A semana passada marcou uma data (14, sexta-feira), em que muitos de nós, da imprensa especializada, perdemos um grande, literalmente grande (chegou a pesar mais de 100 kg), amigo, o Zampa. Ou Gordo para alguns.
Por isso, dedico a ele minha coluna desta semana.
Era um cara especial, muito especial e profissional de primeira linha, tendo trabalhado em vários órgãos da imprensa especializada, entre elas, Autoesporte, Speedway e Racing, onde foi editor e escrevia uma coluna na última página da revista. Isso sem contar várias assessorias de imprensa por onde passou. Tinha um texto primoroso.
E onde ele estava, havia muita história para se ouvir, muita risada para dar. Imaginem isso: certa vez, quando assessor na GM, convidei alguns jornalistas para um almoço, numa sexta-feira, no Rubaiyat (Alameda Santos). Lá estavam Reginaldo e Dinho, os Leme, Marco Antônio Lellis (que não é meu parente) e mais uns três ou quatro que não lembro mais. Achei que o Caio Moraes era um deles, mas ele disse que não (o tempo passa, não é?) e, claro, o Zampa.
Pois bem, chegamos entre 12h30 e 13h00. E a coisa toda começou e só acabou por volta das 20h30, e o Gordo tomou conta da “festa”. Mal dava tempo para apreciar a carne, pois não conseguíamos parar de rir. Cada história — que ele sempre garantia ser verdadeira — apenas com alguns “condimentos”, eram gargalhadas em profusão, incluindo as dos garçons, que não saiam de perto da nossa mesa.
Eles gostaram tanto, que alguns, após seu turno de trabalho, ficaram por perto, ouvindo as histórias do Zampa.
Uma delas eu conto no “Histórias & Estórias”, em que um jornalista aborda um ator de Hollywood, confundindo-o com um piloto da F-1.
Em outra, ele conta como foi para o Rio de Janeiro, sua terra natal, pilotando um Hofstetter, o mais veloz dos esportivos da época (foram cerca de 20 unidades produzidas, com motor 1,8 do GL GT e depois com motor 2,0, também VW).
Acontece que o carro tinha portas no melhor estilo Mercedes-Benz 300 SL “Asa de Gaivota” e isso “deu ruim” para o Zampa. Primeiro, porque na hora de pagar o pedágio, na Dutra, o vidro corrediço da janela não correu. Daí teve que avançar um, pouco para poder abrir a “asa”.
Vencido este problema, chegando ao Rio, ele para defronte da casa da sua querida avó, a porta não abria, o ar-condicionado não funcionava e o “Gordo” lá dentro, sem conseguir sair.
— Eu já estava me sentido um leitão, pronto pra virar pururuca.
Uma característica do Zampa era que, ao começar a contar suas histórias, virava os olhos (Azuis? Verdes? Não lembro, mas eram belos olhos.), olhando de “esguelha”, como se fosse revelar algo que estava no limite da verdade, será que você entende este olhar? Já viu algum assim? Se conheceu o Zampa, com certeza.
O carro gaúcho
Uma boa história foi contada pelo jornalista gaúcho, Renato Rossi, no “face” da querida amiga Luciana Povreslo, a quem o Gordo chama de “magrela”.
Ainda tenho na memória um amigo. Mas principalmente um cara de espírito vivo e histórias deliciosas que acabavam em gargalhadas. E Zampa não dava sorte no Rio Grande do Sul. Convidado a testar um carro esporte gaúcho¹ que até falava. Acho que era meados da década de 1990, Zampa pegou o belo bólido em Porto Alegre e foi testá-lo na Serra Gaúcha. Tudo a bordo era automatizado e falante no esportivo, numa época em que controles vocais em automóveis engatinhavam no primeiro mundo. Mas o gaúcho já oferecia comandos vocais. Abra a porta, ligar motor o sistema de som, o ar-condicionado, etc. Era um poderoso marketing para o fabricante. Lá estava o grande e corpulento Zampa no quente verão do Rio Grande do Sul. Em Gramado, Zampa circulou pela Serra e voltou para almoçar com executivos. Estacionou o carro e pediu:
— Por favor, abra a porta — e a porta não abriu. Repetiu muitas vezes. Sob o sol intenso, Zampa estava preso naquele habitáculo de plástico e fibra de vidro. Material que esquenta fácil. E ele suava litros. E tentava: “abre porta, baixa vidro. Pelo amor de deus, abre porta”. Nada se abriu.
