Nesta semana vários jornalistas falam sobre “seu” Salão do Automóvel de São Paulo:
O dia em que choveu revista no Anhembi
Isabel Reis, jornalista e diretora-geral da Motor Mídia Editora
Era o Salão do Automóvel de 1994, no espaço de exposições do Anhembi, SP. A revista Carro, que pertencia a mim e ao jornalista Sérgio Quintanilha, estava comemorando um ano de existência e nós aproveitaríamos o evento para fazer promoção, tornar o título mais conhecido.
Entretanto, o espaço cedido para o estande ficava em cima de um mezanino, bem escondido. Quem iria subir lá para conhecer o produto? Pois é, ninguém. Estava sendo um tédio ir ao Salão, ver todos aqueles lindos estandes lotados e a gente olhando lá do alto.
Até que alguém teve uma ideia: e se jogássemos as revistas para o público que passava no corredor, ali embaixo? Foi o aconteceu! Começamos a jogar as revistas, com cuidado, claro, para não acertar a cabeça de um possível consumidor. Sucesso total. As pessoas paravam e gritavam para mandássemos uma revista via aérea para elas.
A organização não foi muito favorável à ideia. Falaram que assim não podia. Mas tudo foi resolvido com o bom-senso: a revoada de revistas seria só algumas vezes ao dia. Sem dúvida, um salão inesquecível, em uma época em que as coisas eram mais românticas!
Com certeza, ele só não foi no primeiro
Gabriel Marazzi, jornalista e editor da revista Cultura do Automóvel
Eu não estava no primeiro, em 1960, pois com pouco mais de um ano de idade atrapalharia a visita do meu pai, Expedito Marazzi, um entusiasta dos carros. Não tenho certeza se fui no segundo, em 1961. Mas, na terceira edição, em 1962, lá estava eu xeretando tudo e colecionando folhetos. Foi lá que vi o DKW-Vemag Fissore, que depois foi para o quintal da minha casa, para teste da revista Quatro Rodas.
A partir daí, com o Salão apenas em anos pares, virou uma rotina: meu pai ia cobrir a mostra sozinho e depois levava a família. Qual foi o melhor Salão do Automóvel? Não sei dizer. Para mim, todos, apesar de que alguns deixaram um gostinho especial. Como aquele de 1966, em que a Willys montou um enorme “computador” para responder às perguntas dos coitados que ficavam muito tempo em uma enorme fila. Aliás, acho que essa era a maior diversão dos visitantes, entrar em filas, às vezes nem sabendo do que se tratava, mas sempre na esperança de receber um brinde.
Fiz uma pergunta idiota e recebi, do computador, uma resposta idiota. “Qual foi a produção do Renault Gordini?” A pergunta eu lembro, mas a resposta, um número qualquer, não. Deveria ter feito uma pergunta melhor, como, por exemplo, qual era a potência do motor do Gordini. Só para ver se aquela máquina sabia a resposta, pois essa eu já tinha decorado: 40 HP de emoção!
E ele nem estava nos salões
Jorge Meditsch, editor do site Autoestrada
Pode parecer estranho, mais os salões do automóvel que mais me marcaram foram os que não vi pessoalmente.
Comecei a me interessar por automóveis na adolescência, lá por 1965. Eu morava em Porto Alegre e acompanhava as novidades da indústria e das pistas pelas revistas mensais — na época praticamente não havia cobertura do setor nos jornais de lá.
As matérias sobre os salões eram o grande destaque do ano. Traziam novos modelos, protótipos, especulações e muitas luzes e brilhos. E, claro, me deixavam com muita vontade de estar no próximo, o que nunca tive condições de fazer.
Acabei me mudando para São Paulo em 1982 e, inicialmente como fotógrafo, passei a cobrir salões depois de um ou dois anos. Perdi algumas edições importantes no início dos anos 90 por estar nos Estados Unidos, cobrindo a Fórmula Indy. Mesmo assim, estive muitas vezes no Anhembi e, mais recentemente, no São Paulo Expo, que apesar de ser um lugar legal, não tem o mesmo clima.
Não sei a quantos salões compareci, mas eles sempre foram ocasiões importantes, tanto pelo que era apresentado como pela oportunidade de convivência com os colegas e com o pessoal da indústria, especialmente em conversar informais nos finais de tarde. Mesmo assim, os que mais curti na vida foram os que não passavam de um sonho fascinante e distante.
