Já contei aqui alguma vez que sou péssima em competições virtuais. Na verdade, mesmo em algumas reais, se são entre amigos, sou zero competitiva. Já fui andar de kart e consegui ficar várias vezes em penúltimo lugar — está certo que isso fez de mim a primeira colocada entre as mulheres, mas somente porque éramos duas. Quando há mais mulheres, costumo ser a primeira colocada, mas apenas depois de todos os homens o que, mesmo assim, me coloca no pelotão do fundo.
Vou pela farra e faço tudo aquilo que se a corrida valesse pontos num campeonato, não faria. Acelero sempre ao máximo, faço curva do jeito que gosto e não do jeito como deve ser feita para ganhar tempo, e por aí vai. Estou nessas baterias pela diversão e, claro, como não há maiores riscos, abuso da falta de noção. Sempre, claro, sem colocar em risco os outros e com risco pequeno para mim. Nunca capotei, por exemplo. Mas sempre saio de lado, e, às vezes, com uma ou duas rodas no ar.
Faço um pouco como nos carrinhos de bater dos parques de diversões. Tenho apenas um código: bato em quem já conheço ou em quem, na pista, bate em mim e demonstra curtir isso e não por maldade. Aliás, não sou nada competitiva no geral, mas isso fica mais claro nas corridas.
No mundo virtual sou ainda pior. Como não há mesmo nenhum risco, acelero a milhão, freio depois do limite, etc. Claro que meus números sempre foram péssimos e na época dos primeiros videogames quando pilotava uma nave espacial era sempre banida da frota estelar e, não raro, ia parar na corte marcial por não atingir as naves inimigas que deveria derrubar. Mas me divirto muito.
O problema é quando é para fazer time ou mesmo dupla, que ninguém quer ficar comigo. Já pensei em jogar alguma vez a sério, mas a estas alturas nem sei se consigo. Devo ter perdido qualquer habilidade que algum dia possa ter tido e acho que continuaria sendo dos últimos classificados.
Mas é claro que sou só eu. A maioria das pessoas normais leva games e simuladores bastante a sério, em especial pilotos de verdade. Aliás, a maioria deles a-d-o-r-a simuladores. Recentemente, Max Verstappen colocou um sofisticado simulador no seu avião particular. Na verdade, mais um, pois tem muitos em vários lugares. No Brasil, Tony Kanaan é um conhecido amante dos simuladores e tem uma verdadeira parafernália de última geração à sua disposição.
É fato que o gosto pelos simuladores aumentou muito depois da pandemia. Sem possibilidade de treinar ou de ter contato com outras pessoas, muitos pilotos (amadores e profissionais) se voltaram para essas engenhocas. Somado às restrições impostas pela Fórmula 1, que limitou treinos e acessos a tecnologia em geral, temos o caldo de cultura perfeito para o crescimento do segmento.
Provavelmente, o crescimento só não é maior por causa dos custos envolvidos. Os equipamentos para um simulador custam a partir de R$ 10.000, mas nesses casos o céu é o limite – chega-se fácil aos R$ 100.000. No caso dos games, os valores envolvidos são menores, mas o grau de sofisticação também é menor.
Um simulador consegue um grau de realismo que um game não tem. Além da perfeição das pistas (mapeadas e escaneadas nos mínimos detalhes), que incluem depressões, zebras e desníveis exatamente como as reais, as condições mudam à medida em que se anda e segundo forma como se anda. Os pneus sofrem desgaste dependendo da forma de conduzir de cada um, o volante fica mais leve em função dos pneus, os freios superaquecem, se desgastam, tudo é absolutamente como se se estivesse na pista real. Por isso os pilotos gostam tanto de simuladores.
O mercado vem crescendo e cada vez mais empresas se interessam pelas corridas virtuais. Hoje fabricantes de carros como Mercedes-Benz e Porsche patrocinam e incentivam competições virtuais de várias categorias – os chamados eSports. Os prêmios podem ser consideráveis e há um sem-fim de competidores no mundo inteiro.
