Foi em agosto de 1969, em meu último ano de Faculdade de Engenharia Industrial (FEI, atualmente Fundação Educacional Inaciana), que comecei a trabalhar na Chrysler do Brasil. Não poderia ter tido melhor sorte, pois chegava em um momento histórico, com a linha das picapes e caminhões Dodge saindo do forno, como também o carrão Dodge Dart.
A fábrica da Chrysler em Santo André (SP), antiga International Harvester, fabricava os caminhões Dodge e também fundia, usinava e montava seu motor 318 V-8 de 318 polegadas cúbicas (5.210 cm³) e 198 hp (potência SAE bruta). Robusto, com virabrequim forjado, tuchos hidráulicos e comando no bloco, era o maior motor produzido no Brasil.
E foi lá que eu iniciei minha carreira, acompanhando a linhas de manufatura dos caminhões como técnico de produção, pois ainda não estava formado engenheiro. Eu desenvolvia ferramentas e dispositivos especiais para otimizar os processos produtivos, desde a rebitagem a frio dos quadros do chassi, até a montagem final dos caminhões. Trabalhei também como líder nos testes e balanceamento dos motores em bancada.
Eu, meninão e sem experiência em indústria, ficava fascinado e ao mesmo tempo temerário quando adentrava às instalações da fundição dos motores, vendo o ferro derretido sendo transformado nos enormes blocos do V-8. Com calor e poeira insuportáveis para mim, parecia que estava nos portões do inferno.
Sempre tive aptidão para a mecânica e isso me ajudou muito no início de carreira, pois logo comecei a ganhar mais responsabilidades, trabalhando na seleta linha de usinagem e montagem dos motores. Aprendi muito com o pessoal de base e entendi desde cedo que devemos ouvir todos para tomarmos decisões acertadas, valorizando o trabalho em equipe.
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Mas o que realmente me chamava realmente a atenção era o maravilhoso e reluzente Dodge Dart, feito nas instalações da Chrysler em São Bernardo do Campo (SP), a antiga Simca. Vira e mexe aparecia algum funcionário do alto escalão da empresa nos visitando dirigindo aquele carrão com linhas simples, retas e aquele ar de esportividade incrível.
Aliás, os carrões no Brasil eram raridades, como, por exemplo, o Ford Galaxie, carro dos ricos e famosos na época. Neste aspecto o Dodge Dart se encaixava muito bem pois era mais barato que o “Galaxão” e mais moderno também, com linhas simples e esportivas. Os primeiros modelos quatro-portas foram fabricados em seis cores: amarelo Carajá, azul Profundo, azul Abaeté, verde Imperial, branco Polar e preto Formal. Foram fabricadas 3.366 unidades em 1969. No ano seguinte a Chrysler, já dirigida por Joseph O’Neil, alcançou a meta de produzir 60 carros/dia. Assim, o Dart foi líder de vendas no mercado de carros de luxo, passando a ter penetração de 41,4% no segmento.
A edição de outubro de 1969 de Quatro Rodas publicou as impressões ao dirigi-lo. O saudoso Expedito Marazzi notou que a posição ao volante incomodava em viagens, pelo pouco recuo, pela inclinação do banco e pelos pedais altos. Outras críticas iam para embaçamento dos vidros, instrumentos de leitura difícil, falhas na vedação, dificuldade de fazer o motor dar partida, engates difíceis e trepidação do capô em velocidade. A rigidez da suspensão ficava a dever no conforto. A autonomia com o tanque de 62 litros era de apenas 240 quilômetros!
A firmeza da carroceria era ponto positivo, bem como a temperatura estável do vigoroso motor. Apesar de o carburador se abrir em etapas, o que fazia o carro saltar na rotação de mais torque, era “agradabilíssimo calcar o acelerador e sentir o Dart arrancar, com os pneus cantando no asfalto”, disse Marazzi. “Nas subidas, o Dart continua como se estivesse no plano.”
O fading dos freios a tambor custava a aparecer, segundo ele, mas incomodaria colegas em testes posteriores. O pedal era macio e sua eficiência, satisfatória, graças a uma “herança” do Simca Chambord: os freios. Estes eram excelentes devido ao arranjo, na dianteira, de dois cilindros freio por roda. Com isso, ambas as sapatas são primárias, de alto efeito autoenergizante (ao girar, o tambor arrasta as duas sapatas). Sua velocidade máxima era de aproximadamente 180 km/h.
Lembro-me que Dodge Dart tinha a particularidade de roscas da fixação de rodas terem lado, normais (direitas) no lado esquerdo e esquerdas no lado direito. A teoria era o movimento da roda tender a apertar as porcas. Creio que a Chrysler foi das últimas fabricantes a adotar esse critério.
Na realidade, o Dodge Dart foi o primeiro “muscle car” brasileiro.
Nos Estados Unidos, os carrões com motores enormes, os muscle cars, estavam em moda na década de 1960, impulsionados pela gasolina barata e pelo crescimento do país. O primeiro muscle car foi o Pontiac GTO, de 1964, criação de John Z. DeLorean, que lhe rendeu a promoção de chefe de motores a chefe da divisão Pontiac inteira. Com tecnologia de ponta e manufatura de excelente qualidade, o país enriquecia com pujança, fazendo crescer a qualidade desses “brinquedos”.
.Trabalhei na Chrysler até o final de 1970 quando entrei na Ford-Willys, meu primeiro emprego como engenheiro de desenvolvimento do produto. Imagine o leitor a minha felicidade trabalhando nas instalações do moderno Centro de Pesquisas em São Bernardo do Campo, sem dúvida o maior e mais completo centro tecnológico brasileiro. Tinha de tudo, dinamômetros de motores, ferramentaria, construção de protótipos, estilo do produto, laboratórios estruturais e toda a engenharia distribuídos em um prédio de oito andares, que incluía também a presidência da companhia. Posso dizer que fui um engenheiro privilegiado.
E como o primeiro projeto a gente nunca esquece, o meu foi o cálculo da mola de acionamento do mecanismo de engate da marcha à ré na coluna de direção do Ford Maverick com motor 6-cilindros, o BF161 que fora do Aero-Willys, o “fogão de seis bocas”. Em 1971, o Maverick ainda estava na etapa de projeto, sendo lançado no Brasil em junho de 1973.
No encerramento da matéria, minha homenagem não poderia deixar de ser à Ford, que me proporcionou uma vida profissional de 40 anos e da qual hoje realmente posso me orgulhar.
CM