O segmento em que o Ford Focus concorre está forte. São carros sofisticados, modernos e qualquer deles tem condições de satisfazer os desejos da clientela-alvo, que acaba definindo sua escolha pesando sutilezas, onde um carro tem suspensão mais macia, já outro a tem mais esportiva, outro tem mais espaço no banco traseiro, outro mais espaço no porta-malas, outro o design é mais moderno, outro tem estilo mais sóbrio etc. Felizmente, hoje o cliente pode se dar o luxo da escolha entre vários carros parelhos e bons. Porém, ainda há os clientes que, por não entenderem de carro, se sentem mais seguros sendo fiéis a uma só marca ou “nacionalidade”, e ponto final. Com esses não há o que discutir, já que não existe pessoa mais resoluta que a que faz questão de desconhecer os fatos.
A nova frente do Ford Focus, com a cara dos Aston Martin da época do David Brown, anos ’50, evidenciou que ele pertence à família Ford, já que Ka, Fiesta e Fusion também estão com essa frente que me parece inspirada na boca da baleia corcunda. Vamos então ao que o leitor quer, que é saber como é guiá-lo por uma semana, pegando cidade e estrada com ele. O Bob já o testou por ocasião de seu lançamento e, apesar da relativamente curta experiência com ele, expôs ampla e claramente o que o novo Focus é. Para não ficar redundante, a mim caberá relatar como ele é num convívio mais longo, e o resumo é que ele é daqueles carros que quanto mais o dirigimos, mais agrada, mais nele descobrimos boas características. Vale também ler o post do Carlos Meccia sobre a versão sedã, agora chamada Fastback.
Entre os carros da sua categoria, o acerto da suspensão do Focus foi o que mais me agradou, pois ela me pareceu ser a que melhor alia o conforto ao desempenho. É das mais macias e a que mais se mostrou apta a contornar curvas, principalmente as de alta, as mais críticas. Ele as faz com neutralidade e precisão notáveis, nada ficando a dever a modelos importados de custo bem superior. Nosso traçado sobre o asfalto forma uma perfeita linha curva de raio contínuo. É também a que melhor se comporta sobre piso irregular e em curvas com ondulações. Muito disso se deve à excelente suspensão traseira independente multibraço mais barra estabilizadora que permite molas de constante baixa, macias, ao mesmo tempo proporcionando bom controle de rolagem nas curvas. As rodas têm maior facilidade em acompanhar o piso irregular e cada uma trabalha sem a inconveniente interferência da oposta. Sua geometria é tal que seu funcionamento pouco altera o bom posicionamento dos pneus em relação ao solo.
Outro tanto desse excelente comportamento se deve ao Focus não ter sido erguido para satisfazer o gosto insensato do nosso mercado. Além de bom de chão, também não ficou aquele imenso vão entre arco de pára-lama e roda que tanto enfeia um carro. E nem assim raspou em lombadas nem nada, tampouco a frente em valetas ou coisa semelhante, mesmo tendo o exagerado balanço dianteiro comum em alguns carros de tração dianteira. Que os outros sigam o seu exemplo e muito ganharão em comportamento, e sem precisar lançar mão de sofisticados auxílios eletrônicos que encarecem o carro.
Em curvas mais de alta e com piso ondulado, depressões por afundamento do leito, coisa ainda comum na Rodovia Rio-Santos, praticamente basta firmar o volante na trajetória pretendida que o carro imediatamente se estabiliza e segue o traçado. O novo Focus é um carro cujo limite em curvas é dos mais altos, daqueles carros que inspiram confiança, tanta que o perigo passa a ser o motorista se empolgar e confiar demais. É daqueles carros que merecem ir para a pista e, aí sim, ser explorado como se deve.
É bom de curva no nível de carros com foco mais esportivo, como os Citroën DS3 e DS4 ou Peugeot RCZ, por exemplo, sendo que estes têm suspensão firme, esportiva, enquanto o Focus a tem macia. Faz o que esses fazem, só que sem abrir mão do conforto.
A suspensão traseira por eixo de torção evoluiu muito e está plenamente satisfatória, sem dúvida, porém não tem como superar um boa suspensão traseira independente do tipo multibraço.
