A BMW criou uma motocicleta que virou lenda, a GS. A sigla vem do alemão Gelände Strasse, algo como “Terra / Estrada”. A primeira delas — então G/S, com barra no meio — nasceu em 1980. O motor de 800 cm3 tinha 50 cv de potência e a moto pesava pouco mais de 170 kg a seco. Nesta derradeira versão de 2024, lançada no Brasil neste começo de ano, alcançou impensáveis 1.300 cm3, 145 cv de potência e lambe os 240 kg na balança.
Nos anos 1980, quando surgiu a BMW R80 G/S, ela foi criticada pelo peso e pelo uso do motor tipo boxer, que segundo muitos era um contrassenso em uma moto com pretensões off-road. Porém, meses depois da apresentação, uma BMW R 80 G/S venceu o Paris-Dakar. Era o terceiro ano do lendário rali, novidade que atraia os olhos do mundo todo. Depois de ganhar na estreia, a R 80 G/S ganhou outras duas vezes, seguidas, como se quisesse comprovar que nada tinha sido por acaso.
“Vencer no domingo, vender na segunda”, o velho mantra que garante o investimento em competições foi mais uma vez reafirmado. O Dakar deu fama e rendeu vendas à BMW GS, e desde então o modelo — que logo perdeu a barra entre as letras para ser apenas “GS” — vende que é uma beleza. É a big trail nº 1 no Brasil e no planeta.
Algum ponto em comum entre a primeira e a última versão da GS nestas mais de quatro décadas que as separam? Dois: a transmissão final por cardã e a arquitetura do motor, com os característicos cilindros contrapostos – ou boxer – que alguns diriam ser “à la VW”. Fato é que o boxer BMW veio bem antes e virou marca registrada das motocicletas da marca de Munique fabricadas em Berlim.
BMW R 1300 GS, toda nova
A nova BMW R 1300 GS é nova mesmo, fruto de um projeto 100% inédito. Sabiamente, as duas características mencionadas no parágrafo anterior foram preservadas. Se comparada à R 1250 GS que substitui, a novidade traz não apenas um motor profundamente atualizado, mas inova também no chassi e nas suspensões. E a importante questão do peso foi favorecida: na balança, a nova GS está 12 kg mais leve.
O aumento da capacidade do motor a 1,3 litro (1.300,6 cm³) veio por meio do aumento do diâmetro dos cilindros e da diminuição do curso dos pistões (agora 106,5 mm x 73,0 mm, antes 102,5 mm x 76,0 mm (1.254,2 cm³). Também aconteceu o alinhamento dos cilindros, antes deslocados, o esquerdo mais à frente do que o direito. O câmbio passou para a parte de baixo do motor, o que resultou em comprimento menor do conjunto, o que, consequentemente, permitiu o aumento do comprimento da balança de suspensão traseira monobraço (que abriga o cardã), favorecendo a capacidade de tração. A mais do que generosa potência de 145 cv a 7.750 rpm e 15,2 m·kgf de torque máximo a 6.500 rpm, o define como o mais potente boxer produzido pela BMW. Modos de gestão da eletrônica permitem variar o caráter em quatro modalidades: Eco, Rain, Road e Enduro. Versões top da BMW R 1300 GS contam ainda com os modos Dynamic, Dynamic Pro e Enduro Pro.
Outros dispositivos eletrônicos disponíveis são o assistente de partida em subidas, controle de atenuação do freio-motor nas reduções, controle de tração e controle automático de velocidade de cruzeiro, entre outros.
A existência de um radar na dianteira da R 1300 GS tornou possível o controle de cruzeiro adaptativo com função para e anda, o alerta de colisão dianteira iminente e o aviso de saída da faixa de rolamento. E, claro, os freios com ABS PRO, que leva em consideração a inclinação da motocicleta.
Se você chegou até aqui (obrigado…) já entendeu que a especificação desta motocicleta é estupenda e, para muitos, será complexo conceber como tantos sistemas podem estar concentrados numa motocicleta, que tem sérias limitações de espaço e inimigos tremendos a vencer como vibrações, lama, umidade e a própria natureza dinâmica, na qual impactos estão na ordem de todos os dias.
