O Brasil deve ser o país que mais leis tem no mundo. Tem lei para tudo — mas poucas são respeitadas. E menos ainda entram em vigor se não são regulamentadas. Mas, peraí, como “regulamentar” uma lei? Lei não é lei? Veja bem…
Aqui se faz uma lei, mas depois ela depende de tanta coisa que é como se ela não existisse. Então, na prática, ela não existe até que sejam cumpridos vários ritos. E isso, claro, pode levar anos. E muitos ficam no meio do caminho e nunca são terminados. E aí ficamos com leis capengas, que não servem ou servem mais ou menos. É como uma mulher “mais ou menos grávida”. Ou uma jabuticaba. Ou a tomada de três pinos. Coisas que só existem por estas paragens.
Enquanto a Constituição de alguns países tem apenas um par de páginas, como a da Argentina e a dos Estados Unidos, por exemplo, e se deixa o resto para leis específicas, a do Brasil inclui até proteção às baleias. Ora, na Carta Magna? Claro que isso permite que se incluam coisas que nem deveriam fazer parte dela e fiquem de fora da legislação aquilo que realmente deveria ser considerado. Em compensação, descemos a detalhes que seriam desnecessários em legislação e esquecemos do óbvio.
Faz pouco tempo voltei a me irritar na estrada quando, às vésperas de um feriado prolongado, estava junto com todo mundo quase parada no trânsito e apareceu um fofíssimo cidadão com aquele monte de luzinhas vermelhas na grade dianteira do carro e no pára-brisas piscando incessantemente. Carro de passeio, diga-se de passagem, sem nenhuma identificação oficial, adesivo, nem placa oficial, nadica de nada. O sujeito ora vinha pelo acostamento, ora entrando na pista, cortando todo mundo, passando por cima das faixas zebradas. Como sempre nestes casos, Insulfilm que não permitia que se visse coisíssima nenhuma dentro do veículo — inclusive no pára-brisa, juro!. Alguns motoristas davam passagem, mas de fato foram pouquíssimos. O mais estranho foi que ao chegar perto do posto da Polícia Rodoviária o sujeito se escafedeu para ao lado de um bitrem de forma a passar exatamente encoberto pelo veículo gigantesco. Pouco mais adiante, voltou ao acostamento.
Muitas vezes vi carro de polícia (ou ambulâncias) pedirem passagem no meio do trânsito com giroflex (completo, no teto, não parecendo árvore de Natal como este cidadão) e sirene e quando alguém não dá passagem o carona, devidamente uniformizado, coloca o corpo para fora e grita. As vezes o policial até bate com a mão na porta do próprio carro para chamar a atenção de algum motorista mais desatento. Desta vez, como sempre que é um carro deste tipo, nada. O motorista nem abre o vidro. Será que ele realmente não tem pressa? Ou não quer ser visto?
Várias vezes vi questionamentos sobre como proceder nestes casos. Tecnicamente, a resolução 268 do Contran de 15 de fevereiro de 2008 especifica quais são os veículos que podem usar luzes para pedir passagem de emergência – ambulâncias, bombeiros, polícia, fiscalização de trânsito e veículos oficiais. O Código de Trânsito Brasileiro diz no artigo 229 que é infração grave dirigir com equipamento do sistema de iluminação e de sinalização alterado, sujeito a retenção do veículo. Mas a Polícia diz que como a venda dessas luzes é livre assim como das sirenes, não tem como fiscalizar. Parece incrível. E é. Ou seja, temos leis para o uso mas não para a venda. Cheguei a ouvir o conselho de policiais em programas de televisão que, como não há como impedir que particulares comprem os equipamentos e os usem (como assim? Se a lei prevê até multa e retenção do veículo?) “na dúvida, dê passagem”. Ora, isto posto, eu não dou passagem já que não tenho dúvida de que não é carro oficial nem está em serviço. Se tiver dúvida, darei passagem, sim senhor. Mas sempre que não tiver dúvida, não dou. E ser porventura for um carro de polícia à paisana, ele poderá me encaminhar à delegacia. Se tudo for verdadeiro, giroflex e policial, a delegacia também será, não?
Outra peculiaridade destes indivíduos é que eles surgem sempre nos congestionamentos, mas somem quando passam perto de um comando ou posto de polícia, tudo em apenas alguns minutos. No caso que mencionei, assim como em vários outros que presenciei, os motoristas se escondem ou mesmo desligam as luzes quando passam por um comando ou posto de polícia. Ao contrário, quando me deparei com viaturas devidamente identificadas, não é raro elas buzinarem ou acenarem para seus pares. Estranha essa diferença, não? Mas porque esses carros nunca são parados e multados, se não por usarem esses equipamentos — que na minha opinião não poderiam ter venda livre, pois é como vender farda, armas ou outro equipamento privativo do Exército — pelo menos por andarem no acostamento, ultrapassarem pela direita, usarem Insulfilm irregular, e até mesmo pelo uso de luzes irregulares? Se o giroflex “de mentirinha” pode ser vendido livremente (mas não utilizado) sobra regulamentação para todas as outras violações, não? Ah, e a estrada em questão é cheia de câmeras. Será que nenhuma flagrou a fofurinha que andou assim durante pelo menos 10 quilômetros?
Já vi isso em outros Estados e mesmo em ruas de São Paulo e certamente proliferam na medida em que aumentam os congestionamentos e há leniência do poder público em coibir esses abusos. Mas também vejo que cada vez menos pessoas dão passagem a esses veículos. O problema é que, assim como a fábula de Prokofieff de Pedro e o Lobo, quando Pedro chamava os caçadores para que o ajudassem contra o Lobo que na verdade nunca o atacava eles se cansaram — e quando Pedro os chamou por um ataque verdadeiro, eles não o acudiram.
Mudando de assunto: OK que Lewis Hamilton fez por merecer o tricampeonato de F-1. Correu bem o ano todo e Nico Rosberg, além de azarado, cometeu vários erros a temporada inteira. Mas no lindo circuito de Austin parece que baixaram Prost e Senna ao mesmo tempo no inglês. Jogou o carro em cima do companheiro na primeira curva no estilo do brasileiro, se beneficiou do melhor lugar para largar apesar de ser segundo (no melhor estilo Balestre), lucrou com um tardio safety car virtual (por que demorou tanto?) e ainda viu o companheiro se lascar com um safety car verdadeiro que lhe garfou os 11 segundos que tinha de vantagem. Claro que Rosberg bobeou derrapando a sete voltas do final, mas resistiu a ser o Dick Vigarista que talvez outros tivessem sido e não permitiu que Vettel o ultrapassasse, o que teria prejudicado Hamilton. Por tudo isso, não merecia a humilhação de que lhe jogassem o boné de número 2. Menos, Hamilton, menos.
NG