Nos meus tempos de ginásio (qual é o nome equivalente hoje?) tive dois professores dos quais me lembrei muito quando fiz duas viagens: uma à Itália e outra à França, em 1982 e 1983, respectivamente. Um deles, Antônio Vietti, que ensinava latim, e a professora Chiquita (querida mestra, cujo nome completo eu nunca soube), que lecionava francês, o idioma de De Gaulle, no qual me inspirei para criar um mal-estar num hotel parisiense, como contarei adiante.
Convidado pela Fiat, quando trabalhava n’O Globo (Sucursal de São Paulo), aproveitei a viagem para fazer um prolongamento após visita à fábrica e à pista de testes. De Turim, voei para Roma, a “Cidade Aberta” (filme de Roberto Rosselini, de 1945, com Anna Magnani). Ao desembarcar, uma grata surpresa. Havia sciopero (greve, a pronúncia é chópero) e não tive que enfrentar fila na Imigração.
Tomei um táxi para o hotel, bem simples, como pedi, na avenida Santa Croce in Gerusalemme, indicado pelo pessoal de Imprensa da Fiat.
Falante, o motorista começou perguntando se eu conhecia essa “bella macchina”, o modelo Fiat, claro. Falou do desempenho do carro, não lembro o modelo (só sei que era branco), de como era econômico e do conforto, ainda bem porque foram quase duas horas dentro dele. Perguntou de onde eu vinha, o que ia fazer em Roma, blá, blá, blá blá.
“Conheço essa língua”, pensei eu.
E, imediatamente, me veio à memória a figura do estimado professor Vietti, um perfeito oriundo, sempre elegante, com seus ternos de linho, montado em sua moto marrom ou preta, uma Norton 500.
Pedi ao motorista que falasse mais devagar: “per favore, parla lentamente”.E começamos a conversar, com ele contando que havia uma manifestação de idosos (que nunca pararam pois, como aqui, na Itália a aposentadoria é pouca) no caminho e iria atrasar a fazer a corrida mais cara. Fazer o quê, mas comecei a falar com ele, que me perguntou qual dialeto eu falava. Expliquei que estudei latim na escola e logo entendeu. Afinal, latim é a língua da qual se originam os idiomas falados aqui e pelo motorista italiano.
Chegando ao hotel (em cujos corredores, à noite, se ouviam “ais e uis” em profusão, que me fez crer tratar-se de um “daqueles”), o motorista me disse, para minha alegria e surpresa, que me daria um desconto no valor da corrida, pelo meu “latim” e em homenagem a Pelé, que ele citou várias vezes no caminho que durou quase uma hora.
Sem perguntar nada, cheguei!
Na manhã seguinte, tomei café em uma cafeteria distante duas quadras do hotel (os “ais e “uis” pararam lá pelas 23 horas e dormi tranquilo). Me surpreendi porque a casa não era aberta como nossos café, bares e restaurantes, mas fechadas com portas de vidro. Tomado o desjejum, um belo caffè con late, pane e burro (não preciso traduzir, certo?), resolvi ir ao Coliseu (foto de abertura).
Quando ia chegando perto de uma pessoa para me orientar, resolvi seguir meus instintos e nada perguntar. Primeira à direita, fui reto por três ou quatro quadras, entrei à esquerda, mais um trecho em frente e, ao entrar na primeira à esquerda, eis que surge, majestosamente desgastado pelo tempo, o belo Coliseu. Sentei na calçada e chorei de emoção.
Fiz a visita, senti todas as vibrações que os cristãos deixaram para o tempo; ouvi os gritos da multidão condenando à morte os gladiadores vencidos. Emoção pura. Depois andei à vontade, sem me preocupar com a volta. Na hora do almoço, entrei em um restaurante e pedi um peixe. O garçom, muito solicito me advertiu que o peixe bom só chegaria no dia seguinte: “Oggi é gioverdi e il pesce buono arriverà solo domani”. Era quinta-feira e o peixe bem só viria no dia seguinte, disse. Sugeriu uma pasta. Ótima!!!
No dia seguinte, usando meu “largo conhecimento” das ruas romanas, decidi ir ao Vaticano, sem nada perguntar, tal e qual no dia anterior. E cheguei à maravilhosa praça São Pedro, com poucas pessoas circulando por ali. Visitei a Capela Sistina. É impossível não olhar apenas para a decoração do seu teto, com afrescos de Michelangelo, Rafael, Perugino e Sandro Botticelli.
Algo que mais me encantou e emocionou foi visitar os túmulos dos Papas, principalmente quando cheguei até o de Pio XII, o primeiro do qual ouvir falar na minha vida. Lembro dele e do frei José Mojica, ex-ator de Hollywood, que me serviu a hóstia na missa celebrada no Aterro do Flamengo, em 1955, quando eu lá tinha meus nove anos (só descobri isso quando vi a capa da revista Manchete e lá estava ele, servindo a hóstia para meus colegas do Colégio de Religiosas, onde estudava no Rio de Janeiro, no bairro do Grajaú).