Ela acompanhou a evolução da Comunicação
Elisa Sarti, jornalista especializada no setor
Que a tecnologia disparou nos últimos anos não é novidade para ninguém, mas vou mostrar um pouco de como acompanhei esse avanço ao longo dos anos nas coletivas de imprensa do Salão do Automóvel de São Paulo.
Nas primeiras coletivas de que participei, isso há mais de 20 anos, os materiais com informações dos lançamentos das marcas para os jornalistas especializados em automóvel eram os famosos “press kits”, que incluíam textos em papel, fotos em papel e fitas de vídeo (formato U-Matic), entregues aos jornalistas juntamente com blocos para anotações e canetas para anotarem as entrevistas. E vou ser bem sincera, cada press kit era bem pesado e era preciso pegar vários, praticamente em todas as coletivas. Por isso, a procura pelo chamado “Jabá Móvel” — carrinho que algumas fabricantes ofereciam aos jornalistas para ajudar a carregar todo aquele material — era muito grande, formavam-se até filas para pegar um carrinho.
Mas depois de alguns anos, carregar todo esse peso nas coletivas acabou. Como? Graças ao avanço da tecnologia, todo aquele material começou a ser substituído pelos pen drives — um dispositivo pequeno e portátil, usado para armazenamento e transferência de arquivos entre dispositivos.
Geralmente eles eram entregues pelas fabricantes em um cordão que levava o logotipo da marca, e aí, haja pescoço para perdurar tantos pen drives.
Mas a tecnologia não parou, e dos pen drives a informação passou a estar nos sites de imprensa dos fabricantes de automóvel. Nas coletivas do Salão, o jornalista, no máximo, recebia o endereço do site em um cartão, tipo aqueles de visita. E os bloquinhos e canetas? Que fim levaram? Esses foram substituídos pelos notebooks e celulares.
E hoje a nuvem está aí para guardar todas as informações necessárias.
E essa evolução do formato do material para a imprensa foi uma das minhas experiências que vive nos meus muitos anos que participei, primeiro como jornalista e depois como assessora de imprensa, no Salão do Automóvel, em São Paulo.
Meu salão do automóvel inesquecível
João Mendes
O dia 24 de outubro de 1996 foi o da abertura da 19ª edição do Salão Internacional do Automóvel de São Paulo, no Anhembi. A abertura dos portões para o público foi às 14 horas enquanto ainda estavam em andamento as coletivas de imprensa. Nesse momento havaria a coletiva da Volkswagen, que encaminhou a imprensa para o mezanino do seu estande. Eu estava sentado numa mesa logo na entrada com os jornalistas Mario Patti, Ivan de Oliveira e o saudoso Roberto Nasser. O mezanino estava lotado, acredito que deviam ter umas 200 pessoas, todos esperando o vice- presidente de Vendas e Marketing da Volkswagen, Miguel Barone, que faria a apresentação das novidades da marca no evento. De repente vejo Barone chegar e me levantei para cumprimentá-lo. Neste momento senti o chão tremer e logo desabar. Era 14h40, começaram os gritos, as pessoas ficaram amontoadas umas em cima das outras. Não foi pior porque embaixo do mezanino tinha um Volkswagen Polo que apoiou parte do piso que desabou, mas o resultado apontou 30 feridos com 23 dando entrada no Pronto Socorro de Santana, mas sem muita gravidade. Foi tenso, mas no dia seguinte dei uma boa risada ao ver a manchete na capa do jornal Notícias Populares. O título era mais ou menos o seguinte: “Caiu o barraco da Volks”
Para este, o desabamento também foi inesquecível
Roberto Costa, jornalista especializado do setor
O ano era 1995 e mais uma vez eu estava diante da então maior festa da indústria automobilística nacional que, com muita pompa, mostrava seus lançamentos e atualizações além dos modelos importados que ainda estavam demarcando seus espaços no país.
Mas o Salão do Automóvel de 1995 teria um forte ingrediente difícil de esquecer e, infelizmente, não era nenhum novo modelo mas um acontecimento que por pouco não se transforma em tragédia, o desmoronamento do estande da Volkswagen.
Com um mezanino preparado para receber até 200 pessoas com pouco mais da metade não suportou o peso e ruiu e por pouco não tragou vidas que foram salvas exatamente por automóvel exposto logo abaixo que absorveu a estrutura e seus ocupantes.
Alguns machucados, mas nenhuma vítima a muito lamentar. Eu estava bem no centro do andar superior e além do susto e de ajudar a socorrer alguns colegas, saí ileso.
