Passada a infernal semana que antecedeu o Natal, quando percorri menos de 300 km me arrastando em trânsito intenso na capital paulista — 18 km/h de média!!! —, chegou a hora de soprar longe o estresse e pegar estrada, e com carro literalmente cheio. Porta-malas sem nenhuma fresta livre, cinco a bordo — dois adultos, duas adolescentes e um cachorro — a bússola apontou para o litoral norte do estado de São Paulo, as praias entre Caraguatatuba e Ubatuba.
Antes de falar sobre trajetos e como se comportou nosso C4 Picasso nestes 649 km percorridos na semana, vale uma reflexão usando a frase do parágrafo anterior “a bússola apontou…”, e citar o sistema de navegação deste Citroën. Sem dúvida é muito melhor ter um navegador instalado em seu automóvel do que não tê-lo. O problema é que ele certamente incidirá no preço final do veículo mesmo sendo, como no caso do C4, parte do pacote em qualquer versão, ou seja, é equipamento de série.
Porém, navegadores GPS hoje em dia enfrentam a brutal concorrência dos aplicativos de navegação instalados nos onipresentes smartphones, cuja desvantagem da tela menor é compensada pela vantagem da escolha do melhor percurso usando parâmetros colhidos por outros usuários conectados ao mesmo aplicativo. Assim, por melhor que seja (e é muito bom!) o navegador do C4, para esta nossa viagem ele serviu para exatamente nada. Se o sistema multimídia pudesse espelhar a tela do aplicativo, o Waze no caso, seria muito melhor.
De volta à análise do roteiro da semana, a experiência de carregar o porta-malas para a viagem foi moleza: a compartimento de carga do C4 Picasso tem paredes regulares, assoalho alinhado com a tampa e tamanho considerável, 537 litros segundo o fabricante. Totalmente revestido, conta ainda com um tapete dupla-face, carpete/borracha. O espaço para o estepe (temporário) serviu para colocar pequenos objetos. Falta uma sempre útil rede elástica de contenção, mas os quatro ganchos metálicos ali estão, bem posicionados nas extremidades do compartimento.
Do lado direito há um porta-objetos pouco profundo com tela elástica, enquanto que na lateral oposta está a iluminação, que nada mais é do que uma lanterna de bateria recarregável que pode ser desencaixada, de fácil acesso e uso, que como comprovei pode ser muito útil em diversas situações. A tampa basculante superior é leve e é fácil de tirar e colocar, suspensa pelas clássicas cordinhas na tampa do porta-malas, que como avisado na semana passada, se dá por comando elétrico acompanhado de sinal sonoro e dotada de sensores antiesmagamento.
Uma vantagem deste C4 Picasso é a possibilidade de aumentar o espaço para bagagem apenas avançando um a um os três bancos traseiros dos passageiros, sem rebatê-los, o que também é possível. Mesmo na posição mais avançada pernas cabem, inclusive se os bancos de motorista e acompanhante estiverem totalmente recuados. O rebatimento dos três bancos traseiros promove um espaço espetacular (mais de 1.700 litros!!!) e inclusive é possível rebater o encosto do banco do passageiro dianteiro e carregar um objeto extremamente longos como… uma prancha de stand-up de 10 pés (3 metros), como fiz.
Antes de entrar na estrada, verifiquei durante o abastecimento a pressão exigida para os pneus: para o carro descarregado a recomendação é de 2,5 bar (36 lb/pol²) nos quatro. Com carga não há mudança nos dianteiros mas atrás a pedida sobe a 3,2 bar (46 lb/pol²). Observando o C4 ser abastecido (o bocal de combustível é fechado apenas pela portinhola, não havendo tampa exclusiva) notei o quanto a carga máxima deixou a traseira arriada mas, como confirmado na sequência, os pequenos balanços dianteiro e traseiro praticamente não raspam nos obstáculos tradicionais, lombadas, valetas e entradas/saídas de garagem muito pronunciadas. Ponto para este novo C4 Picasso, já que no anterior, especialmente a dianteira era vítima de constantes e incômodos contatos com o solo.
O dia ensolarado permitiu notar que apesar do tratamento do gigantesco vidro dianteiro deixar de fora boa parte do calor, usar as “pálpebras” e inclusive os parassóis evita exagerar no protetor solar, idem a turminha que foi atrás que fez questão de viajar com a tela do teto de vidro fechada.
