Copiar idéias de outras cidades não é ruim nem bom per se. Claro que ninguém precisa reinventar a roda e é sempre melhor aprender com os erros dos outros do que quebrar a cara e aprender com os próprios. Mas para isso precisamos ter senso crítico e muita informação. Um dos meus autores prediletos em termos acadêmicos é o francês Régis Debray, um estudioso da Comunicação em seus diversos aspectos. E ele tem uma frase sensacional. “Não se deve escolher nunca entre uma prática sem cabeça e uma teoria sem pés”. Mas, por que então as autoridades teimam em fazer isso?
Bem, não tenho a resposta. Mas acho que elas não lêem muito Debray. Uma pena, pois tem muita coisa interessante nos livros e na própria história dele. Se eu não tivesse tanto apreço à minha coleção e não achasse que seria um desperdício, eu mesma enviaria alguns exemplares a alguns governantes.
Recentemente um leitor aqui do AE me chamou a atenção para o assunto. E aí comecei a prestar atenção. Como aumentou a quantidade de “parklets” na cidade! O nome vem de uma brincadeira entre parking (estacionamento) e park (parque), mas em português não sabemos como chamar essas intervenções. Em abril de 2014 a Prefeitura de São Paulo aprovou a construção destes espaços que deveriam ser públicos e de convivência. Como sempre, na teoria, algo lindo. Na prática… veja bem.
Na origem, os parklets que surgiram em São Francisco (Estados Unidos) são espaços temporários para descanso, convívio, à moda de minúsculas praças erguidas nas faixas de rolamento, junto do meio-fio. Tem 10 metros de comprimento por 2 ou 2,20 m de largura e estão mobiliados com sofás, poltronas, guarda-sóis e plantas. A idéia é linda. Quem seria contra algo assim? Um oásis no cinza da cidade.
Nem vou comparar transporte coletivo em São Francisco com São Paulo e na diferença que faz tirar vagas de estacionamento aqui e lá. Não falo aqui dos bondinhos que são folclóricos e charmosos, mas transportam pouca gente. Refiro-me ao eficiente metrô que têm, apesar dos terremotos e aos ônibus… igualzinho a São Paulo. E não vou discorrer sobre a diferença de população – lá não chega a 900.000 habitantes enquanto aqui somos 12 milhões, todos empilhados.
Lamento menos as vagas de estacionamento que foram eliminadas com esta iniciativa e mais o estardalhaço e o descalabro de mais uma medida nesta cidade tão necessitada de boa administração. Também já vi diversas reclamações de moradores de prédios localizados na frente dos parklets, incomodados com o barulho dos novos freqüentadores e consigo me colocar no lugar deles. E cada vez que ouço como argumento que temos de “inverter a lógica” tenho ataques de caspa. Peraí, como assim, inverter a lógica? Lógica é lógica, não tem como ser invertida. Subverter a lógica, talvez, mas aí, nada faz sentido. E, fala sério, li argumentos consistentes e sólidos como “inverter a lógica” (hein?), “ocupar espaço” (que já estava ocupado, mas não por você, que agora lucra com isso), “fazer um convite ao diálogo sobre o tipo de cidade que queremos” (com quem? Nem com a Prefeitura que não escutou ninguém, talvez de mim com mim mesma) e “debater a restrição de estacionamento” (com quem? Pelo que sei, ele apenas foi restringido).
No projeto municipal, não há maiores limitações para a instalação de um parklet, mas a via tem de ter velocidade máxima de 50 km/h e, claro, não pode ter ciclovia, ciclofaixa ou faixa de ônibus. Ou seja, dá para colocar um na maior parte das Marginais!!
Mas olhando com cuidado, há vários vícios já no próprio projeto municipal. Aqui, os parklets devem ser bancados pela iniciativa privada, embora haja uma promessa de investimento público que, mais de um ano e meio depois de começado, nem saiu do papel. E diz o texto: “Um parklet pode ser um ótimo lugar para se comer ao ar livre. Pode ser positivo localizá-lo próximo a lanchonetes, pastelarias, sorveterias, cafés ou qualquer outro estabelecimento que sirva comida “para viagem”, assim como próximo a modalidades de comida de rua. Recomendamos que o Parklet não seja instalado em frente a restaurantes e bares. Embora a possibilidade de comer num parklet seja benéfica, ele não deve ser confundido com uma extensão do comércio em frente.” Aí, óbvio, já começa a confusão.
Mas se a Prefeitura não vai bancar isto, quem se interessaria em fazer um investimento destes? Vamos fazer contas? A construção destes espaços custa de R$ 25.000 a R$ 80.000 segundo algumas das empresas que já surgiram para construir isto. E tem até ONG envolvida. E eu que achava que ONG não deveria ter fins lucrativos…
Por que alguém iria aplicar todo este dinheiro, cuidar da manutenção do espaço, apenas por cidadania? É claro que pode haver alguns casos, segundo me disseram dois elfos, o coelhinho da Páscoa e o Papai Noel, mas com desemprego de mais de 8%, inflação de 10%, recessão e outros índices que prefiro não listar aqui, por que alguém aplicaria todo esse dinheiro apenas para pagar karma?
