Desta vez, a minha história é com duas, e não quatro rodas. Muitos de nós, autoentusiastas,, também temos paixão pelas motocicletas, somos motoentusiastas. E comigo não é diferente. Talvez porque, tanto na infância quanto na adolescência, eu tenha convivido com os dois tipos de veículos.
Aprendi a pilotar motos, na mesma época em que aprendi dirigir carros, por volta dos 11 anos de idade. A primeira motocicleta que pilotei na vida, foi uma Suzuki A50 II 1974 (foto de abertura, ilustrativa), do meu irmão Omar. Seu motor era de 49 cm³ e desenvolvia 4,9 cv a 8.500 rpm, câmbio de cinco marchas, peso (seco) de apenas 73 kg. Contudo, a cinquentinha do meu irmão certamente apresentava relação peso-potência melhorada, pois estava aliviada de peças “desnecessárias”, tais como farol, lanterna, para-lamas, piscas, retrovisores e painel de instrumentos.
Para otimizar o desempenho, aquela Suzuki A50 era equipada com um escapamento dimensionado que proporcionava um ronco característico e que exalava o cheiro inconfundível de óleo Castrol M50 resultante da combustão daquele pequeno motor dois-tempos. Além do peso aliviado da moto, aquele motorzinho, que meu irmão jurava ser original, tinha algum tipo de “veneno”, o que fazia daquela cinquentinha parecer um moto de competição.
E assim, no início da minha adolescência, entre 1981 e 1983, não havia um final de semana que eu não passava pilotando alguma motocicleta. Uma delas, era a Honda CG 125 1982 cor branca (câmbio de 4 marchas para baixo) do meu cunhado Du, na época noivo da minha irmã Cristina. Sistematicamente, todos os sábados, o meu programa era lavar a CG e depois pilotar por duas ou três horas por todo o bairro de Santa Rosália em Sorocaba, onde morávamos.
Aquelas tardes de sábado eram muito legais. Além da moto, eu e meu irmão Omar aproveitávamos para lavar os carros da nossa casa: o Chevette 1977 dele, o Fiat 147 1981 da minha mãe) e a Caravan Comodoro 1980 do meu pai. Muitas vezes, a frente de casa ficava repleta dos carros e motos dos amigos do meu irmão — Maverick, Dodges Dart e R/T, Opala, Fusca, Galaxie, Hondas CB 500F, CB 750F. Aparecia de tudo lá.
Contudo, a experiência mais significativa, no âmbito das duas rodas naquela época foi com a lendária motocicleta Montesa 250 H6 do meu irmão mais velho, o Otávio. Era incrível dominar aquela moto, que era própria para a prática do off-road, fabricada na Espanha. Inclusive meu irmão foi o primeiro a adquirir uma Montesa quando começaram a comercializá-la em Sorocaba, rendendo até uma nota no jornal Diário de Sorocaba.
Conhecida como puro-sangue espanhol, seu motor era um monocilindro dois-tempos de 246,3 cm3 arrefecido a ar com potência de 34 cv a 8.000 rpm. O câmbio de 6 marchas bem curtas ajudava a garantir uma aceleração impressionante para a época: 0-100 km/h em 10 segundos. Também, era muito leve. em torno de 110 kg, ou seja, uma ótima relação peso-potência de 3,2 kg/cv, principalmente quando conduzida por pilotos não muito pesados, como 70 kg, em que nesse caso a relação peso-potência “piorava” para 5,3 kg/cv apenas.
Como se tratava de uma motocicleta com vocação para uso fora de estrada, sua condução na cidade era difícil, pois originalmente não eram equipadas com espelhos retrovisores, setas, bem como o sistema de iluminação era fraco (dínamo) e o consumo de combustível muito elevado (em torno de 12 km/l) e, ainda, acionar o pedal de partida exigia um bom nível de força na perna direita, pois a taxa de compressão era muito alta. Não era raro o pedal de partida retornar com muita força e machucar a perna dos mais desavisados.
Independente dessas limitações era fantástico pilotar essa moto, especialmente aos 13 anos de idade, acelerando pelas avenidas sem capacete, com toda a liberdade que os anos 1980 permitiam aos jovens. Impensável e até irresponsável nos dias de hoje, mas admissível dentro do contexto da transição dos anos ’70 para os ’80.
Naquele tempo, no meu bairro Santa Rosália, em Sorocaba, havia aos domingos à tarde uma grande concentração de jovens ao longo da av. Pereira da Silva. Os rapazes, garotas, carros, motos e bicicletas, se misturavam pela avenida, principalmente no trecho entre a praça Pio XII e o Estádio Municipal Valter Ribeiro. Impossível descrever a sensação de pilotar a Montesa H6 por essa avenida, deixando para trás nas arrancadas quase todos os carros da época como Fusca, Brasília, Passat, Puma, Chevette, Maverick, Opala, Corcel II, Fiat 147, Dodge Polara e tantos outros ou ainda a maioria das motos como, Honda CG 125, Honda ML 125, Honda Turuna 125, Yamaha RX 125 e 180, Yamaha DT 180, Honda XL 250…
Mesmo após tantos anos, é possível, ao fechar os olhos, ainda lembrar perfeitamente do som do escapamento, da brutalidade da aceleração, velocidade e torque, do cheiro de óleo dois-tempos, do vento no rosto e, sobretudo, da beleza singular desta rara motocicleta com as cores da bandeira espanhola.