Neste contexto, há de se valorizar a função nobre da ciclística. O chassi tipo espinha dorsal de aço forjado é novo e recebeu suspensões batizadas de EVO Telelever à frente e EVO Paralever, atrás. O sistema, em síntese, praticamente elimina o mergulho da dianteira nas freadas e sua atuação faz variar de maneira mínima a distância entre eixos, o que favorece aspectos dinâmicos tanto em curvas como em condição de frenagem e aceleração. A montagem do guidão com um elemento flexível também é novidade.
O controle eletrônico de ajuste das suspensões foi aprimorado e é capaz de atuar não só de acordo com a seleção do modo de pilotagem, como agora é adaptativo nas versões de topo da R 1300 GS: o sistema lê a velocidade, elevando a altura ao superar 50 km/h e abaixando-a automaticamente em reduções a partir de 25 km/h.
As suspensões têm 190 mm de curso na dianteira e 200 mm, na traseira, e as rodas são de 19 polegadas na frente e de 17 polegadas, atrás. Completa o equipamento a iluminação total por LEDs com farol alto adaptativo, o painel de cristal líquido de 6,5 polegadas, a chave presencial, para-brisa ajustável (versões topo) e banco idem em altura e… bem, tudo o que se espera daquela que é a mais reverenciada big trail de todos os tempos.
Versões e preços? São cinco:
R 1300 GS – R$ 99.900
R 1300 GS Plus – R$ 118.900
R 1300 GS Trophy – R$ 118.900
R 1300 GS Triple Black – R$ 118.900
R 1300 GS Option 719 “Tramuntana” – R$ 126.900
Pilotando
Por Roberto Agresti
Quem gosta de rodar de moto na chuva? Para estes, o test ride da nova BMW 1300 GS foi um prato cheio. Cerca de 80 km de distância em duas horas, milhares de curvas e pisos de todo o tipo. Em uma palavra? Intimidador. Ainda mais com uma moto desconhecida, ou melhor, pouco conhecida.
Porém, como todas as BMW da série GS, poucos metros bastam para que todo aquele volume e peso se diluam, cúmplices nesta mágica o baixo centro de gravidade proporcionado pela arquitetura do motor e o magistral equilíbrio ciclístico.
A BMW R 1250 GS já era uma motocicleta soberba em todos os aspectos, portanto a ousadia de mudar o modelo de modo tão profundo foi recebida com certa surpresa, o velho “para que mexer no time que está ganhando?”.
Mas mexeram, e bem. É certo que em cerca de duas horas de pilotagem em condições climáticas tão adversas não deu para explorar 100% da potencialidade da nova GS, especialmente no que diz respeito a qualidades como velocidade, aceleração e tocada esportiva, mas o piso molhado favoreceu a análise de aspectos ligados à evoluída eletrônica e sistemas destinados a segurança.
Em nenhum momento, seja no asfalto, piso de paralelepípedo ou no trecho de terra, a R 1300 GS mostrou deficiências de qualquer espécie. Estável, maneável e absolutamente segura em curva e frenagem. Impressionou particularmente o fôlego do motor, cujo caráter se transforma quando a rotação supera 3.000~3.400 rpm. Um desempenho soberbo, mas não excessivo, o que em mãos inábeis se traduziria em insegurança. Devido às citadas condições de piso escorregadio, os pneus Metzeler Tourance Next 2 mostraram estar perfeitamente no nível da nova BMW.
Sempre que a BMW virou a página tecnológica da GS o fez com propriedade. Foi assim quando, em 1987, trocou a suspensão traseira Monolever pela mais evoluída Paralever e elevou a cilindrada de 800 para 1.000 cm³; quando, em 1995, passou do simples arrefecimento a ar ao misto ar + óleo (no cabeçote), o que, sucessivamente, fez surgir a R 1100, a R 1150, a radicalmente aliviada R 1200 GS de 2004 (que perdeu 30 kg) ou a chegada do arrefecimento a líquido em 2013, a ar e líquido.