Ele tem controles eletrônicos que o ajudam a tirar o motorista de situações críticas, mas nota-se que o seu acerto de suspensão é tão cuidadoso que raramente e só em casos extremos esses auxílios intervêm, e assim mesmo sutilmente, sem atrapalhar a nossa guiada.
Bom, uma pausa nos elogios, senão caio no exagero. Descobri um defeito: o teto solar. Quando aberto, a partir de 50 km/h há uma vibração de ar exagerada, daí o jeito é abrir os dois vidros dianteiros uns 15 cm para manter o teto aberto sem o incômodo . Falta um estudo de fluxo de ar aí ou mesmo um defletor.
Voltemos aos elogios. Os bancos macios, envolventes e anatômicos, tornam a viagem descansada. Desce-se lépido do carro, sem reaprumo do esqueleto. Viagens longas, rápidas e descansadas. A ampla regulagem da posição do volante nos dois planos permite colocá-lo no ponto ideal. Os instrumentos analógicos são de fácil e rápida leitura, sem rebuscados, semelhante ao padrão alemão; os faróis, excelentes.
O banco traseiro é confortável, macio e tudo, mas peca um pouco no espaço para as pernas, só isso.
O câmbio robotizado de duas embreagens PowerShift, de 6 marchas, funciona muito bem. Engana facilmente quem de antemão não sabe que é um robotizado, pois se comporta como um bom e moderno automático epicíclico. Suas trocas são suaves. Tem creeping, o avanço lento ao tirar o pé do freio que, mesmo sem acelerar, o que facilita as manobras e o dirigir no anda-e-pára. A alavanca seletora permite os modos D e S, em que o primeiro é para a condução normal, com mais conforto. Com ele selecionado pode-se comandar as trocas de marcha pelas borboletas atrás do volante – não é possível fazê-lo pela alavanca. Ele obedece e mantém a marcha selecionada até que numa aceleração a programação do D volte a assumir subindo marcha normalmente. Para descer uma serra usando freio-motor escolhe-se a marcha certa pelas borboleta.
Já no modo S o câmbio fica mais responsivo nas reduções de marcha. Com menor acelerada ele já baixa uma. E assim ele segue em S mudando marchas subindo ou reduzindo automaticamente, só que com maior prontidão, o que é recomendável, por exemplo, numa estrada cheia ou sinuosa, até que, uma vez que você comande pelas borboletas, as mudanças passam a ficar só a seu critério. Ele só tomará atitude para mudar marcha acima se a rotação do motor atingir o limite de giros, que é 6.800 rpm. Fora isso, ele fica onde você deixou. Depois, para voltar a delegar as mudanças de marcha ao câmbio, você terá que colocar a alavanca na posição D. Câmbio decidido, bem programado, nada a criticar. A 120 km/h o giro fica em 2.700 rpm em 6ª marcha, relação final de transmissão que se mostra adequada para o conjunto.
O motor tem funcionamento muito silencioso e suave. E econômico. Mesmo carregando o fardo de ser flex consegue ser econômico, em parte devido a ter injeção direta. Taxa de compressão de 12:1. Fez 9,5 km/l de álcool na estrada, viajando rápido, e 6,8 km/l na cidade, rodando devagar e calmo, pelo computador de bordo. Nada mau para um carro de 1.414 kg. Pela potência divulgada, 178 cv a 6.500 rpm (álcool), era de se esperar números um pouco mais expressivos de desempenho. O torque é de 22,5 m?kgf a 4.500 rpm (álcool). A Ford divulga 9,7 segundos no 0 a 100 km/h e 208 km/h de máxima. Na prática, a impressão que fica é que ele é mais rápido e veloz que o Honda Civic e o Toyota Corolla, mas menos rápido que o Citroën C3 THP e Peugeot 408 THP, por exemplo. De qualquer modo, todos esses citados já andam muito bem para o uso que se destinam. Dão e sobram. Se aparecer alguém reclamando que um ou outro desses “não anda bem”, o leitor pode crer que esse alguém não os sabe acelerar e muito menos saberá tocar um forte esportivo.
Mas, enfim, o mercado tem razões que a própria razão desconhece. Talvez o desenho anterior do Focus o desfavorecesse. As linhas gerais do novo já mostrou que agradou bastante, pois elas no Ka, Fiesta e Fusion caíram bem no gosto do consumidor. Parece que agora o Focus tem tudo para ter o sucesso que merece.
AK