As expectativas de 2º semestre de recuperação, mesmo que moderada, foram adiadas. Tentemos olhar o que acontece com algum realismo.
Entre os principais fatores que influenciam a retração nas vendas deste ano, juros em alta, crédito mais restritivo, queda na renda e na confiança do consumidor, vemos que, excetuando alguns acenos de taxa zero em 48x de promoções espalhadas por aí, as demais não apontam inversão de tendência ou mudança para agora. Nas seguidas tentativas de conter a inflação, o Banco Central elevou a taxa Selic em mais meio ponto (14,25% a.a.) o que na esteira encarece os empréstimos bancários. O difícil panorama político-institucional ajuda a explicar em parte a menor confiança do consumidor e ela não deve voltar a subir no curto prazo em nenhum dos desdobramentos possíveis. Esse índice de confiança é estatístico e subjetivo, mas pouco contestável, estendendo-se a a investimentos e bens de capital. Ainda no setor automobilístico as vendas de caminhões despencaram mais de 40% neste ano, uma barbaridade.
Nessas circunstâncias, assistimos uma queda nos emplacamentos diários que chegou a preocupantes 9.300 e reagiu poucos dias antes do mês fechar julho com 9.896/dia, graças às conhecidas ações de atacado e varejo de fim de mês, de “socar” vendas nos seus pontos finais para fechar números. E dá-lhe estoque de carros emplacados.
Importante frisar que, a cada mês está havendo uma deterioração nas vendas, a despeito dos vários esforços em conter essa tendência. Ao encerrar o primeiro bimestre, o mercado havia caído “apenas” 18%, depois essa queda acumulada ficou em 20% e agora em julho atingiu 21%. Comparando julho atual com o do ano passado temos – 22,8%.
Os fabricantes e respectivos concessionários vêm tentando se virar como podem e resistindo bravamente em mexer nos preços, o que, por um lado poderia trazer mais consumidores às lojas e, por outro, corroeria ainda mais as margens já nocauteadas pelos aumentos de custos. Creio que essa alternativa pode demorar mais alguns meses, logo saberemos. Por enquanto assistimos criativas promoções que vão bem além da “taxa 0%”.
No mesmo mês de julho, poucos dias antes de a GM anunciar importantes investimentos em renovação de produtos, o presidente da fabricante para a América do Sul, Jaime Ardila comentou numa entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, que aqueles 300 a 400 mil novos consumidores/ano de carros 0-km do segmento de entrada desapareceram. Eles compravam Celta e Classic da GM, assim como Palio Fire e Uno da Fiat, VW up!, com financiamentos de acima de 48 meses, pouco de entrada e prestações mensais de até R$ 400 — a tal da parcela que cabia no bolso do orçamento familiar da “nova classe média”.
Quando esses novos consumidores vieram atrás de carros zero-quilômetro a indústria preparou-se para recebê-los criando aquele segmento de entrada “de entrada”, carros de menos de 30 mil reais e com algum equipamento de conforto e com acesso a financiamentos de até 72 meses. Chegaram a representar algo como 15% das vendas totais. Foram importantes no contexto sócio econômico também, representando motorização para mais brasileiros. Creio aí estar acontecendo uma mudança estrutural e que a indústria entende que será de recuperação lenta.
Como primeiro reflexo, a retirada de linha do Chevrolet Celta. Não foi a primeira: o novo Ford Ka, carro de entrada da marca, passou a custar R$ 40 mil, uma forma sutil de abandonar aquele segmento.
Isso também ajuda a explicar a queda de participação das três grandes, cada uma delas apresenta redução de vendas superior a 30%, num mercado que se retraiu naqueles 21% que citei. Em julho Fiat, GM e VW somaram menos de 50% do bolo, quando no mesmo mês do ano passado eles representavam 56,5%. Apenas essas três tinham produtos para atender a essa nova classe de consumidores que deixou de ir às lojas.
Esperemos esse momento não se transforme em anos, o que seria uma enorme pena. Lembremos que o mercado brasileiro somente amadureceu de vez quando acesso ao automóvel novo estava ao alcance de importante parcela da população.
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As férias coletivas que vários fabricantes recorreram em diferentes ocasiões ao longo do primeiro semestre se repetiram em julho e ajudaram os estoques a baixar de 46 para 45 dias, uma melhora marginal e que significa que os níveis de produção precisarão de mais cortes de dias trabalhados daqui até o final do ano, com o porém que não deve haver muito mais férias a conceder. Daí a conveniência da discussão de redução de jornada e salários haver tomado conta da cena, com o PPE (Plano de Proteção ao Emprego) anunciado pelo governo federal para evitar que as demissões tomem proporções nefastas.
Na contramão, os asiáticos e os crossovers. A Toyota anunciou que irá expandir a produção de seu modelo de entrada Etios com a contratação adicional de 600 pessoas em mais um turno de produção, o que merece destaque. A Jeep seguiu seu plano de aceleração de produção (ramp-up) do Renegade, que alcançou 4.028 unidades e encostou no novo líder e queridinho do segmento, o Honda HR-V, com 4.429 unidades, ambos superando os até então donos do pedaço Ford EcoSport (2.890) e Renault Duster (3.198). Vale lembrar que os fornecedores nacionais do novo Jeep ainda não atingiram a sua plena capacidade, havendo portanto espaço para crescer e incomodar a Honda mais um pouco.
Os dois Fiat Palio seguem à frente, com 11.312 unidades, seguidos de perto pelo Chevrolet Onix, com 10.726, Hyundai HB20 9.462, Ford Ka tomando um bom 4º lugar, com 9.281. O bom posicionamento do Ford pode ser melhor explicado por haver figurado no topo do ranking das vendas diretas do mês (ver gráfico abaixo), com 3.892 unidades, ou seja, 41,9% de seus emplacamentos foram a frotistas, quando a média dos automóveis é de cerca de 24%, segundo a mesma Fenabrave. Mas a lista dos mais vendidos por via direta revela que Ford não está só, Fiat Strada tem essa proporção invertida e o varejo fica com 39% de suas vendas totais.
- Neste mês publicamos essas informações da Fenabrave (Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores) para facilitar a análise do leitor. Acompanhemos o mês de agosto atentamente.
- Até o mês que vem.MAS