Aos 120 km/h regulamentares o Picasso é com certeza um dos mais silenciosos carros que dirigi, e muito disso se deve a total ausência de ruído externo, mostrando o capricho aerodinâmico voltado não apenas para a sempre necessária diminuição do Cx como também para o conforto auditivo. O motor nesta velocidade gira a 2.200 e no painel de 13 polegadas a indicação D6 mostra que o câmbio está em última marcha.
Este novo C4 Picasso é o primeiro Citroën vendido no Brasil a se valer da nova plataforma batizada de EMP2 (Efficient Modular Platform 2). Na prática ela fez este novo Picasso ser quatro centímetros mais curto mas o entreeixos é 5,7 cm maior, o que aumentou o já generoso espaço interno e que se nota bem observando como as rodas estão posicionadas nas extremidades do carro.
O conforto e a sensação de segurança na rápida rodovia é integral. Contribui muito a ergonomia exata, tudo à mão literalmente e os excelentes, e já comentados na semana passada, bancos. Já a segurança vem ao lembrar das seis bolsas de ar, a tradicional sopa de letrinhas eletrônica (freios ABS com EBD e AFU), o controle dinâmico de estabilidade ESP e o controle de tração ASR. E na prática? Precisão direcional, capacidade de mudança de pista rápida sem excessiva rolagem da carroceria, resposta aos comandos pronta e precisa e uma visibilidade de referência, onde apesar do parabrisa inclinado ao extremo nota-se o cuidado dos projetistas para tornar as colunas anteriores mínimas, limitando assim perda de visibilidade.
A boa estrada cedeu lugar à tortuosa descida de serra e nela o C4 continuou dando seu showzinho de competência. A direção de assistência elétrica progressiva transmite com fidelidade o que se passa com os pneus, não sendo anestesiada em excesso. Porém, o destaque em relação ao modelo anterior é sem dúvida o conjunto motor-transmissão. A resposta ao acelerador do novo Picasso nas saídas de curva é exuberante, e usar as borboletas atrás do volante nessa descida de serra rápida foi desnecessário pois a gestão do câmbio até parece enxergar o que vem pela frente.
Na chegada ao litoral, o encontro com o asfalto degradado mostrou algo que se manteve da geração anterior do Picasso para essa: o choque seco da suspensão traseira ao passar por buracos ou grandes irregularidades. Tal incômodo ainda está presente, talvez reduzido, mas ainda assim inconveniente. Já a suspensão dianteira não merece reparo. O acerto geral é macio, mas não excessivo. E nem em condução distraída as lombadas incomodam, nada raspa, nunca, surpresa positiva mesmo, principalmente porque nos quilômetros finais de viagem uma estrada íngreme e praticamente sem pavimentação foi território de teste ideal não só para desagradáveis contatos com o piso como para o sistema de controle de tração e o diâmetro mínimo de curva, que neste C4 Picasso atual se reduziu em um metro. Essa maior capacidade da direção em esterçar na prática facilita manobras e permite encarar curvinhas com mais agilidade.
No destino, a conferida no computador de bordo mostrou uma marca de consumo ótima, 12,8 km/l em pouco mais de 220 km percorridos, registro que supera em muito o que consegui nesta mesmíssima viagem e condição de carga e uso feita com o C4 Picasso antigo há cerca de três anos, que mal alcançou os 10 km/l. É o resultado da modernidade do motor atual, da melhoria na transmissão, mas também dos 140 kg a menos da atual versão, conseguidos com um capô de alumínio associado ao uso de aços especiais na nova estrutura.
Os dias sucessivos foram marcados por um intenso sobe-e-desce da casa encarapitada na montanha rumo às praias, trecho por vezes curto mas sempre marcado pelo percurso de saída e chegada feito de estrada de terra íngreme que só ela. Nessa condição, onde o motor mal tempo tinha de alcançar uma razoável temperatura de exercício, o consumo baixou para os 6,7 km/l que, acreditem, é marca boa.
