Depois de percorrer a Inglaterra e o País de Gales, dirigimos até o noroeste de Gales para pegar o ferry boat em Holyhead e atravessar para a outra ilha. A operação em si é bastante fácil mas como tudo no Reino Unido, bastante cara – pagamos quase 200 libras esterlinas (cerca de R$ 1.400) pelo transporte de dois adultos e um carro. Mas, como disse, é bem fácil. Há duas empresas que fazem esse percurso. As passagens são compradas e agendadas pela internet e ao chegar ao terminal portuário está tudo muito bem sinalizado. A operação em si é lenta pois há uma enormidade de veículos de todo tipo: caminhões, carros de passeio, motos…, mas em uma hora estávamos dentro da embarcação e zarpamos. E quando digo muito, quero dizer, muitos mesmo. Um ferry como o que nós pegamos leva 2.000 passageiros, mais de 1.300 carros e quase 250 caminhões.
A travessia do Mar da Irlanda dura pouco mais de duas horas e é bem bonita, embora ficar no convés do ferry não seja uma tarefa fácil. O vento é fortíssimo e, claro, frio. Felizmente, há enormes janelas envidraçadas que permitem ver toda a paisagem desde o interior do navio sem congelar ou sair voando. Começamos a cruzar o Mar da Irlanda ainda com luz do dia, mas a segunda metade foi já de noite.
Depois de passar pela alfândega e fazer os trâmites de imigração (tudo sem sair do carro, exceto para abrir o porta-malas para uma rápida inspeção) é que se percebe que se está num país diferente. A República da Irlanda é independente do Reino Unido e tem sua própria forma de governo, uma república. Faz parte da União Europeia e, portanto, guardamos nossas libras esterlinas e sacamos nossos euros.
Começam a aparecer placas com lembretes importantes para quem chega. A primeira ao sair do porto lembra aos viajantes que os limites de velocidade por estas paragens são estabelecidos em quilômetros por hora e não mais em milhas, mas a mão de direção continua sendo à esquerda. O país exige um certificado quando se vem de carro de outro país (sim, mais uma taxa que tivemos de pagar para rodar de carro) mas, fora isso, nada de diferente.
Chegamos direto em Dublin e lá ficamos uns dias (foto de abertura). A cidade é bonita e está lotada de brasileiros que moram lá. Como boa parte da Europa, há ruas realmente estreitas e boa parte do transporte de mercadorias é feito por caminhões, o que proporciona cenas como a que vimos em pleno centro da capital: um enorme caminhão manobrando para entrar numa rua estreitíssima. Nós (e todo mundo) paramos para assistir. O motorista teve a ajuda de um par de pessoas da loja onde ia descarregar a mercadoria, mas mesmo assim precisou de muita habilidade para entrar de ré por uma viela cuja largura era quase a mesma do veículo. Mas em cerca de cinco minutos conseguiu, ainda que parando o trânsito da rua principal.
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Assim como em outras cidades da Europa ou mesmo do Reino Unido, o estacionamento é meio caótico e, basicamente, carros de passeio ou veículos pequenos e médios de entregas estacionam em qualquer lugar – até nas calçadas. Pedestres simplesmente desviam e ninguém reclama. Isso acontece na cidade toda ou, melhor, no país todo. Na capital há praticamente todo tipo de meio de transporte, como mostra a foto de abertura, tirada em frente ao parque St Stephen , um belo recanto de paz e natureza em pleno centro da cidade.
Além de todo um contexto histórico, o parque tem um belo desenho vitoriano, com lago, cisnes e um original jardim para cegos, com plantas rotuladas em Braille e arbustos aromáticos, além de muitas estátuas e bustos de dublinenses famosos como o escritor James Joyce e Arthur Guinness, o criador da famosa cerveja de mesmo nome (sim, claro que fomos visitar a cervejaria e a visita vale muitíssimo a pena).
Em Dublin encontramos um bom número de bicicletas, como, aliás, em boa parte da nossa viagem mas assim como no resto, a maioria das pessoas anda mesmo a pé. E no caso das bicicletas, o que se vê não são modelos sofisticados ou de moda e as pessoas lá pedalam com roupas normais — raros eram os capacetes estranhos e nada de roupas coloridas e colantes. Aliás, numa observação meio superficial vi muitas crianças usando capacetes, mas não tantos adultos. Segundo pesquisei, 25% da população de Dublin pedala pelo menos uma vez por semana, de acordo com a Prefeitura da cidade e o número permanece estável desde 2021, algo bem longe dos recordistas neerlandeses, que chegam a 51%. Há boa oferta de bicicletas, mas não vi em nenhum lugar que estivessem esgotadas, sempre há disponíveis.