Além da Montesa 250H6, ainda em 1982, fui privilegiado por ter tido a oportunidade de pilotar a novidade Yamaha RDZ 125, lançada no início daquela década, que chamou muita atenção dos jovens. Até a sigla RD Race Developed (Desenvolvida em Corrida) já transmitia uma sensação de velocidade, somente ao pronunciar aquelas letras. A RDZ era de um grande amigo meu, Gustavo Caracante, que estudava na minha classe no colégio.
Uma vez por semana, após a aulas, o Gustavo, que era um excelente adestrador de cães, trabalhava no adestramento de um pastor alemão, cujo proprietário morava próximo da minha casa. Assim sendo, como ele sabia que eu era fissurado em motos e especialmente naquela Yamaha, ele deixava a moto em minha casa enquanto ia trabalhar e me autorizava a dar umas voltas no bairro com sua fantástica RDZ 125 vermelha 0-km, convertida para álcool pelo lendário mecânico Cid, de Sorocaba.
Sem dúvida, aquela motocicleta era um primor de design, exalava esportividade, com uma posição de pilotar fantástica. O tanque de combustível de 16 litros era uma escultura e o painel de instrumentos, lindo. Além da beleza, era uma moto muito rápida. Porém, numa daquelas tardes eu cai com a motocicleta do meu amigo. Não foi nada grave, apenas alguns “ralados” e o prejuízo.
Contudo, após essa fase, até talvez até por eu ter sofrido aquela queda, eu comecei a me interessar mais pelos carros e, curiosamente, eu nunca comprei uma motocicleta.. No entanto, permaneci de alguma forma apreciando as motocicletas, pelas reportagens e acompanhando os amigos, mas não mais pilotando.
Na verdade, após 1983 eu pilotei apenas mais algumas vezes na minha vida, sendo a última delas uma Yamaha DT 200 no início dos anos 1990. Contudo, essa história mudou neste Natal, e, como se fosse um presente do Papai Noel, o universo colaborou para eu relembrar como era pilotar uma motocicleta. E não foi em uma moto atual “qualquer”, foi realmente em grande estilo e justamente, o reencontro foi com uma Honda CG 125 1982 cor branca, idêntica à do meu cunhado Du, a qual eu havia pilotado mais de 40 anos atrás.
Tudo começou, quando fomos passar o Natal na casa da minha sobrinha Isabel em Sorocaba que havia se mudando há pouco tempo, para uma casa na av. Pereira da Silva em Santa Rosália, ou seja, na mesma rua em que eu costumava passear de moto quando adolescente. O marido dela, Leandro, embora jovem, é um rapaz que curte carros e motos antigas (inclusive, ele tem um Fusca 1969 e um MP Lafer) e alguns meses atrás ele comprou uma CG 125 1982 cor branca idêntica àquela do meu cunhado (já falecido) que por sinal era o pai da Isabel. Uma combinação de incríveis coincidências!
Logo ao chegar à casa, ainda antes do almoço de Natal, o Leandro, obviamente, foi me mostrar a CG que estava estacionada na garagem, há pelo menos uns 50 dias sem ligar.
Foi emocionante ver aquela moto, até porque a minha memória afetiva em relação as motocicletas foi construída em cima das motocicletas de 1980 a 1983. Ele deu a partida e na segunda tentativa a “CGzinha” ligou, falhando um pouco por conta do tempo parada, mas, com aquele típico ronquinho do escapamento. Meus olhos já estavam brilhando e aí ele me ofereceu a CG para dar uma volta!
Eu não pilotava uma moto há mais de três décadas, mas não tinha como não aceitar! Principalmente, naquele cenário único. Eu talvez nunca mais tivesse uma outra oportunidade, de pilotar um moto igual à que eu pilotava aos 13 anos de idade e ainda na mesma rua!
Acionei a embreagem engatei primeira marcha e coloquei a CG 125 em movimento, confesso que um pouco inseguro pelas várias décadas sem pilotar uma moto. E embora, mesmo com o motor falhando por conta da carburação, eu me integrei rapidamente a Honda e foi como eu nunca tivesse parado um dia sequer de pilotar uma moto… Que sensação boa!
Naquela tarde quente me senti como se tivesse 13 anos novamente. Nada é capaz de proporcionar sensação semelhante, ao não ser as motocicletas e carros antigos. Após alguns metros o motor falhou e ficou sem potência… Pensei comigo “ah não, isso não pode durar tão pouco”. Acionei a partida algumas vezes e o motor não “firmava”, mas, na quarta tentativa pegou novamente e após algumas aceleradas ‘limpou” e assim pude, de fato, completar aquele passeio inesquecível percorrendo toda a avenida e passando em frente da casa onde eu morava e aos locais que eu costumava parar para conversar com os amigos.
Enfim, foram apenas alguns minutos, mas foram mágicos. Agradeço ao meu sobrinho Leandro por me proporcionar tudo isso. Realmente, Papai Noel existe!
Que em 2024 todos nós possamos viver momentos únicos como este.
Marcelo Conte
Jundiaí – SP