Qual questionamento pode ser feito sobre uma moto que, como dito no início, virou lenda, sucesso em todos os mercados do planeta? Nenhum, seu sucesso impede qualquer crítica direta, porém permite uma reflexão: não haveria quem preferisse uma BMW GS mais “raiz”, com menos eletrônica, menos assistências variadas, e peso, potência e tamanho menores? Esta foi uma reflexão natural ao ver, no local da apresentação estática da nova R 1300 GS, exemplares da R 80 G/S e da R 100 GS, motocicletas simples, mas não por isso menos interessantes.
Comentei isso com um colega, admirando as GS “vintage”. Dias depois ele me manda um link (https://www.motorradonline.de/enduro/neue-luftgekuehlte-bmw-r-12-gs-erlkoenig/). Síntese: o prestigiado portal alemão Motorrad flagrou os testes do que seria a uma GS “light”, equipada com um motor boxer arrefecido a ar, roda aro 21 na dianteira e um visual apenas essencial. Será???
RA
Uma outra mesma visão
Por Gabriel Marazzi
Não é meu costume fazer isto, mas eu e um dos meus mais antigos colegas de profissão— na avaliação das motocicletas — fomos juntos a Campos do Jordão, para conhecermos a nova BMW R 1300 GS, rodamos com as motocicletas no mesmo grupo e voltamos papeando sobre a novidade. Por que, então, não compartilharíamos nossas considerações e observações neste trabalho a quatro mãos?
Está claro que o Roberto Agresti fez o trabalho pesado, situou a nova motocicleta em sua história, mostrou as novidades dessa versão, em relação à anteriores, e deu o seu parecer em relação à sua pilotagem. Resta para mim comentar sobre a minha visão sobre a big trail mais querida, entre tantas outras. E também a mais vendida.
É tudo novo na BMW R 1300 GS, nada foi aproveitado da R 1250 GS anterior. E mais um trunfo para a engenharia: o conjunto motor-câmbio está mais compacto, o que permitiu o alongamento da balança traseira sem aumentar a distância entre eixos. E a parte mais bacana: poucos percebiam, mas os dois cilindros do motor boxer não eram alinhados, já que as duas bielas deveriam guardar uma distância entre si lá na junção com o virabrequim. Essa distância diminuiu e os cilindros estão agora menos defasados. Para os adeptos da pilotagem off road mais radical, o cilindro direito um pouco mais à frente facilita a pilotagem “de pé”, com um pouco mais de conforto devido ao maior espaço para o pé direito.
A turma da BMW se empenhou em facilitar ao máximo a vida dos usuários da GS. O guidão não é mais montado diretamente na mesa superior da suspensão dianteira, mas sim em um sistema intermediário que minimiza vibrações. Com exceção da versão Trophy, a R 1300 GS tem agora o sistema automático de redução de altura quando a motocicleta está parada ou em velocidade muito baixa. Isso ajuda não só os pilotos de menor estatura quanto aqueles que nunca se deram conta de como isso é conveniente.
Entre as versões, a R 1300 GS Triple Black ajusta automaticamente a altura do banco entre 800 mm e 830 mm. Já a R 1300 GS, a R 1300 GS Plus e a R 1300 GS Option 719 “Tramuntana”, a variação de altura do banco é de 820 mm a 850 mm. A R 1300 GS Trophy, mais radical, tem altura do banco fixa em 890 mm (haja perna) e suspensões esportivas.
Visualmente, a BMW R 1300 GS continua com a sua imponência, o que praticamente é esquecido pelo piloto ao perceber que, apesar de seu tamanho, a motocicleta é muito “na mão”. Aquele farol dianteiro assimétrico que sempre incomodou (de leve) a nós, engenheiros, agora foi trocado por um conjunto de LEDs em formato de “xis”, com o canhão principal no centro e quatro luzes de rodagem diurna à sua volta.
Na traseira, uma opção “à la Harley”: não há mais uma lanterna central e a sinalização é feita apenas pelos dois “piscas”. Não gosto, mas é apenas uma opinião pessoal. Um ponto interessante são os piscas dianteiros embutidos nos protetores de mão, nas extremidades do guidão. Será que os LEDs suportarão as sucessivas chicotadas pelos galhos que insistem em invadir as trilhas mais estreitas?
