Na minha carreira como engenheiro da Ford, a maior parte dos projetos e desenvolvimentos que participei foi em automóveis e picapes. Fiz também alguns trabalhos na área de caminhões, que recordo com prazer e os compartilho com o leitor.
E foi em 1974 que fui engajado no projeto do primeiro cavalo-mecânico da Ford brasileira, o F-8500 equipado com motor diesel DDA (Detroit Diesel) de 6 cilindros e dois tempos, potência de 200 cv e capacidade máxima de tração de 30,5 toneladas.
No início da década de 1970 o uso dos computadores estava engatinhando e os engenheiros faziam a maioria dos cálculos na “mão limpa”,com auxilio de calculadoras simples. Me lembro quando a Ford adquiriu a calculadora HP 9100, programável e com auxilio gráfico dando grande força à engenharia, permitindo fazer programas mais complexos de balanceamento de freio, desempenho veicular e cálculos estruturais, entre outros.
Na realidade, os cálculos estruturais preliminares do chassis do F-8500 eu preparei à maneira antiga, como se eu estivesse fazendo um projeto de faculdade. Estudei bastante o assunto e empreguei ao máximo a teoria de resistência dos materiais que havia aprendido na FEI, no curso de engenharia mecânica. É com satisfação que compartilho alguns manuscritos dos cálculos estruturais, inclusive a última página assinada por mim, mostrando os pontos críticos do apoio do “cavalo”, com os respectivos coeficientes de segurança. Note o leitor que a Ford fazia questão que todos os trabalhos fossem relatados na língua inglesa, para o seu aprendizado.
Em outubro de 1978 saiu do forno o primeiro cavalo-mecânico da Ford no Brasil, exibindo no pára-choque a frase “Pense forte pense Ford”, de minha autoria.
E foi nos idos de 1979, ambiciosamente, que a Ford iniciou o programa L9000, para fabricar a sua linha de caminhões pesados no mercado brasileiro. Foi uma festa na engenharia avançada quando recebemos a incumbência para iniciarmos o projeto série “L”, que já fazia muito sucesso no mercado americano. No Brasil, seria o concorrente direto do caminhão “narigudo” da Scania-Vabis, em um mercado para o transporte rodoviário de grandes cargas fortemente em ascensão. A serie “L” contaria com motorização Cummins em duas versões, com 270 cv e 350 cv e câmbio Eaton.
Particularmente, colaborei com o estudo da força de tração e desempenho da serie L, escolhendo as melhores relações de marchas para otimizar desempenho e economia de combustível do novo caminhão pesado.
Em meados de 1980 o programa estava indo de vento em popa, com a maioria dos fornecedores engajados e já com sete protótipos funcionais, construídos com o auxilio da ferramentaria e oficinas do Campo de Provas Ford em Tatuí. (SP), quando sem muitas explicações do alto escalão da empresa, aconteceu o inimaginável, a notícia que o programa série “L” estava cancelado. Caiu como uma bomba na engenharia, saber que todo o nosso trabalho e dedicação foi frustrado por uma decisão maior. O que soubemos depois é que o orçamento havia estourado e a Ford não quis bancar o prejuízo, interrompendo o programa.
Minha particular opinião é que a Ford deixou de investir em um nicho rentável e promissor, cometendo um erro crasso de planejamento no Brasil.
Outro trabalho interessante de que participei na área de caminhões, nos idos de 1980/81, foi um estudo avançado de aerodinâmica da série “F”, onde no túnel de vento do Centro Técnico Aeroespacial em São José dos Campos (SP) fizemos um estudo de desenvolvimento de defletores para o teto visando diminuir o arrasto aerodinâmico e ajudar a diminuir o consumo de combustível
Em testes com modelos detalhados em escala, conseguimos diminuir em torno de 30% a força de resistência aerodinâmica, principalmente com o defletor do teto mais o arredondamento dos cantos frontais do baú.
A Ford divulgou na mídia o resultado surpreendente conseguido para orientar os fabricantes de baús e os donos de frota de maneira geral, como a aerodinâmica é importante para diminuir os gastos com combustível. Não sei por que a Ford decidiu por não comercializar o defletor do teto otimizado em sua rede autorizada… mais um mistério do oval azul para o qual eu não tenho a resposta.
Em 1982, como se fosse para abrandar o erro cometido com o programa L9000, a Ford anunciou o início do programa Cargo para o Brasil. Caminhão Ford mundial, “cara chata”, com sua cabine moderna e inovadora.
Mesmo não tendo trabalhado diretamente no programa Cargo, fui convidado a participar da avaliação estática e dinâmica em seu pré-lançamento, em 1985.
E foi na área de caminhões que me despedi da Ford como engenheiro. Trabalhei na fábrica de São Bernardo do Campo ajudando a resolver problemas de qualidade na linha de montagem e também algumas rebarbas de projeto que sempre sobram após o lançamento do produto.
Encerro esta matéria com uma homenagem à Ford pelo acerto dos 30 anos do caminhão Cargo em produção. Este sim, deu certo!
CM