Como dizemos em jornalismo, não existe almoço grátis. Dos 42 parklets que já foram erguidos na cidade até agosto (último número contabilizado pela Prefeitura), somente um não está exatamente na frente de um bar ou restaurante. Fica na frente do jornal Folha de S.Paulo. E ainda há outros 50 aguardando autorização. Coincidência? Claro que não. Os “investidores” logo sacaram que com isto ganham 20 metros quadrados de potenciais clientes e, apesar de a lei não permitir, servem bebidas e comidas alegremente nas mesinhas dos “espaços de convívio público” por onde os garçons circulam. E tem gente que fala em “ocupar espaços públicos”. Sim, isso está sendo feito de fato, mas pela iniciativa privada.
E sem pagar aluguel que, diga-se de passagem, na rua Oscar Freire onde já tem três destes espaços varia de R$ 300 a R$ 600 mensais por metro quadrado. Segundo a Prefeitura, este espaço “beneficia” 300 pessoas por dia – de acordo com uma das empresas que já se lançou a construir estes espaços são 400 pessoas por dia. Sejamos pessimistas, pois afinal tem o desemprego e a recessão e não vamos achar que todos consumirão muito. Usemos os números mais conservadores da Prefeitura e imaginemos que cada pessoa consuma apenas um café e um pão de queijo. Com isto, o dono do estabelecimento chegará fácil, fácil a uma receita extra de R$ 3.000 por dia sem nenhum custo extra. Nada mau, não? Claro que a Prefeitura ganhará também pois sobre o pão de queijo e o cafezinho há diversos impostos municipais.
E adivinhem a quem cabe a fiscalização destes espaços? À Secretaria de Coordenação das Subprefeituras. A Prefeitura autoriza que os parklets funcionem exatamente na porta de bares e restaurantes, que são os que pagam a conta da “modernidade” e depois deveria fiscalizar para que não usassem esses espaços como extensão dos estabelecimentos? Já sei, vai ter dono de bar e de restaurante que vai dizer que esse número é muito alto – mas provavelmente será porque o número de “beneficiados”não é nem 300 nem 400 e não porque a dupla café e pão de queijo custe muito menos do que R$ 10 nos lugares onde estas intervenções estão e muito menos porque eles não estejam servindo clientes nesses lugares.
Como o parklet ocupa o espaço de dois carros, vamos supor que fossem de zona azul. Ainda segundo a Prefeitura, ele “tira” o espaço de 40 carros por dia nessas duas vagas. A R$ 5 por folha de estacionamento não precisa ser nenhum Einstein para ver de qual das duas formas se arrecada mais e mais rapidamente, certo? Se nem zona azul havia no local, a Prefeitura não arrecadava nada com os dois veículos mas agora sim com o parklet.
Talvez já de olho nesse filão, na esquina da Av. Paulista com a Padre João Manuel foi inaugurado um definitivo. Mas a largura da Paulista é de 10 metros. Não havia possibilidade de colocar estes espaços na própria calçada, em vez de na faixa de rolamento? Ah, mas aí não haveria outro bode na sala. E a Prefeitura diz que vai construir alguns parklets públicos. Mas o fato é que até agora todos os que já saíram do papel foram em áreas centrais, com elevado custo de espaço, e bancados pela iniciativa privada. Ou será que no Capão Redondo as pessoas têm muitos lugares de convívio e descanso? Ou os moradores da Vila Brasilândia não podem “ocupar” os espaços públicos? Será que não seriam bem-vindos parklets em Cidade Ademar? Por que nos Jardins e na Vila Madalena e não em Itaquera? E será que aqueles que construíram e mantêm estes espaços nas áreas nobres permitem que moradores de rua descansem nesses espaços? Se sim, não sei quando, pois eu não encontrei nenhum nas minha andanças pela cidade, por mais atenção que tenha prestado.
E atenção, como disse, precisamos aprender com os erros dos outros. Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Goiânia estão em processo de aprovação de seus primeiros parklets regulamentados. Fortaleza, Recife, Rio Branco, Sorocaba, Porto Alegre e Curitiba já fizeram parklets, mas ainda não têm regulamentação e outras cidades começaram a fazer os primeiros estudos de implantação.
E voltando a Debray, ele tem uma teoria que numa versão resumida diz que a informação em si não é poder, mas sim o que se faz com ela, como ela é tratada, contextualizada, utilizada. Segundo ele, se assim não fosse os bibliotecários seriam os donos do mundo. Então, por que não fazer melhor uso da informação que se tem sobre iniciativas em outros lugares do mundo em vez de apenas copiar?
Mudando de assunto: Gostei do GP de Abu Dhabi. Apesar de o campeonato já estar definido, bonitas ultrapassagens, lindo show de fogos no final e um circuito impecável – que chama a atenção especialmente depois de ver o abandonado Interlagos, com grama onde nem carneiro faminto pastaria. Muito interessante ver uma mulher no pódio, a engenheira da Mercedes Kim Stevens. Feliz ficou o Hamilton pois na hora da foto ela ficou entre ele e o Rosberg e evitou que ele tivesse de abraçar o alemão. E o que é isso na Williams? Liberar o Bottas quando vem outro carro? Este ano a equipe já errou tudo e mais um pouco em coisas banais como esta. Colocou um pneu errado no mesmo finlandês, se enganou na pressão de outro no carro do Massa… assim não tem piloto, chassis nem motor que supere tanta bobagem.
NG