Meu nome é Mauro César e gostaria de compartilhar com vocês amigos-leitores do Ae a minha história automobilística. Desde quando começou o “Histórias dos Leitores” eu pensava em escrever minha história, porém sempre ia postergando, até que agora decidi escrevê-la. Sempre fui um daqueles leitores tímidos, que quase nunca comenta, mas leio todos os textos e comentários.
Tudo começa no ano de 1995. O local é minha querida Belo Horizonte, ou BH para os mais íntimos. Eu tinha 25 aninhos, fazia Ciências Contábeis, já estava no 2º ano do curso. Trabalhava o dia todo num escritório de advocacia e estudava à noite. Rotina maçante de “faz-tudo” no escritório, somado ao curso, estava me cansando. Decidi que compraria um carro, assim pelo menos teria algum conforto e fugiria do estressante transporte público.
Desde novo sempre trabalhei, ora na pequena mercearia dos meus pais, ora fazendo estágios em escritórios. Com isso juntei uma grana legal e fui à caça do carro perfeito para mim. Folheava as páginas dos classificados atrás de uma “mosca branca dos olhos azuis”. Certo dia fui à feira de veículos no Mineirão e de cara comprei o carro. Era um Gol 1,6 AP 1988 de cor preta. Era de um senhor que o comprou 0-km e só usou para pequenos trajetos. O carro estava visual e mecanicamente impecável com pouco mais de 20.000 km. E o melhor era o preço atraente, pois o senhor já não conseguia mais dirigi-lo e queria se desfazer daquele “peso morto” na garagem.
Passados algumas semanas, ainda vivia a euforia da compra! Nos finais de semana sempre saía com o carro e ia exibi-lo na região dos Seis Pistas/Belvedere, onde a galera jovem aparecia aos domingos à tarde para ficar fazendo manobras e pegas… Era um festival de XR3, Gols GTi, BMW, Opala e Dodge Dart nervosos, enfim uma frota completa, preferida dos playboys da época… Confesso que queimei muito pneu nesses tempos (rsrs)…
Mas a vida dá voltas. Um dia, no horário de almoço, saí do escritório e fui pegar um livro que havia deixado no porta-luvas do Gol. Desci e fui até a outra rua onde estava estacionado. No lugar do Gol tinha outro carro. Fui percorrendo todo o quarteirão, pois talvez tivesse confundido o lugar onde tinha parado. Liguei para casa para saber se o carro estava na garagem. Não, não estava. Minha mãe confirmou que eu havia saído com ele pela manhã.
Lembro-me de ter ficado uma meia-hora sentado no passeio em estado de choque. Não queria acreditar que tinham roubado meu carro! Depois de passado o choque, foi a hora dos trâmites legais: fazer B.O., informar BH inteira de que um Gol preto 88 havia sido roubado… Perguntaram-me de seguro. Claro que não tinha seguro. Era jovem e essas coisas só acontecem com o vizinho, nunca conosco.
Passados uns dois meses, já estava até passando o luto pelo Gol, recebo uma carta do Detran-PR. Era uma notificação de infração de trânsito por avanço de sinal na cidade de Foz do Iguaçu. A data da infração era de três dias após o roubo do carro. Mostrei a carta para meu tio Olavo, que era escrivão da Polícia Civil. Após confirmar com alguns colegas de serviço, ele me disse o óbvio: meu carro tinha sido roubado e levado para o Paraguai, coisa muito comum nos anos 80 e 90. Roubava-se no Brasil e trocava o veículo por drogas ou muambarias em geral.
Meu sangue ferveu: ser roubado já é digno de revolta, agora ser roubado e ter um paraguaio usando seu carro que você custou a comprar, enquanto você anda em ônibus lotado, é mais revoltante ainda. Na hora me bateu a idéia mais maluca de todas: resgatar o Gol das mãos paraguaias!
Conversei com esse meu tio e expliquei todo meu plano mirabolante para ele. Iria ao Paraguai e buscaria meu carro de volta, ou seja, faria o inverso do bandido: roubaria o carro no Paraguai e o traria de volta ao Brasil. Super simples. SQN (só que não), como diriam os mais jovens. O importante é que meu tio e seu fiel 38 topou. Foi mais para me proteger do que ajudar.
Como sou um gênio da investigação (ironia), fui numa dessas excursões de sacoleiros ao Paraguai. Assim poderia rodar livremente em Ciudad del Este e seria visto como sacoleiro. Saí de casa levando apenas uma mochila com um novo par de placas, os documentos do carro, as chaves originais e as reservas e alguns dólares. Bons tempos do dólar 1:1!
A viagem começou na sexta, 12h00, entrou madrugada adentro e chegamos a Ciudad del Este no sábado de manhã. O grupo ficou em um hotelzinho e eu e tio fomos para o centro em busca de informações. Não tínhamos tempo a perder. Para facilitar as buscas, decidimos conversar com comerciantes e vendedores de peças. Visitamos várias casas na região e nada. Paramos em uma loja de autopeças/ferro-velho que ficava mais afastada do centrão de compras. Nos apresentamos como vendedores de veículos de São Paulo e perguntei ao camarada se ele sabia de alguém que estava vendendo um Gol “quadrado” e que somente cor preta me interessava. Disse que tinha uma encomenda e que pagaria bem pelo carro além de uma boa gorjeta ao vendedor. Para convencê-lo, soltei uma nota de US$50,00 no balcão. O olho gordo do vendedor cresceu na hora e ele começou a fazer várias ligações.