Fui no Google para ver se o hino que tinha na memória era mesmo o do Congresso Eucarístico. Não contive a emoção quando consegui acompanhar parte da letra. No centro vecchio de Roma andei por Trastevere, o mais antigo bairro da cidade, com suas vielas estreitas, ruas em paralelepípedos (muitas ruas em São Paulo eram assim e, carros V-8 e V-6, de tração traseira, quando acelerados com força, iam se perder no muro mais próximo) e muitas casas tinham suas paredes sustentadas por tapumes (pelo mesmo era assim quando passei por elas).
Depois, peguei o meu primeiro modelo Abarth, um Fiat Ritmo, cuja história já contei aqui, e fui para Veneza, para o Hotel Walter, que reservei pelo telefone, pois já “dominava” o meu latim/Italiano.
Em Paris, lembrando da professora Chiquita
Em Paris, .lembrei da professora Chiquita, Ela era muito enérgica, O menor deslize e ela mandava esperar lá fora, debaixo da escada. Eu nunca fui castigado.
Eu gostava e gosto do francês (principalmente dos números: 80 é quatre-vingts e 90 é quatre-vingt-dix) apesar do problema que enfrentei, certa vez, no Hotel Mèridien, em Paris. Abro um parêntese aqui para dizer que os melhores dias de hotel que passei na vida, foi no Mèridien, aquele de Salvador, no Rio Vermelho, dirigido por Fernando Chabert e gerenciado por Ernesto Sousa; e onde meu querido amigo, Paulinho Brandão, promovia a melhor feijoada do mundo, todo carnaval. E eu ia em todas!).
Mas em Paris, nada de cassoulet, a feijoada francesa. Bem, eu nem lembro qual foi a fábrica que me convidou para ir a Paris, só sei que não foi nenhuma francesa. Sorry! Mas ela me hospedou em um dos Mèridien da capital francesa.
Bem, eu tinha que ir até à Cité Universitaire (Cidade Universitária) para encontrar amigos, no dia em que nada estava programado pela minha anfitriã. Do apartamento tentei ligar para o telefone da Citè, mas não conseguia linha. Na terceira vez desci até à Recepção e fiz uma reclamação, usando o francês que aprendi nas aulas da dona Chiquita. Desci duas vezes mais e nada de solução para o problema com o telefone do meu apartamento. Na quarta descida, cheguei calmamente e, o mesmo recepcionista, sorridente me perguntou o que eu desejava. Dei um tapa no balcão que estremeceu o hotel e, num tom mais elevado que o meu normal, disse: Ce n’est pas un hôtel srieux! (*)
Todos no saguão, assustados, olhavam para mim e o funcionário da casa. Ele sabia o que eu queria e estava arrependido pelo seu atendimento falando “Je suis désolé, pardon monsieur. Je sui désolé”. Foi a maior correria. Imediatamente surgiu um funcionário com um telefone na mão, pedindo que eu o seguisse. Como era um português, não precisei gastar o meu francês com ele. Era apenas um problema com o cabo e, com o telefone trocado, falei com a Citè e fui encontrar os amigos para tomar um delicioso panaché (cerveja com soda-limonada) às 20h30, na ainda ensolarada Paris naquele verão.
Baseado em De Gaulle
(*) Essa frase, trocando “hotel” por “país”, é atribuída ao estadista francês, Charles De Gaulle, quando de uma de suas visitas ao Brasil. Ele nega, mas eu acho que foi resultado de uma das inaugurações da aciaria da Cosipa (foram duas ou três), quando ele se deparou com um pedido inusitado do fotógrafo d’A Tribuna, José Dias Herrera.
Apesar de estar em Santos, ao lado de Cubatão, onde ficava a então Cosipa (Companhia Siderúrgica Paulista), hoje Usina Presidente Vargas, do grupo Arcelo Mittarr, o “Zezinho”, como era conhecido entre nós, chegou atrasado, depois que De Gaulle já havia apertado o botão acionando os novos fornos da siderúrgica.
Mas “Zezinho” não se abalou. Aproximou-se da autoridade francesa e, apesar de ser muito mais baixo, pelo menos 20 cm que ele, esforçou-se e tocou no seu ombro e disse:
— Monsieur, s’il vous plait.
Gentil, De Gaulle “reinaugurou” a aciaria da Cosipa.
O líder francês negou ser de sua autoria essa frase, mas, depois desta ação do querido “Zezinho” Dias Herrera, não seria difícil que De Gaulle tenha, pelo menos pensado, em algo assim. Certo?
CL
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