Kart, veículo simples de quatro rodas, micro-monoposto de chassis tubular, peso médio de 120 kg e dotado de motor de dois ou de quatro tempos com arrefecimento a ar ou a água. Reconhecido como a porta de entrada do automobilismo, o kart moldou pilotos de destaque como Ayrton Senna, Émerson Fittipaldi, Rubens Barrichello, Nélson Piquet, Michael Schumacher, entre tantos outros.
Quem já teve a oportunidade de dirigir um kart sabe o que estou falando. Veículo de reações rápidas que faz curvas no acelerador e transmite toda a emoção de dirigir um carro de corrida. Sentado colado ao solo a sensação de velocidade é incrível, 80 km/h parece ser 200 km/h.
Bons tempos em que eu me divertia nos kartódromos da Granja Viana e/ou na Aldeia da Serra na Grande São Paulo. Eu sempre corria com kart com motor quatro-tempos de 13 cv. O peso do kart+ Meccia era de aproximadamente 200 kg resultando em uma relação peso- potência de 15 kg/cv. Se fosse com motor dois-tempos que pode chegar a 45 cv, essa relação cairia para 5 kg/cv, aproximadamente.
O foco desta história começa com o designer francês Claude Lobo (20/08/1943—03/06/2011) que ocupou várias posições de destaque nos estúdios da Ford Motor Company por mais de 30 anos. Participou em vários projetos de ponta incluindo o Ford Capri MK1, o Mercury Cougar MK7, o Focus MK1 entre outros. Foi pioneiro nos trabalhos de CAD (Computer-Aided Design) como auxílio no desenvolvimento de estilo veicular, sendo o Ford KA MK1 uma de suas criações mais carismáticas.
A filosofia do projeto do KA foi de ser um anti-Twingo, carro inteligente em conceito de aproveitamento de espaço e peso. Deveria ter uma aparência marcante e que não precisasse sofrer maquiagens (face-lifts) ao longo de sua vida. Na realidade, Claude Lobo odiava face-lifts, defendendo a tese de que o veiculo deveria se manter em sua originalidade até a sua morte.
Outra característica do KA seria o go-kart behaviour, com excelente dinâmica das suspensões e direção, reforçando também a sensação de ser divertido ao dirigir (fun- to-drive).
Lançado na Europa em 1996 no Salão de Paris, já nasceu com alma. Aliás, KA na linguagem egípcia significa espírito.
E nasceu com estrondo também: a Ford contratou uma banda de olodum cujo som tipicamente do Brasil ecoou por todo o Mondial de L’Automobile daquele ano. O chefe da banda era um brasileiro, mas o restante do (numeroso) grupo era inglês!
Para que a imprensa mundial pudesse experimentar o comportamento do KA foi escolhida a Sardenha com suas estreitas e sinuosas estradas.
O KA era bem levinho, pesando 960 kg em sua versão mais completa com direção assistida hidráulica, ar -condicionado etc.
Baseado na plataforma simples porém eficiente do Fiesta MK3 sem subchassi, o KA provocou reações diversas no público devido ao seu desenho futurista batizado de New Edge pela Ford. O desenho do painel de instrumentos com linhas arredondadas suaves e concordantes chamava a atenção por sua praticidade e era um dos destaques do carrinho. O relógio oval no alto do painel foi um must!
Outro ponto era a sua estabilidade notável graças ao trabalho de engenharia liderado por Richard Parry-Jones, especialista em dinâmica veicular da Ford. O desenho de balanços curtos resultou num baixo momento polar de inércia, um dos segredos de sua extraordinária agilidade.
O KA pecava por seu antigo motor Endura-E 1,3-litro totalmente em ferro fundido, com comando no bloco e válvulas acionadas por varetas, embora seu cabeçote fosse de fluxo cruzado.
Nos primeiros três anos de produção na Europa tinha pára-choques em plástico polipropileno preto fosco, sem pintura. Já no modelo 2000, os pára-choques eram pintados da cor do carro. Em 2003 foi lançado o modelo conversível, o Street KA, e em 2005 o Sport KA com motor Duratec 1,6 8-válvulas e 93 cv.
