Para dirigir com segurança é fundamental enxergar o meio ambiente com clareza e os vidros têm grande responsabilidade para tal. Lembremo-nos que dos nossos cinco sentidos a visão é, de longe, o mais importante.
Vamos falar um pouco a respeito.
Os vidros automobilísticos são fabricados em dois tipos, o laminado e o temperado. O laminado é composto por duas placas de vidro unidas por uma camada de PVB (polivinil butiral) e quando quebrado os estilhaços ficam grudados nesta camada protegendo os ocupantes do veículo. Outra característica é que mesmo quebrado mantém um pouco de visibilidade, suficiente para proporcionar um desvio de obstáculo, por exemplo. O pára-brisa de vidro laminado é obrigatório por resolução emanada do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) no final dos anos 80. Outra propriedade é que o vidro laminado colado à carroceria ajuda estruturalmente a resistência à torção e à flexão da mesma.
O vidro temperado é um tipo muito resistente como resultado de seu tratamento térmico especial. A sua característica principal, além da resistência, é que o seu estilhaçamento em caso de impacto se dá em pequenos pedaços sem bordas cortantes, proporcionando um ambiente mais seguro aos ocupantes. Este tipo de vidro é utilizado para todas as aplicações do veículo exceto o pára-brisa, embora nada impeça que um fabricante adote o tipo laminado em outro locais do veículo.
Outra característica fundamental dos vidros é a sua transparência, ou seja, sua capacidade de permitir a passagem da luz. Transparência 100% significa enxergar através como se o vidro não existisse e transparência zero seria o bloqueio total da luz incidente.
A transparência é medida com um aparelho detector de transmitância luminosa. Um feixe controlado de luz é emitida na superfície externa do vidro e um modulo detector compara com o que resultou na superfície interna.
É requisito legal que a transparência mínima dos vidros para aplicação automobilística seja 75% para o pára-brisa, 70% para os vidros laterais dianteiros e 28% para os vidros restantes, laterais traseiros e o vigia.
Como as fábricas de vidros controlam a transparência? A resposta é com o controle estatístico do processo produtivo, que vai garantir que nenhum vidro seja produzido com transparência abaixo do mínimo especificado.
Não vou entrar a fundo em processos estatísticos, o que não é foco desta matéria, porem, vou dar uma “pincelada”a respeito como cultura geral.
As fabricas de vidros controlam o seu processo produtivo estatisticamente, levando em consideração o valor mínimo de transparência definido pela legislação e o valor máximo definido por custo-benefício, sabendo que quanto mais transparente for o vidro, mais difícil a sua manufatura e mais caro o vidro se torna. O processo define o limites superior e o limite inferior de controle, LSC e LIC, que é um campo que garante com mais de 95% de confiança que nenhum vidro seja produzido com transparência abaixo do mínimo (e nem acima do máximo também). Para facilidade do processo de manufatura e garantia estética , todos os vidros laterais e traseiro são produzidos dentro da mesma especificação de 70% mínimo. Esta especificação é gravada nos vidros e/ou a norma que a define e também o nome do fabricante.
Por exemplo, para os vidros laterais:
LIE = 70% (limite inferior da especificação)
LSE = 83% (limite superior da especificação)
LIC = 75% (limite inferior de controle)
LSC = 80% (limite superior de controle)
E virou moda a adição de películas (como o Insulfilm™) nos vidros com a função principal de escurecê-los.
Segundo a ANEPP (Associação Nacional das Empresas de Películas Protetoras), “a diminuição à exposição interna dá mais segurança aos ocupantes, inibindo os assaltantes. Além disso conserva mais os plásticos e os estofamentos dos bancos pela redução do efeito do sol, potencializa o ar-condicionado e aumenta a resistência dos vidros em caso de colisão no trânsito”. O que a ANEPP não fala é que a película pode prejudicar a identificação de quem está dentro do veículo, em bloqueio policial por exemplo.
Ou um policial se acercar de um veículo e levar um tiro. É mais que sabido que nos Estados Unidos, quando um policial manda o motorista encostar, este deve colocar as duas mãos no volante para que fiquem visíveis, pois o policial tem poder para atirar se desconfiar que o motorista vai pegar uma arma de fogo.
A película escurecedora pode também prejudicar a visão noturna em condições normais e sob chuva e/ou neblina e nas manobras de estacionamento. Pode também dificultar ver um pedestre atravessando a rua ao se dobrar numa esquina.
E o que diz a lei? “Todos os valores mínimos especificados para os vidros sem película protetora valem também para os com a película.” Ficam mantidos as transparências mínimas de 75% para o pára-brisa, 70% para os vidros laterais dianteiros e 28% para os laterais traseiros e vigia.