Recentemente esse mesmo vai e vem com um Honda City com câmbio automático abastecido com gasolina revelou menos que 6 km/l. Mais leve, menor, com motor 1,5 litro aspirado, como justificar a sede do City? Em uma só palavra: flex, o motor Honda não prima pela economia com nenhum dos dois combustíveis que “bebe”.Já o C4 Picasso, maior, mais pesado (1,4 tonelada) é empurrado por um motor 1,6 litro superalimentado que aceita apenas a gasolina (batizada com os 27% de álcool) e ponto. Esbanja potência e principalmente torque, e executa seu trabalho sofrendo bem menos.
Nesse semifora de estrada praticado com o C4 Picasso os pneus medida 205/55R17 Michelin Primacy HP (made in Germany…) se mostraram plenamente adequados. Não tanto à tarefa de encarar concreto molhado sujo de terra ou chão batido úmido, que foi cumprida a contento, mas mais pelo perfil não exageradamente baixo, inimigo dos aros de rodas e pneus. Insensível a pedras e irregularidades causadoras de cortes e bolhas, os pneus do Picasso C4 prometem não chatear seu dono.
Passada a semana tropical, hora de subir a serra e no percurso, realizado à noite, sorrir de orelha a orelha com a qualidade da iluminação. Os faróis de xenônio (alto e baixo) direcionais são irretocáveis. Como costuma ser neste tipo de farol, o “corte”, a separação da área iluminada da não iluminada é pronunciada, mas no C4 Picasso não é incômoda. Alto, baixo assim como os faróis auxiliares são um passaporte para uma excelente visibilidade. Nesta condição de viagem noturna a tecla situada no volante que permite apagar a tela de sensível ao toque que comanda diversos sistemas (áudio, climatização, gestão de configuração, navegador etc…) permite mais conforto mesmo se a tela principal do painel (mesmo em configuração de iluminação mínima) ainda incomode um pouco. É o preço que se paga pelas dimensões generosas deste painel.
Outro bom companheiro do voo noturno é o comando que regula a altura dos faróis, situado à esquerda do painel em posição um tanto infeliz (é preciso tatear para achá-lo, pois o volante o encobre). Devido à razoável variação da altura da traseira este é um comando fundamental para não ofuscar outros motoristas e ao mesmo tempo manter o alinhamento de faróis para a melhor iluminação do caminho.
Na chegada a São Paulo, a consulta ao computador de bordo revelou outra excelente marca, 12,4 km/l, apenas 0,4 km/l maior do que o trecho de ida sendo que nesta volta os 800 metros de altitude que separam o litoral do planalto paulista tiveram que ser vencidos. Este bom consumo com subida da serra incluída se explica tanto por um tráfego menor nesta volta quanto pela característica do trem de força deste Citroën, que exibe torque “espalhado” entre 1.400 e 4.000 rpm, o que permite pisar pouco no acelerador para encarar aclives. Isso para não falar do câmbio de seis marchas. Aliás, na subida da serra (rodovia dos Tamoios) utilizei em uma meia dúzia de curvas o recurso de reduzir de marcha através das borboletas.
Como a tocada era mais do que tranquila, o intuito foi apenas o de verificar a resposta deste comando que resultou praticamente imperceptível. Na verdade algumas vezes tive que olhar no painel, na indicação da marcha engatada, para ver se efetivamente a troca havia acontecido de tão suave o processo. Em breve, tal operação será realizada com o C4 Picasso rodando mais “animado”, sem tantos a bordo e ainda por cima dormindo.
Para a terceira semana o roteiro será misto: cidade e viagem de fim de semana, período no qual tentarei conhecer outros aspectos desta minivan que são ainda incógnitos, tais como o sistema de estacionamento automático e alguns outros recursos que, ou por falta de tempo ou preguiça (férias!!!), não foram explorados. Porém, uma coisa já é evidente: quem precisa de conforto e espaço com tecnologia e desempenho global invejável, tem neste C4 Picasso um forte candidato à sua garagem.
RA
CITROËN C4 PICASSO
Dias: 14
Quilometragem total: 934,8 km
Distância na cidade: 492,8 km (52,7%)
Distância na estrada: 442,0 km (47.3%)
Tempo ao volante: 33h32min
Velocidade média: 26,3 km/h
Consumo médio: 8,2 km/l
Melhor média: 12,8 km/l
Pior média: 6,7 km/l