A segunda geração do Ford KA na Europa foi desenvolvida e produzida pela Fiat SpA. Isso mesmo, por incrível que pareça um Ford Fiat que ficou em produção de 2009 a 2014, e na Polônia, na fábrica Fiat na cidade de Tychy, vizinha a Cracóvia. a terra de Karol Vojtila, o papa João Paulo II .
No Brasil, o KA foi lançado em 1997, semelhante ao modelo europeu de 1996, também com motor Endura-E 1,0 e 1,3-litro.
Em 2000 o motor Endura foi substituído pelo moderno motor Zetec Rocam 1,0 e em 2001 veio a novidade mais esperada, o KA XR com o motor Zetec Rocam 1,6.
O KA XR 1,6 nasceu no Campo de Provas da Ford na cidade de Tatuí, fruto de uma “brincadeira” da engenharia. “Vamos fazer um foguetinho?”
E assim foi….
O KA XR foi feito da maneira antiga, o computador foi deixado um pouco de lado dando lugar ao feeling do engenheiro. Tudo foi feito no campo de provas, desde a construção do primeiro protótipo (working horse) até o desenvolvimento completo das suspensões, freios, direção, relações de marchas, sistemas de admissão de ar e escapamento, sistema de arrefecimento e uma nova calibração do motor.
– Radiador aumentado assim como sua ventilação forçada
– Freios dianteiros com discos ventilados e pinças maiores com pistões de 54 mm no lugar dos originais de 48 mm
– Suspensão dianteira com barra estabilizadora
– Sistemas de admissão de ar e escapamento revistos
– Molas, amortecedores, batentes e buchas desenvolvidas praticamente no processo de tentativa e erro em termos de cargas, dureza, constante de mola e curvas de amortecimento
– Direção assistida hidráulica com a assistência/resposta adequada para o novo comportamento dinâmico do veiculo
Quando o primeiro protótipo funcional ficou pronto, todo o time envolvido no projeto se reuniu para vê-lo e dirigi-lo nas pistas de provas. Foi um dia inesquecível!
O KA XR tinha um comportamento dinâmico excepcional, neutro nas curvas porém sensível ao acelerador. Tirava-se o pé e a traseira vinha comportadamente em oversteer (sobreesterço), dando aquela apimentada na tocada rápida de quem gosta de pilotar.
O motor de 95 cv com pico de torque a 3.000 rpm, somado à transmissão short ratios bem escalonada e curtinha, empurrava o carrinho com galhardia.
Os freios potentes com boa modulação de pedal complementava, o conjunto. Dava gosto de dirigir o KA XR 1,6!
Porém, nem tudo são rosas… Propusemos um novo quadro de instrumentos com velocímetro, conta-giros e marcadores de combustível e temperatura do motor analógicos, com ponteiro. Infelizmente o custo falou mais alto e a ineficiente lâmpada de alerta da temperatura do motor foi mantida.
E o KA XR 1,6 foi para produção no final de 2001, todo invocado com defletor traseiro continuando a linha do teto, rodas de liga leve com pneus 185/60R14 e aquele logo XR no final do acabamento esportivo do rocker panel (painel inferior).
“Um verdadeiro ícone está nascendo”, predizíamos. E aconteceu. Até hoje o KA XR 1.6 é lembrado com respeito pelos autoentusiastas como o “Kart da Ford”.
Em 2007 foi lançada a segunda geração do KA no Brasil, totalmente diferente da versão européia. Sua plataforma era uma mistura do Fiesta MK4 (BE91) e do Fiesta MK5 (BV256) com subchassi. Equipado com motor Rocam 1,6 flex, foi feita uma versão chamada de KA Sport que nada mais tinha a ver com o primeiro KA XR 1,6. Com suspensões voltadas para o conforto e com câmbio wide ratio voltado para economia de combustível, perdeu aquela característica esportiva. Já não poderia mais ser chamado de “Kart da Ford”, infelizmente.
Encerro esta matéria torcendo para que a Ford reinvente o New KA XR.
Motores, transmissões e tecnologia a Ford tem de prateleira. Basta querer!
CM