Há um par de semanas, a 24 Horas de Le Mans virtual deu o que falar quando problemas da organização fizeram com que pilotos profissionais perdessem a liderança da prova depois de 17 horas – e estou falando de Max Verstappen. Imaginem treinar cinco meses, pagar 2.000 euros (11 mil reais na conversão direta) de inscrição, bancar duas equipes inteiras e a conexão ser derrubada do servidor por problemas da organização? E mais de uma vez.
Em outros anos, problemas de conexão dos servidores da organização deram problema com o mesmo Max, mas também com Fernando Alonso, entre vários outros pilotos. De positivo na edição 2023, a equipe em que estava o brasileiro Felipe Drugovich venceu a prova. O carro era do time Redline, que pertence ao próprio Max.
No Brasil, o piloto virtual Diego Acebedo coleciona troféus há 13 anos. Depois de uma breve carreira como piloto no mundo real, mergulhou totalmente no esporte virtual. Começou pilotando em consoles e jogando Fórmula 1 e Gran Turismo, onde conseguiu 26 troféus, entre primeiro e terceiro colocado. Cinco anos depois, partiu para os simuladores, onde se firmou.
Ele compete normalmente no IRacing, o sistema líder mundial em esportes a motor virtual. Ele obteve o terceiro lugar no campeonato de F-3 de IRacing de 2022, prova vencida por Will Power, piloto consagrado na Fórmula Indy real.
“Minhas corridas favoritas no mundo virtual são a Fórmula 3 e a Fórmula 4, mas no mundo real acompanho e gosto muitíssimo da Stock Car”, conta Acebedo. Ele tem um canal Twich e no Youtube e faz lives todo dia que são acompanhadas, ao vivo, por cerca de 60 pessoas diariamente e visualizadas por quase 1.000 por dia.
Uma das vantagens dos eSports em simulador é que podem competir pessoas de diferentes níveis. O IRacing, por exemplo, tem um IRating, uma classificação em pontos que permite que sejam criadas corridas com pessoas mais e menos experientes, sem que uns atrapalhem os outros. Os campeonatos costumam durar 12 semanas e a cada semana corre-se numa pista diferente, em grupos de acordo com o IRating de cada competidor.
Tem gente que ganha muito bem com essa modalidade de esporte, que inclui diversas ligas. O próprio Acebedo vive disso, dos campeonatos, dos cursos que dá e do trabalho dele como coach de pilotos virtuais. Fora o apoio das empresas que o patrocinam, algo também muito frequente e diversificado. No caso de Acebedo, há fabricantes de volantes para simuladores (WGF), fábrica de bases para direct drive (ZIUC Garagem), pintura de carros virtuais (Design Iamego), painéis para equipamentos de simulação (F3D Sim Racing) e empresa de recrutamento de pilotos virtuais (RPM Sim Tech Analytics).
Faz tempo que empresas de diversas áreas contratam pilotos como Acebedo e alugam simuladores com diversas finalidades, desde entreter clientes de áreas que nada tem a ver com automobilismo, até eventos específicos do segmento. Na exposição montada o final do ano passado em São Paulo para comemorar os 50 anos do Grande Prêmio do Brasil de Fórmula 1 na OCA do Ibirapuera, Acebedo montou um estande com simuladores para uso dos que passeavam pela amostra. Estava sempre cheio e havia fila.
O perfil dos interessados em jogar em simuladores é muito definido: geralmente homens, jovens (há bons pilotos de 13 anos de idade) e se dividem entre os “hobistas” e os “profissionais”. Os hobistas são aqueles que chegam em casa depois de um dia de trabalho e vão para o simulador para se divertir e competir com outros pilotos. Nem sempre são os melhores, segundo Acebedo, mas costumam ser tão apaixonados pelo esporte quanto os profissionais. Há pouquíssimas mulheres na categoria.
E quais são as pistas favoritas de Acebedo para correr num simulador? A resposta vem imediatamente: Le Mans e Bathurst (também conhecida como Mount Panorama, na Austrália). E quais são os pilotos do mundo real favoritos, de todos os tempos? Ayrton Senna, Niki Lauda, Emerson Fittipaldi e Nélson Piquet. Nada muito diferente dos favoritos de boa parte dos brasileiros, prova de que há muitos paralelos entre o mundo virtual e o real do automobilismo.
Mudando de assunto: mais uma piadinha infame, para não variar:
NG