Confesso que nessa hora achei que ele tinha desconfiado de alguma coisa e que chamaria reforços. Mas não, passado um tempo ele me entregou um papel com três telefones de negociadores de carros. Me disse que estes tinham Gol preto à disposição. Liguei para o primeiro e marcamos um encontro numa praça famosa pelo comércio de veículos. Lembro-me de ver vários carros em bom/ótimo estado por preços irrisórios. Uma D20 novinha foi me ofertada por US$ 4 mil. Obviamente recusei. Encontrei com o negociador e logo veio a decepção porque o Gol não era o meu. Tratava-se de um GTi azul Mônaco.
Telefonei para o segundo. Marquei o encontro num depósito de material de construção onde o carro estava guardado. Meu coração “pulava pra fora” tamanha a adrenalina. Peguei um táxi e fui até o local. Cheguei lá e, surpresa: era meu carro! Estava com placas paraguaias, porém o adesivo do Galo (Atlético Mineiro) no vidro (tiraram o adesivo, mas ficou aquela sombra) e a plaqueta da concessionária Carbel onde o carro foi tirado, entregaram a origem. Além disso, reconheci um amassadinho na porta bem característico.
Para disfarçar desdenhei do carro e disse que não havia me agradado. Mesmo assim pedi para dar uma volta e ver como rodava. Estrategicamente, parei o Gol do outro lado da rua, em frente a uma loja de eletrônicos. Despedi-me do carro e do “vendedor” e entrei na loja de eletrônicos. O carro continuou parado lá. Aí começou o plano.
Passei a chave-reserva para meu tio e disse que iria ao depósito distrair o vendedor. Enquanto isso, meu tio roubava meu próprio carro. Combinamos de nos encontrar no estacionamento do hotel da excursão. E assim foi feito. Meu tio saiu com o carro sem muitos alardes enquanto eu ficava conversando amenidades com o “dono” do carro.
Rodei por todo o centro de Ciudad para não dar bandeira da minha participação no roubo, caso fosse seguido. Já estava entardecendo quando voltei ao hotel. Corri ao estacionamento e vi meu tio e o Gol. Mas não havia tempo para matar a saudade ali. Apenas conferi os números de chassi para ver se não foram adulterados e substitui as placas paraguaias por brasileiras. Fechei a conta no hotel e saímos disparados rumo à Ponte da Amizade. Somente quando parei no posto da PRF, em solo brasileiro, é que eu consegui me acalmar e respirar um pouco.
Expliquei toda a situação pros policiais que me trataram como verdadeiro maluco. Conferiram os documentos e revistaram todo o carro comprovando-o que era realmente o meu e que não havia de ilegal escondido. Fui liberado, mas antes tive que quitar a multa por avanço de sinal. Coisas de Brasil.
Creio que no trajeto Foz –BH tenha atingido a velocidade da luz e ultrapassado a barreira do som tamanha a velocidade média que fiz. A mistura de adrenalina e medo de ser perseguido por bandidos paraguaios me fez dirigir sem parar (somente para abastecer) até chegar ao estado de São Paulo. Enfim em SP pude parar pra descansar, comer e dormir. Meu tio como bom policial, ligou para os colegas alertando-os que recuperamos o carro e que estávamos voltando para BH.
A chegada em BH foi decepcionantemente feliz. Feliz por estar em casa e o Gol na garagem. Decepcionante, pois achava que meus pais iriam ficar felizes, mas não. Estavam tão preocupados comigo que não esboçaram qualquer reação positiva. Acho que só nesse fato acrescentei uns 30% de cabelos brancos à minha mãe e feito meu pai perder um bocado de cabelos também.
Finalizando a história, continuei com o Gol como carro diário por mais uns três anos. Depois o carro foi para o interior de Minas Gerais, passando a fazer parte da pequena frota do sítio do meu pai. O Sr. Valter, nosso caseiro, usava o Gol paraguaio diariamente na roça e aos domingos ia passear na cidade com a família. Mantive contato com o carro por todo esse período quando ia ao sítio. Porém em 2009, após anos de labuta na roça, e já apresentando sinais de cansaço e em triste estado de conservação, o Golzinho foi vendido para um trabalhador das redondezas e perdi o contato visual com o valente carrinho.
Analisando friamente o caso, penso que tive muita sorte em recuperar o carro. Primeiro, porque recebi essa multa que me indicou para onde tinham levado o carro. Depois, porque já tinham se passado dois meses e o carro ficou rodando somente em Ciudad del Este e não foi levado para o interior do Paraguai ou da Bolívia como de costume, o que facilitou a procura. O “roubo” também foi fácil e não houve resistência por parte de algum paraguaio, o que era meu maior medo.
Antes que alguém pergunte, não penso em ir atrás do carrinho (de novo). Creio que entre ele e eu houve uma história e que essa história já acabou. Que ele possa fazer outra pessoa feliz assim como ele me fez feliz no tempo que estivemos juntos.
MCRL
ooooo