Vi também, andando pela região de Dublin 11, alguns postes com cadeados de combinação usados para bicicletas. A pessoa deixa a magrela na rua, geralmente em frente à própria casa e quando sai pedalando deixa o cadeado no poste para prendê-la na volta.
Aliás, como em boa parte da Europa e do Reino Unido, as bicicletas circulam em qualquer lugar, mas não vi ninguém andar como se faz em São Paulo, atropelando pedestres, passando no sinal vermelho ou tirando fina de pessoas. Eles sinalizam nas conversões, andam em velocidade compatível com o local, desmontam quando tem de fazê-lo para atravessar uma via e pedem licença e agradecem quando há alguém caminhando à frente — ainda que seja por uma ciclovia. Coisa de primeiro mundo que deveria ser o normal no Brasil, mas não é. Mesmo com essa convivência multimodal, há algumas ciclovias segregadas e bem sinalizadas.
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Na Irlanda fala-se bastante irlandês ou gaélico irlandês, embora todos falem inglês. É uma língua celta que para nós resulta bastante complicada mas, pelo menos, tem caracteres latinos. Apenas como curiosidade e a exemplo de quão diferente é o irlandês do inglês, Dublin em gaélico irlandês é Baile Átha Cliath. Fácil, não? Ah, significa “lago (ou piscina) negra” e se refere a um lago formado na confluência do rio Liffey (que cruza a cidade) com o rio Podle. A sinalização nas ruas e nas estradas é nos dois idiomas.
Cruzamos o país desde Dublin até a costa oeste, nos lindos Cliffs de Moher, as falésias mais famosas da Irlanda, e depois fomos para Galway. Foi então que entendi por que a Irlanda é chamada de Ilha Esmeralda, pois é incrivelmente verde. As estradas são um tapete e extremamente bem sinalizadas. As curvas são suaves e superelevadas.
E voltamos a encontrar acostamentos. Aleluia! (foto abaixo)
Os limites de velocidade são muito, muito razoáveis e, novamente, mesmo em estradas estreitas, de pista simples e sem acostamento, encontramos muitas com velocidade máxima de 80 km/h, como nesta já próxima dos Cliffs de Moher. ou mesmo de 100 km/h. E a sinalização sempre impecável e, como eu gosto, nos dois lados da pista. Me incomoda muito quando as placas estão somente numa lateral da estrada, pois basta haver um veículo no outro sentido para que não se enxergue a sinalização.
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Foi na Irlanda onde encontramos mais pedágios, embora de valor baixo e para estradas realmente excelentes. A locadora de carros me disse que não era necessário colocar tag para pagamento automático da tarifa e foi uma boa dica, pois há tão poucos pedágios que realmente não é necessário.
Pagamos com cartão, mas tivemos de habilitar a aproximação (que todos usam e realmente faz a passagem pelas cabines muito mais rápida) e que foi prontamente desabilitada antes de chegar ao Brasil.
No caminho para a charmosa cidade portuária de Galway voltamos a encontrar tratores na estrada, mas sempre faziam questão de andar o mais na lateral possível para permitir a ultrapassagem por veículos mais rápidos.. Depois, seguimos rumo à Irlanda do Norte, mas essa parte deixo para a próxima semana.
A pergunta de sempre é: vale a pena conhecer a Irlanda? Sem dúvida, vale muito a pena. Embora tenha me faltado conhecer a parte Sul da ilha, o que vi me encantou e, mais uma vez, adorei especialmente os irlandeses. Simpáticos, afáveis, muitíssimos deles ruivos, divertidos e adoram beber — conhecemos a destilaria de whiskey Jameson e a fábrica de cervejas Guinness, mas também provamos muitas outras cervejas e whiskies maravilhosos. Posso dizer que um dos pubs em que estivemos em Dublin foi dos dois melhores de toda a viagem, e tenho que reconhecer que foram muitos e muito bons. Foi o The Church e, como o nome diz, funciona onde antes havia uma igreja. O lindo prédio tem vitrais, um coro, um órgão de sei lá quantos tubos, ótimas bebidas e, claro, música irlandesa de primeira qualidade ao vivo e curtas apresentações do lindo sapateado irlandês. Como não gostar de um povo que leva tão a sério a instituição de pub que faz um numa igreja? Como disse um amigo meu, todos os lugares são bons para orações – e para beber também.
Mudando de assunto: ouvi muita gente dizer que não acompanha mais Fórmula 1 porque só dá Verstappen. Sinceramente, depois de ver a corrida da Áustria domingo passado posso afirmar: não sabem o que estão perdendo.
NG
A coluna “Visão feminina” é de exclusiva responsabilidade de sua autora.