O percurso de avaliação com as novas BMW R 1300 GS era curto, cerca de 80 quilômetros em estreitas estradinhas vicinais cheias de curvas e de folhagem no asfalto, coisas bem escorregadias, principalmente em um dia muito molhado. Melhor uma aventura de, pelo menos, 1.000 quilômetros, não? A motocicleta pede. Com esse cenário, o mais prudente a fazer era selecionar o modo Rain na entrega de potência, uma vez que não haveria um momento seguro para acelerar para valer.
Para uma motocicleta como essa, era de se esperar que, realmente, ela satisfizesse todos os desejos eletrônicos de quem a pilota. E isso ela faz. Mas seria contraproducente e cansativo ficar explicando todos eles aqui. Na galeria de fotos, as imagens mostram alguns dos truques da nova GS (clique na imagem para ampliar a foto).
É pertinente, no entanto, comentar o controle de cruzeiro adaptativo que automaticamente mantém a distância do veículo à frente. Com ele, o sistema de alerta de colisão iminente avisa ao piloto distraído que o obstáculo esta perto, dando uma leve freada que o acorda. E assusta.
Muito ainda há a ser falado sobre a nova BMW R 1300 GS, e muito ainda há de ser pilotada. Afinal, é uma das motocicletas mais cheias de atributos — eletrônicos, dinâmicos e históricos — que se pode ter atualmente.
GM
FICHA TÉCNICA BMW R 1300 GS | |
MOTOR | |
Tipo | 4 tempos, longitudinal, 2 cilindros horizontais opostos, duplo comando de válvulas com acionamento por engrenagens e árvores, 4 válvulas por cilindro, variação de fase na admissão, árvore contrarrotativa de balanceamento, injeção no duto, arrefecimento a ar e a líquido, gasolina 95 RON |
Cilindrada (cm³) | 1.300,6 |
Diâmetro e curso (mm) | 106,5 x 73 |
Taxa de compressão (:1) | 13,3 |
Potência (cv/rpm) | 145 / 7.750 |
Torque (m·kgf/rpm) | 15,2 / 6.500 |
TRANSMISSÃO | |
Embreagem | Disco em banho de óleo |
Câmbio | 6 marchas |
Relação primária (:1) | 4,179 |
Relações das marchas (:1) | 1ª 2,438; 2ª 1,714; 3ª 1,296; 4ª 1,059; 5ª 0,906; 6ª 0,795 |
Relação secundária (:1), tipo e acionamento | 2,910 / engrenagens cônicas helicoidais, cardã |
SUSPENSÃO | |
Dianteira | EVO Telelever com colunas de mola central |
Traseira | Braço oscilante de alumínio com Paralever BMW, mola helicoidal com pré-carga |
FREIOS | |
Dianteiro (Ø mm) | Disco duplo/310, pinças de freio radiais de 4 pistões |
Traseiro (Ø mm) | Disco único/285, pinça de freio de 2 pistões |
Controle | ABS indexado à inclinação da motocicleta |
DIREÇÃO | |
Ângulo da direção (º) | 63,8 |
Avanço (mm) | 112 |
RODAS E PNEUS | |
Rodas | Alumínio fundido, dianteira 3.00 x 19 e traseira 4,50 x 17 |
Pneus, medidas | Dianteiro 120/70 R17 e traseiro.170/60 R17 |
Pneus, marca | Metzeler Tourance Next 2 |
CONSTRUÇÃO | Quadro de aço forjado, duas seções sendo a parte traseira aparafusada, motor estrutural |
AUXÍLIOS AO PILOTO | |
Descrição | Controles de tração, de freio-motor nas reduções, de derrapagem, assistente de partida em subidas, controle de velocidade de cruzeiro e três modos de pilotagem |
DIMENSÕES (mm) | |
Comprimento | 2.212 |
Largura | 1.000 |
Altura da sela | 850 |
Entre-eixos | 1.518 |
Distância livre do solo | n.d |
PESOS E CAPACIDADES | |
Peso em ordem de marcha (kg) | 237 |
Tanque de combustível (L) | 19 |