Rodas quebradas num acidente, ao invés de seguirem para o lixo, são irrresponsavelmente reparadas e seguradoras fecham os olhos para esta barbaridade técnica
Notícia boa: a segurança do automóvel vai evoluindo — e muito — no Brasil. Crash-tests (Latin NCAP ou Euro NCAP) obrigam fábricas a rever projetos, modernizar manufatura e equiparar nossos veículos com os produzidos no exterior. Falta muito, mas nossos carros já se aproximam dos padrões de Primeiro Mundo. A obrigatoriedade do ABS, por exemplo, tornou mais simples instalar outros dispositivos de segurança como o controle eletrônico de estabilidade (ESC) ou o TPMS, iniciais em inglês para sistema de monitoramento da pressão dos pneus. Que já estão chegando por aqui.
Noticia ruim: se o carro zero km ganha segurança, os mais velhinhos continuam distantes de padrões mínimos internacionais. Enquanto o veículo é assistido pela oficina da concessionária ou outras de mesmo nível técnico, ele se mantém dentro dos padrões estabelecidos pelo fabricante. Mas, ao atingir elevadas quilometragens, exatamente quando necessita de manutenção ainda mais cuidadosa, vai parar em oficinas de competência e ética duvidosas. Na base do salve-se quem puder, pois o governo falha em dois pontos:
1. Não implantou a inspeção veicular para se garantir um mínimo de integridade em veículos a partir de três ou quatro anos de fabricação;
2. Toca em marcha-lenta a certificação de componentes do mercado de reposição. Ao contrário do Brasil, fornecedor nenhum do Primeiro Mundo coloca seu produto à venda se não for certificado por um órgão especializado, como o TÜV, na Alemanha, por exemplo.
Amortecedores vencidos passam por uma pinturinha na carcaça, óleo trocado por outro mais “grosso” e colocados de volta no mercado como “recondicionados”.
Rodas de alumínio quebradas num acidente, ao invés de seguir direto para o lixo, são reparadas em oficinas “especializadas”. Voltam a ficar ‘bonitinhas” mas podem esconder trincas ou fissuras que só se detectam com sofisticados aparelhos de ultrassom. Muitas seguradoras autorizam e fecham os olhos para esta barbaridade técnica.
Fluido de freio pode não passar de álcool colorido com anilina vermelha. Que não resiste a temperaturas elevadas e ferve na primeira freada de emergência.
Pneu é capítulo a parte. Neste país de corrupção generalizada, empresas de remoldagem “convenceram” o Inmetro a certificar — sem observar regras mínimas de segurança — pneus produzidos a partir de carcaças velhas. Inicialmente, pneus velhos (lixo no Primeiro Mundo) eram importados e parte deles vendidos (ilegalmente) no estado, como pneus usados, nas periferias das grandes metrópoles. Outros utilizados para remoldagem, mas sem a necessária especificação da carcaça: num par de pneus remoldados, um pode ter sido projetado para um Porsche, outro para um furgãozinho Towner. Ambos vendidos para um mesmo automóvel. O poder de “convencimento” das empresas foi tão grande que obtiveram homologação de remoldados até para motocicletas. Hoje, o mercado de reposição foi invadido por asiáticos, com qualidades variáveis. Alguns tão confiáveis quanto marcas tradicionais e utilizados em linhas de montagem. Mas, como separar o joio do trigo se não há controle de qualidade nos portos?
O Inmetro está trabalhando para homologar componentes de reposição e já estabeleceu padrões para rodas de liga leve, catalisadores, fluidos de freio e alguns outros. Num processo extremamente lento e sujeito a todas as burocracias governamentais. Tão lento que, muitos anos depois lançada no Primeiro Mundo, só agora a cadeirinha Isofix recebeu padrões de certificação e poderá ser fabricada no Brasil.
Se a segurança do nosso carro zero-km evolui, os mais velhinhos continuam ameaçando a segurança pública. E, infelizmente, representam a grande maioria da nossa frota.
BF