Na realidade, 70% de transparência não escurece o vidro a ponto de não se enxergar o interior do veículo. Minha conclusão é que a transparência dos vidros com película é muito menor na maioria dos casos, possivelmente com dezenas ou centenas de milhares de veículos trafegando fora da lei.
A sorte dos instaladores de películas é que os vidros nunca estão no mínimo de sua transparência, como mostrei anteriormente no controle estatístico do processo produtivo. Provavelmente os vidros laterais dianteiros estão em média com 80% de transparência, permitindo que a instalação da película reduza mais 10%, ficando dentro da lei de 70%. Se os vidros estivessem em sua especificação mínima não seria possível a instalação de qualquer película escurecedora sem ultrapassar o limite de luminosidade especificada pela legislação.
E querem escurecer ainda mais!
Foi aprovado em 2007 pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal o Projeto de Lei nº 5.472/2005 de autoria do ex-deputado Capitão Wayne (PSDB-GO) alterando os valores de transparência dos vidros:
70% no para brisa, hoje é 75%
28 % nos vidros laterais dianteiros, hoje é 70%
15% nos demais vidros, hoje é 28%
A faixa superior do pára-brisa deverá ter no máximo 25 cm de largura com luminosidade de no mínimo 15%, ou maior.
O projeto foi aprovado pelo senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE), justificando que “em meio a escalada de violência no país, a iniciativa se reveste de grande interesse, afinal, quanto menos visível estiver o cidadão no interior do veículo, menos vulnerável a ação de bandidos que atuam no trânsito”, pontuou o senador. Desde então o assunto encontra-se parado na Câmara dos Deputados — felizmente, pelo menos nisso Deus está sendo brasileiro.
Aproveito para sugerir ao “excelentíssimo senador” que tente dirigir à noite com óculos escuros, sob chuva ou neblina para agravar mais a situação. Quem sabe ele entenda a estupidez da proposta. Mas mesmo assim tenho minhas dúvidas.
As películas aparentemente protetoras podem causar danos à retina. A pupila ficará mais aberta e mais sujeita aos raios UVA e UVB, caso as mesmas não tiverem o filtro adequado. Além disso, a alternância constante entre campos claros (pára-brisa) e escuros (vidros laterais) deixa a pupila “louca” (aumenta e diminui a área sem parar), o que de modo algum admite-se ocorrer com quem esteja no comando de um veículo automotor.
Deveria-se, sim, lutar para que o projeto da Pilkington, empresa fabricante de vidros, apresenta como solução para aprimorar o conforto e sem prejudicar a visibilidade.
A Pilkington, detetora da marca Blindex, tem feito vários estudos para melhorar a segurança e o conforto dos ocupantes do veículo. Um exemplo é o pára-brisa com filtro que proporciona conforto térmico ao reduzir em até 30% a incidência dos raios infravermelhos de calor, diminuindo a temperatura interna do veículo em até 10°C. Tem também a propriedade de reduzir os raios UVA e UVB tão nocivos á saúde, por serem cancerígenos. Isso tudo mantendo a legislação de transparência. Outros estudos de vidros esverdeados escuros estão sendo realizados com a função de substituir as películas sem prejudicar a transparência, principalmente durante a noite e sob chuva e/ou neblina.
De acordo com a legislação vigente, a Resolução Contran 386/11, os veículos que tiverem a película escurecida precisam exibir a marcação do índice de transparência em local de fácil visualização, incluindo a marca do fabricante e o símbolo de conformidade com a legislação brasileira definido pelo Inmetro.
Na realidade, após a aplicação da película, deveria ser feito a medição de transparência em cada vidro, mostrada em região visível, para que qualquer inspeção por órgãos públicos seja facilitada. Só que que a chancela que os instaladores aplicam são “para constar”, pois não correspondem absolutamente à realidade.
O que é mais intrigante é haver lei a respeito, a fiscalização estar devidamente normalizada pelo Contran e apesar disso continua o abuso de usar o carro com esconderijo, usando verdadeiros “sacos de lixo”, como diz o Bob Sharp, nos vidros.
Existem também muitos veículos trafegando com películas reflexivas que são proibidas pela legislação
Vidros reflexivos proibidos por lei
Hoje, infelizmente, não tenho vontade de homenagear ninguém. Espero que os legisladores do Brasil tenham um pouco de discernimento ao analisar este assunto por demais complicado e que envolve diretamente a segurança das pessoas e do trânsito como um todo.
CM