O Salão e a saudade da Camilinha e do Caio
Luiz Carlos Secco, o mestre de todos nós
Salão do Automóvel sempre foi uma festa pelo entusiasmo que provoca, com novos carros exibidos que incorporam avançadas tecnologias adotadas ou desenvolvidas ao longo de meses ou anos por engenheiros, físicos, designers, artistas e outros profissionais competentes.
Em cada salão o público toma conhecimento dos novos carros e surpresas que os tornam mais resistentes, duráveis, confortáveis, econômicos, velozes e seguros para encantamento dos que tiverem o privilégio de desfrutar das modernidades que as indústrias introduzem.
Nós, que apreciamos os carros, estamos saudosos porque a pandemia nos impediu de praticar o exercício de ver, admirar e até desfrutar da oportunidade que as fábricas proporcionam de entrar nos carros, receber informações e planejar a próxima compra.
O publicitário Caio de Alcântara Machado foi o rei do espetáculo, ou melhor, dos espetáculos que criou e com eles revolucionou o cenário econômico do País com estratégias inovadoras para as empresas.
A cada evento promovia um dia especial para a Imprensa e, junto com Camilinha Cardoso, sua secretária, dava aulas de recepção aos jornalistas com um almoço comemorativo com muita elegância e cordialidade, que transmitiam o sentimento de que eram verdadeiramente importantes.
Pela saudade e respeito que sinto das aulas de delicadeza e elegância que Caio e Camilinha sempre dedicaram aos jornalistas, presto homenagem a eles porque todos os salões são maravilhosos e o que difere um do outro é o sentido da valorização dos profissionais que ninguém até hoje igualou-se a esses dois excepcionais empreendedores.
Ele esteve em todos
Bob Sharp, editor-chefe e publisher do site AUTOentusiastas
Meu interesse por automóvel começou cedo, início da adolescência, 1952/1953. Lia tudo o que havia nos jornais e revistas da época. Sempre havia notícias sobre salões de automóveis.
Com alegria eu soube que haveria um salão do automóvel em São Paulo em novembro de 1960 e, claro, viria visitá-lo. O mesmo no salão seguinte e não perdi nenhum até o trigésimo e último, em 2018. No exterior, estive em vários: Genebra. Frankfurt, Paris, Detroit.
Mas nenhum salão me impressionou mais do que o segundo aqui, em 1961, ao me deparar com um pequeno e maravilhoso grã-turismo de dois lugares de nome Willys Interlagos berlinetta, desenhado pelo carrozziere italiano Giovanni Michelotti e fabricado no Brasil
Chamou minha atenção também o fato de sua mecânica ser Renault com motor traseiro de 4 cilindros de 845 cm³, 904 cm ³ ou 997 cm³. Parecia sonho haver algo tão atraente produzido aqui.
Quando vi o carro senti meu batimento cardíaco aumentar. Fazia dias que eu completara 19 anos e fiquei extasiado diante do cativante estilo cuja carroceria não era de aço, mas de um novo material ainda na infância, o plástico reforçado com fibra de vidro.
Fiquei ali parado admirando-o por longo tempo em meio aos empurrões e cotoveladas dos que também queriam ver de perto a novidade no estande da Willys-Overland do Brasil, que o fabricava sob licença da Alpine, um pequeno fabricante francês com fortes relações industriais com a então estatal Renault. Aquele momento permanece indelével na minha memória
O Salão que alavancou sua carreira
Marcondes Viana, publisher e criador da revista CHIC, Automóveis e Sociedade
Me perguntaram sobre qual foi o Salão do Automóvel que mais me marcou nestes 58 anos de militância na imprensa automobilística. Foi o V Salão do Automóvel , realizado no Ibirapuera, em São Paulo, em 1966 e que coincidiu com as comemorações dos 10 anos da indústria automobilística brasileira.
Tinha 19 anos e escrevia notícias sobre automóveis em meia página do jornal Tribuna do Ceará (hoje não existe mais) e claro que houve um cerro deslumbramento ao atender o convite da Ford, para participar do lançamento da grande estrela do salão, o Ford Galaxie 500, seu veículo de maior requinte e qualidade de acabamento, além de muito conforto e ótima dirigibilidade.
A publicação sobre no Salão marcou uma nova era. Passei a ser editor e assinar uma página semanal, que ao longo do tempo foi se transformando em duas, até chegar a um caderno, com 12 páginas, nos anos 80/90, no Diário do Nordeste.
