Há poucos dias, meu amigo Rodrigo de Losso me chamou a atenção para uma notícia que só ganharia mais espaço um tempo depois: a polícia da cidade canadense de Toronto havia recomendado que as pessoas deixassem as chaves de seus carros perto da porta de entrada de suas casas (mas do lado de dentro), para evitar mais violência por parte de ladrões. “Eles só querem seus carros”, disse o policial Marco Ricciardi, que acabou ficando involuntariamente famoso (foto de abertura). Ricciardi disse isso para que, em caso de arrombamento, os ladrões não ferissem pessoas.
Pessoalmente, adoro os canadenses e sua incrível pacificidade. Exceto quando estão num rinque de hóquei no gelo (nesse caso parecem tomados por uma entidade do além, tamanha a competitividade e até mesmo a agressividade), são tão, mas tão do bem que parecem fazer parte de um conto de fadas. Mas mesmo para eles esta recomendação me pareceu um pouco demais — e não apenas a mim. Os próprios canadenses fizeram memes e brincadeirinhas sarcásticas com a tal recomendação da polícia.
O primeiro-ministro de Ontário, cuja capital é, justamente, Toronto, também fez piada e um paralelo com Papai Noel: “Poderíamos também deixar biscoitos e leite na porta da frente junto com um bilhete: ‘Caro sr. Criminoso, as chaves estão na caixa de correio, não chute minha porta.” Assim como outras pessoas e autoridades, Ford disse: “Embora bem-intencionados (os policiais), também existem outras maneiras de evitar invasões domiciliares motivadas por roubo de automóveis”. (Grupo Independente)
Pouco tempo depois, com a reação extremamente negativa de todos os segmentos da sociedade, a polícia de Toronto emitiu outro comunicado — agora sem o pedido para os moradores facilitassem a ação dos criminosos — com algumas recomendações de instalação de equipamentos antifurto nos veículos. Entre elas, aconselhavam colocar películas escurecidas nas janelas, travas adicionais nas portas e sugeriam que as pessoas evitassem publicar nas redes sociais informações sobre viagens nos finais de semana, durante os quais a casa estaria vazia, bem como, se possível, procedessem à instalação de câmeras de segurança e alarmes nas residências.
É claro que fui pesquisar números para saber o motivo de tanta celeuma e, sim, são preocupantes. Apenas em Toronto mais de 12.024 veículos foram roubados em todo 2023, o que representou um aumento de 24,4% em relação ao ano anterior, que já havia subido 45% em 2022 comparado com 2021. Já as invasões domiciliares para roubo de veículo subiram 300% no último ano.
Mas o aumento no número de roubos não é apenas deste ano nem atinge somente Toronto. Só em 2022, o número de carros roubados quase dobrou nas províncias de Ontário e Quebec e aumentou um terço em Alberta e 20% na região do Canadá Atlântico. Os prejuízos financeiros com isso chegam a 1 bilhão de dólares canadenses anuais (US$ 740.000.000). O modelo mais furtado tem sido Honda CR-V, mas, na verdade, há uma enorme variedade de marcas e modelos.
Michael Rothe, presidente e executivo-chefe da Associação Canadense de Finanças e Leasing, afirma que a grande maioria dos roubos é orquestrada pelo crime organizado, que utiliza os lucros para financiar atividades ilegais como o tráfico de drogas e de armas. No início de 2023, a organização divulgou um relatório que dizia que um carro é roubado a cada seis minutos no Canadá. “Os roubos de automóveis eram graves no início da pandemia e só pioraram”, disse Rothe em entrevista a um jornal canadense. Faz sentido o que ele diz. Durante a pandemia, menos pessoas utilizavam o transporte público e houve um aumento real na demanda por veículos, daí a elevação no volume de roubos.
Uma explicação que também faz bastante sentido para o elevado volume de roubos em Ontario e Quebec é o movimentado porto de Montreal, considerado “poroso” e frouxo no controle à exportação de veículos, o que facilita a saída de carros roubados. No porto há apenas cinco fiscais para controlar 2.100 contêineres que saem do porto diariamente. Paralelamente, começou também um debate sobre as penas atuais para roubo e furto de veículos – 68% dos condenados cumprem uma pena de seis meses ou menos.
Ideologicamente, a iniciativa de Ricciardi me incomodou muito, pois tenho um sério problema com este conselho: a polícia, em vez de fazer seu trabalho de prevenir e combater crimes, culpa as vítimas. Mas também vi vários outros problemas. Tenho certeza de que uma seguradora poderia se recusar a pagar o seguro de um veículo furtado nessas condições pois teria havia uma óbvia facilitação. É diferente você entregar a chave quando está sendo ameaçado, com uma arma ou com um bastão, outra coisa é já deixar, antecipadamente, a chave na mesinha ao lado da porta para não ser incomodado pelo ladrão. Além, só de escrever e reler isto a frase me parece completamente absurda.
A polícia canadense já está adotando uma série de medidas para combater estes roubos e anunciou a volta das equipes especializadas em roubo e furto de veículos, que haviam sido desmanchadas anos atrás quando o crime havia sido praticamente zerado. Enquanto isso, todos pagam mais caro, pois as seguradoras aumentam os valores dos prêmios para todos, pois o aumento no volume de sinistros obriga a cobrir essas perdas. As companhias também passaram a exigir de seus segurados que eles colocassem mais e mais novos dispositivos antifurto em seus veículos.
Mudando de assunto: no domingo por volta das onze horas da manhã estava trafegando pela rodovia Castello Branco, sentido interior de São Paulo, quando cruzei com a maior quantidade de Ferraris e Porsches que já vi. Não consegui ver com clareza, mas talvez houvesse Lamborghinis ou Maseratis também. Não sei de onde vinham nem para onde iam, mas foram uns 50. Estavam no sentido São Paulo e por várias vezes houve lentidão e freadas abruptas do lado que eu transitava apenas para ver essas belezinhas. Não era só eu a fascinada com essas máquinas…
NG
A coluna ‘Visão feminina” é de exclusiva responsabilidade de sua autora.