Na madrugada desta quarta-feira, num acidente na BR-153, em Goiás. faleceram o cantor sertanejo Cristiano Araújo e sua namorada Allana Coelho Pinto de Moraes. O veículo, um Land Rover Range Rover Sport, capotou numa reta, sem que se saiba até agora a causa exata. Eles se dirigiam de Itumbiara à capital Goiânia, um percurso de 208 quilômetros, após uma apresentação de Cristiano. O acidente aconteceu por volta de três e meia da madrugada, segundo os noticiários.
Havia quatro ocupantes no veículo, o casal, o motorista e o empresário do cantor. Segundo a Polícia Rodoviária Federal, o casal estava no banco traseiro e não usava o cinto de segurança. O motorista e o empresário, que ocupavam os bancos dianteiros, tiveram apenas ferimentos leves.
Olhando as fotos do acidente percebe-se claramente que a estrutura do veículo cumpriu sua função na capotagem, mantendo relativamente íntegra a célula de sobrevivência. Isto, aliado ao fato dos ocupantes do banco dianteiro terem sobrevivido com poucos ferimentos, permite afirmar que muito provavelmente a falta do uso do cinto de segurança foi o que matou o casal. Ou seja, se ambos estivessem com os cintos afivelados, muito provavelmente sofreriam apenas ferimentos sem gravidade.
O suve Range Rover Sport 2015 tem toda a sopa de letrinhas de segurança atual. Sete bolsas infláveis, inclusive as que protegem os ocupantes do banco traseiro, que se abriram no momento da capotagem. O único fator que poderia fazer algo dar errado neste acidente seria a falta do uso do cinto. E foi justamente o que aconteceu.
No dia 18 de maio de 1999 o conhecido romancista, dramaturgo, autor de telenovelas e membro da Academia Brasileira de Letras, Dias Gomes, de 76 anos, morreu quando o táxi em que estava foi atingido por um ônibus no corredor da Av. Nove de Julho, em São Paulo, ao o motorista erroneamente fazer uma conversão à esquerda. Não foi uma colisão que se possa chamar de séria, mas quando o táxi rodou uma porta traseira se abriu e Dias Gomes, por não estar com cinto atado, foi atirado do carro, batendo com a cabeça numa mureta divisória. Como as de Cristiano e Alana, outra vida perdida bestamente.
O pior é que atar o cinto é mera questão de hábito. Todos fazem isso automaticamente ao se sentarem tanto nos bancos dianteiros de um automóvel, quanto num banco de um avião. É um ato simples, que nada custa fazer. Parece que nos esquecemos que acidentes não avisam.
Num acidente, uma das coisas que mata os ocupantes do veículo é a súbita desaceleração. Por conta disso é que os carros têm zonas de deformação programada, é uma forma de dissipar a energia do impacto, diminuindo o efeito da desaceleração, tentando fazê-la acontecer da forma mais suave possível. Isso pressupõe, portanto, que os passageiros estejam firmemente presos ao veículo e que desacelerem junto com ele, aproveitando a zona de deformação programada. E é justamente esta a função primária de um cinto de segurança: manter o ocupante firmemente preso ao veículo no momento do acidente. Quando os ocupantes não afivelam o cinto, ficam soltos dentro do veículo. Por conseqüência, esta zona de deformação programada deixa de protegê-los.
https://www.youtube.com/watch?v=e6Qhmdk4VNs
A segunda colisão
Lembra daquela aula de física do 2º ano do Ensino Médio em que você provavelmente estava dormindo ou sonhando com seu(sua) paquerinha? Aquela aula (chatíssima, para você) em que o professor ensinava uma tal de 1ª Lei de Newton (que ia cair na prova!), a lei da inércia, que diz “Um corpo em repouso tende a permanecer em repouso, e um corpo em movimento tende a permanecer em movimento”?
Pois bem, uma aplicação implacável desta lei ocorre durante um acidente. Ao bater de frente, o veículo desacelera bruscamente. Porém, seus ocupantes tendem a continuar na mesma velocidade em que estavam. Se estiverem soltos, sua inércia produz uma “segunda colisão”, em que os passageiros batem violentamente contra o interior do veículo que desacelera. Só que, neste caso, não há zonas de deformação programada para suavizar a desaceleração, é uma batida seca contra o painel, pára-brisa, volante ou, no caso dos ocupantes do banco traseiro, contra o banco dianteiro. Neste tipo de batida a desaceleração costuma ser mortal, com os órgãos internos se arrebentando ao se chocarem uns contra os outros ou contra o esqueleto; o frágil cérebro, contra a caixa craniana.
Além disso, há um problema adicional em relação aos ocupantes soltos no banco traseiro. Eles são jogados contra o banco dianteiro, só que neste banco há uma pessoa com cinto de segurança. Desta forma, o ocupante do banco dianteiro pode ser esmagado entre o cinto e o banco. O passageiro de trás morre pela desaceleração e o da frente, que teria grandes chances de sobrevivência, acaba perecendo esmagado.
Isso não aconteceu no acidente do Cristiano Araújo porque não foi uma colisão, e sim uma capotagem. Nesta, mesmo não havendo uma desaceleração tão brusca, a rolagem do veículo em torno de si mesmo faz com que os passageiros soltos se choquem repetidamente contra o interior do veículo e contra si mesmos. Se estivessem presos, rolariam junto com o veículo e estes choques não ocorreriam. No caso deles, segundo a PRF, ambos ainda foram atirados para fora do veículo durante a capotagem, ocasionando mais um choque — contra o solo. Há casos também de esmagamento pelo próprio veículo.
A falta de costume do brasileiro médio em usar cinto de segurança no banco traseiro não condiz com a recente “paranóia por segurança” do consumidor. Ultimamente este passou a exigir freios antitravamento, assistente de frenagem, bolsas infláveis, controle de estabilidade, controle de tração, distribuição eletrônica de frenagem, todos traduzidos na famosa “sopa de letrinhas” (ABS, EBD, BAS, ESC, TC etc), isso sem falar nas famosas estrelinhas conferidas pelos NCAP, hoje tão alardeadas e valorizadas. Toda essa sopa de letrinhas que é exigida (e regiamente paga) na hora da compra de nada serve quando este mesmo consumidor não afivela e nem exige que os seus passageiros no banco traseiro façam o mesmo, já que “não precisa porque o guarda não multa”.
Pesquisa recente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ironicamente divulgada ainda neste mês, aponta que metade (50,2%) dos brasileiros não usa cinto de segurança no banco traseiro. Na dianteira, o percentual é bem maior, próximo dos 80%, porque “dá multa”. Olhando através do pára-brisa, é fácil ao agente de trânsito perceber se os ocupantes do banco dianteiros estão ou não com o cinto afivelado, embora em carros com “sacos de lixo” nos vidros isso se torne impossível. Já no caso dos ocupantes do banco traseiro é bem difícil. Por conta dessa brecha, muita gente dispensa o uso do cinto no banco traseiro.
O mais irônico é que o cinto de segurança, o equipamento de segurança mais importante de todos, exigido em todos os carros vendidos no Brasil a partir de 1968 e cujo uso foi tornado obrigatório pelo Código de Trânsito Brasileiro, é justamente o mais esquecido e menos valorizado. Falta conscientização de que se deve usar o cinto só para não tomar multa, mas porque ele efetivamente faz uma enorme diferença em um acidente, mais do que todas as letrinhas da sopa juntas.
Tente lembrar da aula de física do ensino médio toda vez que entrar no carro. Afivele o cinto, exigindo que todos os passageiros façam o mesmo. Para a segurança deles e sua própria.
CMF