que foi contido pelos próprios materiais antichama utilizado, visto que não há nenhum sinal de uso de extintor de incêndio.
Ao desligar a bateria do veículo, como foi visto em outro relato, cessou a alimentação elétrica ao curto-circuito, o que certamente corrobora com essa tese de que o curto-circuito é a causa-raiz, e não a energia elétrica do suposto raio.
Conclusão
Um carro ainda é um dos lugares mais seguros em caso de tempestade de raios. Os órgãos de defesa civil americanos, onde a possibilidade de raios irromperem em qualquer atividade ao ar livre que esteja acontecendo, recomendam ficar dentro de um carro com os vidros fechados, caso não haja um abrigo de alvenaria por perto. E nunca permanecer ao ar livre ou muito menos sob árvores e do lado de fora do veículo.
Portanto, em caso de tempestade de raios, se a visibilidade for boa e os pneus e demais itens de segurança estiverem em bom estado, pode seguir dirigindo e curtindo seu autoentusiadmo.
GB
Alexander Gromow colaborou nesta matéria.