Zampa dava socos nos vidros e ponta pés nas portas. Nada! Ele estava em cela de prisão de segurança máxima travestida de carro esportivo. Quando prestes a desmaiar, foi resgatado pelos bombeiros que arrombaram a porta. Zampa, ainda surpreso e assustado, aconselhou ao projetista do carro que o recepcionava em Gramado. “Da próxima vez bota uma maçaneta e deixa de frescura. Este carro é surdo, tchê!”
Se esta história e verdadeira só o Zampa sabe, conta Renato Rossi.
Uma outra boa história do Zampa nos é contada pelo Gabriel Marazzi, filho do querido Expedito, dos tempos em que ele e o Gordo, que foi seu primeiro mentor na profissão, em 1976, trabalhavam na Autoesporte. Eis o relato do Gabriel:
“A Revista Autoesporte aí ao lado foi às bancas em agosto de 1976. Nesse ano, devido à crise do petróleo, alguém no governo resolveu proibir corridas de automóveis no Brasil. Foi o caos. Os jornais publicaram manchetes de primeira página sobre o assunto, e a Autoesporte foi mais a fundo fazendo uma reportagem sobre as consequências dessa atitude nos meios automobilísticos. Para ilustrar a reportagem, resolveram fotografar um carro de corrida abandonado, cheio de pó. Por acaso, eu acabei assumindo a produção do carro, um Fórmula Super Vê, e para isso eu levei ao estúdio um pouco de talco, linha e uma aranha de estimação. De borracha, é claro.
Depois de horas montando a teia, espalhando o talco e finalmente colocando a aranha na carenagem, o responsável pela reportagem — um tal de Marcus Zamponi, um carioca gordo e irreverente que eu acabava de conhecer — achou que, além do carro abandonado, deveria haver um piloto desanimado lendo a manchete de um jornal que rolava pelo estúdio. Nele se destacava a frase “A Última Corrida”. Bem, como na hora havia apenas um macacão de competição por ali, e de tamanho pequeno, o tal do “Zampa” resolveu que era eu o escolhido. Com apenas 16 anos de idade, realmente eu era o único que cabia naquele macacão. Foram mais algumas horas de cliques e flashes, até que a foto ficou pronta. A pérola que o gordo soltou no final me marcou como “o dia que eu conheci o Zampa”. Ele disse: ‘É a primeira vez que alguém sai na capa de uma revista sem ter que …’ Bem, vocês imaginam o resto.
Depois desse dia, no entanto, conheci melhor o sujeito e fiquei seu amigo, assim como a maioria das pessoas que o conhecem. Principalmente depois de uma boa convivência como assessor de imprensa da Yamaha (e eu trabalhando na Revista Duas Rodas). Resolvi contar esta história porque, há pouco tempo, encontrando o Zampa em Interlagos, ele lembrou desse dia, depois de mais de 26 anos.
Duas curiosidades a respeito desse fato, na época: apesar de eu ter saído de corpo inteiro na capa da Autoesporte, que ficou o mês todo exibidas nas bancas, ninguém acreditava que era eu o tal piloto, o que me deixava muito irritado. De costas, realmente não tinha como me reconhecerem, e meu orgulho de “garoto da capa” ficou arranhado. Para tentar provar que era eu, peguei uma das provas da foto, amassada e borrada, e saí mostrando para todo mundo. A outra curiosidade é que, do dia da produção até a revista ir para as bancas, as corridas voltaram a ser liberadas, enfraquecendo a reportagem. Bem, é claro que eu não estava nem um pouco preocupado com isso…”
Impublicáveis
Muitas histórias contadas pelo Zampa são absolutamente impublicáveis, mas o que valeu nele, na sua passagem por nós, foi a sua enorme capacidade de fazer amigos, eu entre eles. Nunca ouvi falar de alguém que não gostasse do Gordo.
Por isso, repito, nesta coluna de hoje de “Histórias & Estórias”, resolvi prestar esta homenagem ao amado amigo que nos deixou há 10 anos. E, se você quer saber mais sobre o Zampa, quando encontrar um jornalista da velha guarda, pergunte quem era o Zampa. O Bob Sharp conviveu muito com ele.
Em tempo: a Luciana Povreslo, que trabalhou um bom tempo com ele, na Speedway, garante que os olhos deles eram verdes.
¹O carro gaúcho era um Miura X8
CL
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