O Salão do Caio
Boris Feldman, publisher do AutoPapo e do Vrum
Tudo que é diferente chama a atenção, surpreende e até extasia. Foi o caso do Salão do Automóvel de 1986: as fábricas de automóveis (Anfavea) decidiram não participar de sua 14º edição pois estavam em briga com o governo que tinha lançado o Plano Cruzado e tabelado os preços dos carros. “Se estamos em dificuldades financeiras, não há como investir num evento tão caro como o salão” foi a explicação das fabricantes..
O incansável e teimoso Caio de Alcântara Machado, que organizava o salão desde sua primeira edição (1960) não teve dúvidas: foi aos Estados Unidos, comprou 59 automóveis das marcas mais diferentes de lá mesmo, da Europa e de países asiáticos. Como a importação era proibida (só foi liberada quatro anos depois), ninguém conhecia os modelos mais recentes expostos das norte-americanas Ford, GM e Chrysler, além de europeus como Ferrari, BMW, Alfa Romeo, asiáticos (Honda, Hyundai) e outras. As pequenas fabricantes nacionais de esportivos, bugues, jipes e edições especiais (como a SR) também marcaram presença no pavilhão do Anhembi.Caio.
Caio trouxe os carros como importação temporária, para devolvê-los depois e comercializá-los como usados, perdendo uma boa soma com sua depreciação. Mas, se não alugou nenhum estande para as fábricas (única exceção foi a Gurgel), faturou horrores na bilheteria, pois o público compareceu em massa para conhecer o primeiro salão que mostrava novidades de fato que jamais tinham visto em nossas ruas. Até então, o brasileiro só sabia de automóveis da Fiat, GM, Volkswagen, Ford e Alfa Romeo. E se extasiaram diante de Ferrari, BMW, Cadillac, Lincoln, Corvette….
Além do mais, a Alcântara Machado ainda provou para a Anfavea ser capaz de organizar um salão que as fabricantes jamais imaginariam….
O Salão do Caio II
Vicente Alessi Filho, editor da Autodata
Nunca senti tão forte a defasagem da indústria brasileira de veículos como naquele outubro de 1986, logo depois de deixar Quatro Rodas e chegar à revista semanal Senhor – e foi exatamente no Salão do Automóvel de São Paulo daquele ano.
A indústria, por meio da Anfavea, queria ser isentada de pagar os custos de contratação de área sob a alegação de, digamos, semi-insolvência, e a Alcântara Machado, então promotora do evento, não aceitou – “Não bancaremos custos de empresas multinacionais”, me disse Caio de Alcântara Machado.
Ele providenciou a importação de 54 carros, alguns de sonhos e muitos que poderiam estar rodando por aqui mesmo, produzidos aqui mesmo. E que baita diferença!!!! Nunca concordei com pontos de vista de um certo ex-presidente que renunciou para fugir ao impeachment, mas ele tinha razão: era muita carroça!
O Salão do Caio III e mais desabamento da VW
Antônio Fraga, editor do Sport Motor
Salões do Automóvel em todo o mundo são espetaculares: dezenas de milhares de pessoas vão para ver os veículos que só vão ver ali. Ver adultos e crianças com os olhos brilhando ao ver os carrões não tem preço. Marqueteiros dizem que hoje os salões não geram mais interesse, o que penso é coisa de maluco, porque salão sempre atrai público.
Mas o meu primeiro Salão do Automóvel, como profissional do setor automobilístico, em que atuo há 35 anos, foi aquele de 1986. E foi diferente. Uma briga entre a Anfavea, entidade que representa as fabricantes e o organizador, Caio de Alcântara Machado, fez com que as quatro grandes cancelassem a participação no evento. O motivo da briga foi o Plano Cruzado que, segundo as fabricantes, estava gerando um grande prejuízo (como se as fabricantes algum dia tiveram prejuízo).
Na época as importações ainda eram proibidas e a organizadora conseguiu a autorização e trouxe 59 carros dos EUA. Foi fantástico, pois desde 1976 os brasileiros não viam um automóvel importado. Junto, algumas empresas de veículos fora-de-série, como a Miura. Foi maravilhoso.
Todos foram marcantes, importantes e geraram muitas histórias. Mas o mais marcante foi em 1996 quando o estande de dois andares da Volkswagen desabou com centenas de jornalistas e “jabazeiros” no interior. O estande estava lotado para a coletiva e um dos destaques do ano era o Polo Sedã (oh, tristeza). Em meio a toda aquele tragédia vi alguém dizer que aquele havia sido o primeiro crash-test de jornalistas…
CL
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